No Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, Unesp apresenta suas iniciativas para promover acessibilidade

Vera Capellini, que preside Comissão Central de inclusão, detalha medidas que apoiam entrada e permanência de estudantes com deficiência na Universidade

Desde 2005, o Brasil celebra oficialmente o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência na data de 21 de setembro. A partir de 2011, a Unesp também vem se engajando nesta causa, e hoje a universidade já conta com uma gama de ações para apoiar este público, atendendo inclusive necessidades individuais. Nos anos mais recentes, têm surgido iniciativas que focam também as pessoas sem deficiência da comunidade unespiana, procurando capacitá-las para pensar de forma mais inclusiva a fim de construir uma universidade verdadeiramente aberta a todos. 

Na entrevista a seguir, a atual presidente da Comissão Central de Acessibilidade da Unesp, Vera Capellini, que é professora do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências de Bauru, tem mestrado e doutorado em educação especial, e é livre-docente em educação inclusiva, explica como a universidade têm implementado essas ações e adianta os próximos planos, que incluem uma colaboração com o governo do Estado para a criação de uma política estadual para o ensino inclusivo. “É importante enfatizar que nenhuma dessas iniciativas tem a ver com qualquer tipo de favor. É uma questão de direitos”, explica.  

Quais são as iniciativas que estão sendo planejadas na Unesp ocasião do Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência?  

Vera: São várias. Neste dia, a comissão central de acessibilidade irá divulgar uma carta aberta manifestando repúdio ao decreto 10.502/2020, do Governo Federal, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial. Esse decreto foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, que quis ouvir a opinião dos especialistas da área. E nós, da Unesp, não podemos ficar calados diante desse fato. Entendemos que a proposta desse decreto é substituir a perspectiva inclusiva da Educação, que vem sendo a linha adotada nos últimos anos por uma visão mais segregadora, que enxerga a deficiência como um defeito, e que seria responsabilidade do indivíduo, visão que refutamos, pois consideramos as potencialidades das pessoas.  

Aliás, há poucas semanas, o ministro da Educação veio a público e disse que as crianças com deficiência que compartilham sala de aula com crianças sem deficiência “atrapalham”, entre aspas, estas últimas. Colocar uma palavra entre aspas é um recurso de linguagem, para que pareça que ele falava “sem querer ofender”.  Mas essa é uma fala que sugere que “o melhor é que essas crianças não fiquem aqui”. Mas, hoje, há uma concepção social da deficiência: é o meio que tem que ser modificado para que se possa receber todas as pessoas.  

Vale ressaltar que o aluno com um comprometimento muito grave em geral está numa escola especial já, não numa classe comum.  Mas, quando se trata de políticas públicas, a base deve ser uma perspectiva inclusiva. Esse decreto é um retrocesso. 

Haverá outras atividades? 

Vera: Várias. A comissão local de acessibilidade do câmpus de Botucatu está organizando a 1ª Semana em comemoração ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A programação inclui a transmissão de lives na terça, na quarta e na quinta, no horário das 17 horas. Elas trarão falas tanto de pesquisadores como de pessoas com deficiência, participação do titular da Secretaria da pessoa com deficiência e atividades artísticas e culturais.

Em Bauru serão divulgados vídeos curtos que trazem dicas e buscam ampliar a cultura inclusiva junto à comunidade geral. Por exemplo, ao invés de dizer que alguém é deficiente, é adequado dizer que se trata de uma pessoa com deficiência. Assim, a palavra pessoa, a identidade daquele indivíduo, vem primeiro do que sua condição. Outra dica apresentada nos vídeos: não existem surdos-mudos. Estas pessoas têm o aparato para fala funcional. Se não falam, é porque não escutam, e se comunicam pela língua brasileira de sinais, a Libras.  

Também, em alguns municípios, os conselhos municipais da pessoa com deficiência estão convidando pesquisadores da Unesp para falar sobre o avanço das pesquisas nessa área na semana que vem. Vai ocorrer em Rio Claro, por exemplo. Então, está havendo uma parceria da Unesp com as prefeituras e os conselhos municipais para divulgar conhecimento sobre a temática. 

A Universidade é um locus de produção de conhecimento, mas ela também deve tornar esse conhecimento acessível e ampliar o saber e a cultura. E como fazer isso no caso da cultura inclusiva? Informando e sensibilizando.   

Do ponto de vista institucional, quais têm sido as iniciativas da Unesp  para promover a inclusão das pessoas com deficiência? 

Vera: Em 2011, foi criada a Comissão Permanente de Acessibilidade da Unesp, a pedido da Pró-Reitoria de Graduação. A partir de 2014, teve início um mapeamento de quem e quantos são os alunos que chegam à universidade com alguma condição de deficiência. O levantamento se baseou nos dados dos inscritos no vestibular, organizado pela Vunesp, que declararam possuir alguma deficiência. A Vunesp então procurou a Unesp para solicitar suportes para estes estudantes, tais como um profissional ledor para atender estudantes com baixa visão ou tradutores de libras. Se no ato da inscrição no vestibular o estudante declara que precisa de certo recurso, por conta de alguma necessidade em decorrência da deficiência, ele é atendido. Esta ação é fruto de parceria entre a Unesp e a Vunesp.  

A Comissão Permanente fez então um mapeamento das condições de acessibilidade e inclusão da Unesp. Hoje ela se chama Comissão Central de Acessibilidade e Inclusão. Durante a gestão do professor Sandro à frente da Reitoria, entre 2018 e 2020, foi colocado para a comissão de orçamento que não faz sentido falar em acessibilidade e inclusão se não podemos dar aos alunos condições para que eles permaneçam na universidade. E isso demanda recursos. O Conselho de Administração e Desenvolvimento (CADE) entendeu o pedido da comissão e declarou que, dentre as prioridades da Unesp, está a de assegurar acessibilidade e inclusão.   

