Educação matemática leva doutorando da Unesp ao topo de premiação internacional

Finalista do Global Teacher Prize, Greiton Toledo de Azevedo tem como foco processo formativo de seus estudantes com base no uso de tecnologias para apoiar tratamento de pacientes com Parkinson

Doutorando do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Educação Matemática vinculado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) do câmpus de Rio Claro da Unesp, Greiton Toledo de Azevedo, de 31 anos, é o único professor brasileiro entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize de 2021, premiação anual criada pela Fundação Varkey para valorizar trajetórias docentes notáveis e com impacto social mundo afora.

Popularmente batizado de “Nobel da Educação”, o Global Teacher Prize está em sua sétima edição e concede anualmente ao professor vencedor um prêmio de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,2 milhões), liberado ao longo de dez anos, para ser aplicado na continuidade das ações do projeto premiado. Greiton Toledo de Azevedo foi escolhido entre os top 50 em meio a milhares de submissões, de 121 países diferentes. É o oitavo brasileiro a chegar entre os finalistas. Até agora, nenhum professor do país conquistou a premiação.

Docente de matemática com um percurso extraordinário na educação básica do ensino público de Goiás, estado em que nasceu e onde sempre lecionou, Greiton de Azevedo escolheu há alguns anos o professor da Unesp Marcus Vinicius Maltempi para ser o seu orientador de doutorado, no qual desenvolve uma tese em que busca lançar olhares inovadores sobre o processo formativo de matemática dos estudantes com base em invenções científico-tecnológicas de baixo custo destinadas ao tratamento de pacientes com Parkinson.

O doutorando acredita que a parceria com Maltempi, que recebeu auxílio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e rendeu 8 dos 9 artigos que ele publicou em periódicos científicos nos últimos quatro anos, foi fundamental para dar um foco que está impulsionando a sua produção científica e consolidando ainda mais a sua prática docente que prioriza a criatividade, a autonomia e a busca de soluções para situações-problema por meio do uso de tecnologias. Livre-docente em educação matemática, Maltempi é vice-coordenador do Instituto de Educação e Pesquisa em Práticas Pedagógicas (IEP3) da Unesp e especialista em metodologias ativas de aprendizagem, nas quais os estudantes são os protagonistas desse processo.

O doutorando Greiton de Azevedo (à esq.) e o professor Marcus Vinicius Maltempi, do câmpus de Rio Claro da Unesp, em um evento em 2019

“No doutorado, a ideia é cientificizar a parte de impactos sociais (no ensino da matemática) que sempre fez parte de minha trajetória como professor. Coloco em xeque um tipo de formação que temos hoje em que o aluno é treinado para fazer prova e entrar no ensino superior. Não acredito que, se a gente aumentar dez pontos percentuais no gráfico, isso seja boa educação. Não dá para colocar criatividade, autonomia e invenção dentro de uma prova”, afirma o doutorando.

Minha tese é sobre Parkinson e formação. Minha pergunta de doutorado é ‘como se mostra o processo formativo de matemática desses estudantes que constroem invenções científico-tecnológicas destinadas ao tratamento da doença de Parkinson?’ A tese dialoga com uma nova forma de pensar a formação, mais pela criatividade e pela inovação e menos pela decoreba, pela reprodução

Greiton Toledo de Azevedo, doutorando do PPG em Educação Matemática da Unesp em Rio Claro

A pesquisa de Greiton de Azevedo busca compreender o processo formativo em matemática de seus estudantes do ensino médio que constroem jogos digitais e desenvolvem dispositivos robóticos voltados para o tratamento de sintomas da doença de Parkinson. O trabalho docente é desenvolvido no Instituto Federal Goiano, no câmpus da cidade de Ipameri, a cerca de 200 quilômetros de Goiânia, e as tecnologias desenvolvidas pelos alunos são aplicadas em sessões periódicas de fisioterapia do Hospital-Dia do Idoso de Anápolis, outro município goiano, referência no atendimento de pacientes com Parkinson. Com base na interação com os doentes e também com os profissionais de saúde do hospital, os estudantes já experimentaram dezenas de jogos com dispositivos robóticos conectados a eles para apoiar os movimentos prejudicados desse público-alvo – segundo o doutorando, já são “mais de 70 invenções” documentadas neste trabalho.

