Pesquisas da Unesp mostram como Brasil pode cumprir meta de reduzir geração de metano pela pecuária

Em novembro, país aderiu a compromisso internacional de diminuir em 30% emissões do gás causador de efeito estufa. Estudiosos explicam como alcançar objetivo pela implementação de inovações em áreas como manejo de pasto e suplementação alimentar.

Um dos resultados mais significativos da COP26, a conferência da ONU sobre o Clima que ocorreu no mês de novembro, foi o de trazer o metano para o palco dos debates internacionais sobre gases de efeito estufa. Durante o evento, 96 países se tornaram signatários do Compromisso Global sobre o Metano, pelo qual se comprometem a reduzir em 30% as emissões nacionais do gás, tomando-se por base o ano de 2020. Este compromisso é especialmente desafiador para o Brasil. Afinal, aqui o agronegócio que desempenha um papel estratégico na economia brasileira é responsável por 97% das emissões de metano no país, através da pecuária. Para pesquisadores da Unesp que estudam as emissões de metano pelo agro brasileiro, o país tem condições de cumprir as metas adotadas no compromisso, uma vez que as tecnologias necessárias já estão disponíveis. Porém, será necessário investir para aumentar a produtividade no campo, e este processo deverá passar, necessariamente, por um melhor manejo do pasto.

O metano é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa (veja info abaixo), mas sua concentração na atmosfera é muito inferior à de outro vilão climático, o gás carbônico. E seu tempo de permanência de atmosfera pode se estender por “apenas” 12 anos, enquanto o gás carbônico leva até centenas de anos para se degradar  Porém, seu potencial para promover elevação de temperatura é 28 vezes maior que o CO2. “Por isso, se a gente conseguir reduzir as emissões de metano, pode haver um impacto mais rápido na estabilização do aumento da temperatura”, explica o engenheiro agrônomo Abmael Cardoso, que acaba de concluir um pós-doutorado no câmpus da Unesp em Jaboticabal e tem como foco de sua trajetória acadêmica o estudo da emissão de gases de efeito estufa pela pecuária.

Estudos contribuíram para revisão de padrões pelo IPCC

Pesquisadores de Jaboticabal foram pioneiros em avaliar a emissão do metano entérico, ou seja, aquele produzido a partir da digestão e fermentação das fibras de gramíneas e leguminosas e que é eliminado por algo parecido com um arroto.

Os estudos, que começaram ainda em 2003, colaboraram para que o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) corrigisse seus valores para o fator de emissão de gases de efeito estufa aplicados à pecuária, um dado que consta nos protocolos que orientam os países quanto aos procedimentos para a elaboração do inventário de suas emissões. O artigo foi publicado na revista científica Soil and Tillage Research, em 2019. “Antes desse trabalho, o fator de emissão recomendado pelo IPCC para fermentação entérica de bovinos era de 2%. Nossas pesquisas encontraram valores em torno de 0,4%. Pesquisas de outras instituições também confirmaram esses mesmos valores e em 2019 o protocolo do IPCC foi revisado para o valor de 0,6%”, afirma Abmael.

Como a emissão do metano na pecuária se dá principalmente pela digestão do capim que o animal está consumindo, Abmael explica que uma das principais formas de reduzir essa emissão é alterando a digestibilidade da fibra deste capim. Por isso, um dos focos dos pesquisadores está na melhoria do manejo e da qualidade nutricional dessa pastagem.

Pasto também é cultura

Alguns dos estudos desenvolvidos em Jaboticabal avaliaram, por exemplo, a altura ideal que o capim deve ter para ser oferecido ao gado, bem como a quantidade ideal de insumos que devem ser aplicados no solo para a melhor digestibilidade e absorção de nutrientes pelos animais. Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica Agronomy, no final do ano de 2020. “Constatamos que, se o capim cresce e passa do ponto, ele fica muito fibroso e vai refletir num aumento da produção de metano. Por outro lado, se a adubação for feita da maneira correta, isso levará a um crescimento na produção de massa por área sem que haja aumento na emissão do gás, e assim se pode produzir mais carne por área”, exemplifica Abmael. “É por isso que nós defendemos que o capim seja tratado como uma cultura.”