Desde 2018, o Plano de Desenvolvimento Institucional destina recursos especialmente para este fim. Esse recurso permite custear algumas iniciativas. Desde então, todos os alunos que se declararam com deficiência e fizeram solicitações como tutores, equipamentos, computadores adaptados, uso de língua de sinais etc. para poderem acompanhar as aulas foram atendidos. Hoje temos 55 alunos com deficiência, mapeados por unidade inclusive  (veja mapa abaixo). No ano de 2020, o recurso destinado para custear estas demandas foi de R$ 450 mil. Pode parecer pouco, mas para quem não tinha nada, já é alguma coisa. Nós consideramos isso um grande avanço, porque falar de uma política institucional sem prover recursos é complicado.  

Em 2019, a comissão central de acessibilidade fez ao então vice-Reitor, professor Sérgio Nobre, a proposta de que a universidade criasse uma política institucional. Em fevereiro de 2020, a Reitoria aprovou uma portaria instituindo a política de acessibilidade e inclusão, trazendo inclusive metas a serem alcançadas.  Em outubro de 2020, quando eu já era presidente da comissão apresentamos um documento trazendo orientações sobre como implementar a política divulgada em fevereiro. O documento estabelecia que todas as 34 unidades deveriam constituir comissões locais de acessibilidade e inclusão, por meio do vice-diretor de cada uma. Estas comissões deveriam incluir professores, servidores e estudantes. E era importante a participação dos alunos com deficiência nos câmpus onde algum estivesse matriculado.  

Então mesmo os câmpus onde não há estudantes com deficiência possuem suas comissões de acessibilidade?  

Vera: Sim.  Essas unidades estão tendo a oportunidade de mudar sua cultura. Assim, quando o aluno chegar, ela estará preparada para recebê-lo, ao invés de se adotar uma atitude no estilo “esse aluno não deveria estar aqui”. É o ambiente que tem que se modificar para receber o aluno.  E as barreiras que existem para estes estudantes são diversas. Algumas são pedagógicas, mas também podem ser arquitetônicas, comunicacionais, instrumentais…  A mais grave, e mais difícil de mudar, é a que tem a ver com a atitude, com os preconceitos. Nesse caso, o melhor caminho é através da oferta de formação.  

E como a Unesp vem trabalhando neste aspecto? 

Vera: Em 2020 criamos também um curso, em parceria com o Instituto de Educação e Pesquisa em Práticas Pedagógicas (IEP3), intitulado “orientações básicas sobre a pessoa com deficiência”, destinado a professores, gestores, servidores e até alunos que se mostrassem interessados em aprender mais sobre este tema. O curso foi ofertado para todas as unidades sem nenhum custo, e com direito a certificado. Tivemos 450 inscritos. Infelizmente, com a pandemia, muitas pessoas não se adaptaram à grande quantidade que passou a ser feita de forma virtual, e muitos não concluíram. Por isso, está entre as nossas metas voltar a oferecer este curo para todos. 

Em paralelo, nós fomos percebendo também que muitas pessoas que integravam as comissões locais de acessibilidade demandavam mais formação para saberem melhor como atuar. Por isso, em fevereiro deste ano, a Comissão Central elaborou um protocolo com orientações, explicando como dar início ao trabalho nas unidades. E convidamos as comissões locais e os vice-diretores das unidades para receberem uma formação focada neste protocolo.  A resposta foi ótima.  

Desde de 2015, a Organização das Nações Unidas adotou este logotipo para indicar acessibilidade

As comissões já manifestaram que querem receber mais formação. Há inclusive demanda para que elaboremos outra formação, mais curta, e com foco em acessibilidade e inclusão, não necessariamente no tema da deficiência. Ensinar o que é uma universidade inclusiva, como minimizar barreiras etc. Mas, ao invés de ser aberta a todas as pessoas, esta formação inicialmente vai se destinar às comissões locais.  

Recentemente, a Pró-reitoria de Graduação abriu  um edital denominado inovação na graduação, para estimular a criação de novas disciplinas. Eu, a professora Danielle dos Santos e a professora Eliana Zanatta inscrevemos no edital a proposta de uma disciplina denominada Acessibilidade e inclusão no ensino superior. Serão oferecidas 70 vagas, e o foco é levar para o estudante temas como acessibilidade, direitos da pessoa com deficiência. Tivemos 27 cursos interessados em oferecer esta disciplina, de todas as áreas. 

Há iniciativas que extrapolem o âmbito da Unesp? 

Vera: Nós buscamos uma parceria com o estado de São Paulo, através da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A Unesp foi pioneira nessa iniciativa. Convidamos também a USP, a Unicamp, a Univesp e o Centro Paula Souza, e constituímos um grupo de trabalho para escrever um decreto estadual sobre ensino superior inclusivo no estado de São Paulo. A criação deste grupo já foi publicada inclusive em diário oficial.  

Que mensagem você pode deixar nesta data?  

Vera: Estamos na data da celebração da luta pelos direitos da pessoa com deficiência. É importante ressaltar que é uma questão de direito, não de favor.  E que, se a sociedade mudou e avançou, deveu-se muito à luta dessas pessoas, dos seus familiares e dos pesquisadores, para garantir que estes direitos possam ser respeitados e não ocorra mais discriminação. É semelhante ao que acontece com outras minorias, como as mulheres ou os indígenas. É muito importante ressaltar que a universidade pública tem de ser inclusiva, ela não tem opção.  E dizer que a universidade é inclusiva, mas não garantir acessibilidade, é um discurso vazio.  

Imagem acima: iStock