“O nosso projeto é uma sala de aula que não tem respostas prontas. Trabalhamos todo o tempo com o ineditismo e com a inovação. Usamos materiais como roda de bicicleta, pallets, parafusos e pequenas placas eletrônicas para desenvolver e criar jogos. Por trás desses jogos, há muita álgebra, geometria, algoritmo e lógica matemática para sincronizar movimentos estratégicos para as sessões de fisioterapia dos pacientes com Parkinson”, diz o doutorando.

Um dos exemplos desses movimentos ocorre em um jogo de pesca desenvolvido pelos estudantes. Nele, é utilizada uma vara de pescar conectada em seu anzol, na ponta dela, a um dispositivo robótico. Com o apoio de um projetor, com imagens que simulam a situação de pesca, o paciente com Parkinson tem o desafio de “pescar” os peixes projetados, fazendo movimentos verticais para encostar o anzol nos peixes. Entre os materiais de robótica utilizados, estão placas BBC micro:bit, Makey Makey e softwares como GeoGebra e Scratch. As bases teóricas dos trabalhos desenvolvidos no doutorado recebem muita influência de escritos do também matemático e educador Seymour Papert (1928-2016), em especial de seu conceito sobre “pensamento computacional”.

“O projeto foca na ideia do ambiente de aprendizagem escolar extramuros como um lugar para vivenciar experiências científicas, criativas, tecnológicas em matemática com problemas encaminhados pela sociedade. Essa formação não é linear, traz mais significado para o conhecimento, mais responsabilidade para o estudante e tem potencial de transformação social. Já temos publicações em revistas científicas falando sobre isso e depoimentos de muitos alunos que passaram a se interessar pela matemática (ao participar do projeto)”, explica o professor Marcus Vinicius Maltempi, citando algumas das intervenções sociais exitosas realizadas ao longo da trajetória de seu orientando como professor do ensino básico.

O doutorando Greiton lecionando em escola de Goiás: trajetória dedicada à educação pública. Divulgação/Projeto Mattics

Trajetória
Greiton de Azevedo cresceu em um bairro periférico de Goiânia, Jardim Balneário Meia Ponte, e fez todo o percurso escolar em instituições públicas, da pré-escola à Universidade Federal de Goiás (UFG), na qual graduou-se em matemática, completou uma especialização em educação matemática e o mestrado em educação em ciências e matemática. No início da adolescência, foi destacado para um curso de altas habilidades (superdotação) e, no último ano do ensino médio, mesmo com uma bolsa integral em uma instituição particular, completou o percurso na escola pública, de forma simultânea.

Em 2016, durante o mestrado na UFG, recebeu o Prêmio Educador Nota Dez, um dos mais tradicionais da educação básica do Brasil, após criar o Projeto Mattics (matemática e suas tecnologias) e desenvolvê-lo com estudantes do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Senador Canedo, em uma região de alta vulnerabilidade social.

“A essência do nosso trabalho é impactar de forma positiva a vida de pessoas que estão com uma doença muito séria como Parkinson, que infelizmente hoje não tem uma cura. Usamos a sala de aula para levar o estudante a remover a repulsa e a aversão à matemática e se posicionar como cientista capaz de intervir em sua realidade e propor soluções”, explica Greiton de Azevedo, sobre o doutorado. “Por que não usar a ciência e a educação para impactar e mudar vidas e percursos de pessoas? Sou de família humilde e minha mãe queria que eu fosse médico. Fiz toda a minha trajetória em escolas públicas, sempre quis ser professor e, veja que curiosidade, hoje crio dispositivos para área da medicina sendo professor da educação básica e fazendo doutorado em universidade pública”, pontua o doutorando.

Em 2017, Greiton de Azevedo foi selecionado para um programa de aprendizagem criativa no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos. Neste ano, se a pandemia permitir, deve voltar ao país para realizar um “período sanduíche” do doutorado em outra instituição norte-americana, a Rutgers University, câmpus de Newark. A expectativa é que as aulas comecem em novembro.

Na expectativa de ser um dos dez finalistas do Global Teacher Prize de 2021 que serão convidados a viajar para o local da premiação, que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o doutorando da Unesp faz planos de seguir na carreira acadêmica. “No doutorado, focamos na formação de matemática por meio dessas invenções para o Parkinson. Tivemos muitas ideias… Talvez em um pós-doutorado, não sei, trabalharemos em uma questão não mais de formação matemática, mas pensando na contenção da doença, em uma parte mais específica. Sei que o trabalho vai continuar muito pela frente”, projeta o doutorando.

Na imagem acima, paciente com Parkinson em fisioterapia com apoio de dispositivo desenvolvido por estudantes nas aulas de matemática – Divulgação/Projeto Mattics