Parte desse trabalho envolve estimar com precisão o consumo de alimento pelo animal e a quantidade de energia despendida nesta alimentação, para então medir quanto de energia ele perdeu na forma de metano. No campo, esse levantamento é feito com a ajuda de dispositivos que são fixados na cabeça do animal e recolhem o metano emitido por meio do “arroto”, ou em câmaras estáticas localizadas no meio do pasto.

Intensificação sustentável

Outra forma de atacar o problema é até óbvia, mas está longe de ser simples: aumentando a produtividade do rebanho. As pesquisas realizadas em Jaboticabal podem ser enquadradas no conceito de ‘intensificação sustentável’. Em essência, a ideia é promover o desenvolvimento de técnicas de manejo e tecnologias que colaborem na intensificação da pecuária, aumentando a sua eficiência e produtividade, o que traria como consequência a redução na emissão do gás metano. 

“A sustentabilidade ambiental passa por manter o pasto estável, ajustando o número de animais de acordo com a quantidade de capim produzido. Essa eficiência vem do pasto, mas acaba se traduzindo no animal”, explica Ricardo Reis, professor do Departamento de Zootecnia e que está concluindo um projeto temático na Fapesp, dentro do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, em que buscou estudar estratégias para redução dos impactos ambientais na produção de bovinos de corte. Algumas das ações que integram esse conceito de intensificação sustentável foram abordadas no artigo Intensification: A Key Strategy to Achieve Great Animal and Environmental Beef Cattle Production Sustainability in Brachiaria Grasslands, publicado no periódico Sustainability, em meados de 2020.

Na visão do docente, embora existam casos de excelência no país, a pecuária brasileira, analisada pela perspectiva da emissão de gases, ainda é muito ruim, não apenas pelo metano emitido pelos animais, mas também pela grande quantidade de pastos degradados. “Um pasto mal manejado tem uma vida útil muito curta, e irá se degradar e emitir CO2. É preciso atacar a fonte do problema, que é o pasto, e depois chegar a aspectos como nutrição, genética e sanidade do rebanho”, aponta.

Para Ricardo, um bom manejo do pasto, combinado com uma suplementação alimentar adequada para os períodos de seca, quando há menos capim disponível, pode colaborar para o aumento no número de animais por hectare, encurtar a idade de abate e aumentar o número de bezerros obtidos por vaca ou para o desmame dos bezerros. Todos estes são indicadores de eficiência que, se melhorados, levariam também a uma redução na emissão do metano.

Brasil tem vantagens para implementar novas tecnologias

Nos próximos anos, o plano do grupo de pesquisadores de Jaboticabal é avançar na melhora da suplementação animal, da forma como vem sendo feito em relação à gestão da pastagem. A preferência é por experimentos com produtos naturais, coprodutos da agroindústria e alimentos que não são consumidos também por humanos, visando a viabilidade sustentável e econômica dessa suplementação. Algumas dessas propostas foram reunidas em um capítulo do livro Animal Feed Science and Nutrition – Health and Environment, intitulado Advances in Pasture Management and Animal Nutrition to Optimize Beef Cattle Production in Grazing Systems.

Abmael reforça que as tecnologias para esse objetivo já estão disponíveis. Mas, como a maior parte dos produtores sempre pôde contar com custos de produção mais baixos, favorecidos principalmente pelo preço da terra no Brasil, até então não havia necessidade de correr riscos adotando novas tecnologias. O cenário, entretanto, parece estar mudando, devido à pressão internacional, à competição entre mercados e à exigência de eficiência ambiental e produtiva.

O engenheiro agrônomo, que atualmente trabalha em um centro de pesquisa na Flórida, nos EUA, se mostra otimista. “A capacidade de reação dos pecuaristas brasileiros é muito grande. E não vejo outros locais do mundo com possibilidades de aumentar a produção para tomar nosso lugar nos mercados. Isso dá um certo tempo ao produtor para adotar inovações”, afirma.

Imagem de destaque: animal durante experimento portando dispositivo para medir a liberação de metano. Crédito: arquivo pessoal