Estudo que propõe tratamento periodontal em diabéticos é premiado pela Associação Internacional de Pesquisa Odontológica

Além de tratar patologia bucal, novo protocolo apresenta benefícios também para o controle do diabetes

Um estudo da Unesp que demonstrou, de maneira inédita, que o uso de ômega-3 associado à aspirina no tratamento de periodontite em pessoas diabéticas permite melhorar não só os resultados clínicos, mas também o controle do diabetes, foi o vencedor do prêmio Ricardo Teles de Pesquisa Clínica em Periodontia. A premiação ocorreu no último encontro da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR, na sigla em inglês), o maior congresso de pesquisa em odontologia do mundo, realizado entre os dias 21 e 24 de julho. 

O trabalho é o principal artigo da tese de doutorado da pesquisadora Nidia Castro dos Santos, defendida no programa de Ciências Aplicadas à Saúde Bucal, no Instituto de Ciências e Tecnologia (ICT) da Unesp em São José dos Campos. 

Esse é o primeiro estudo a propor a suplementação das duas substâncias como terapia para o tratamento de periodontite em diabéticos. “Ele segue uma linha diferente de pesquisa. Na periodontia, uma abordagem muito comum é a raspagem, que trata as bactérias responsáveis pela doença. Já esse trabalho lida mais com a imunidade”, explica Santos.  

O ômega-3 é reconhecido por suas propriedades anti-inflamatórias há anos. No Instituto Forsyth, referência em pesquisa de saúde bucal e associado à Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estudos conduzidos pelo pesquisador Thomas Van Dyke desde meados dos anos 2000 já demonstravam como a gordura afeta a imunidade e a inflamação na periodontite. Porém, até então, os estudos focavam apenas pessoas sem diabetes. 

A ausência de estudos com ômega-3 aplicado a diabéticos chamou a atenção da pesquisadora. “Eu acompanhava os artigos da linha de pesquisa do Van Dyke e percebi que não havia nenhum trabalho bem desenhado sobre o tratamento para esse grupo. Achamos que seria uma boa ideia”, diz Santos, que anteriormente já desenvolvia pesquisas sobre diabetes no ICT. 

Em 2018, como parte de um doutorado sanduíche, a pesquisadora viajou até Boston para realizar análises inflamatórias com o pesquisador Van Dyke nas instalações do Forsyth. “Combinamos de produzir uma parte do estudo no Brasil e outra nos Estados Unidos”, explica. Dois anos mais tarde, os resultados compilados saíram num artigo publicado, em fevereiro de 2020, no Journal of Periodontology, da Academia Americana de Periodontia (AAP, em inglês), considerado, atualmente, o terceiro periódico de maior relevância da área. 

Dificuldades de cicatrização nos pacientes diabéticos  

Periodontite é o nome dado à inflamação na gengiva decorrente do acúmulo de placa bacteriana  —  um tipo de película formada por bactérias e restos alimentares  —  ao redor dos dentes. É um estágio mais avançado da gengivite que, sem tratamento, pode levar à perda permanente da estrutura dentária.  

Embora as estimativas apontem que cerca de 11% da população adulta seja acometida pela doença periodontal, a condição é muito mais frequente (e grave) entre as pessoas que convivem com o diabetes. De acordo com os pesquisadores, a prevalência de periodontite em diabéticos chega a alcançar a margem de 32%.  

“Esses pacientes têm muito problema com cicatrização porque enfrentam dificuldades para reparar inflamações”, diz dos Santos. Isso porque as altas taxas de glicemia  (isto é, de concentração de açúcar no sangue ), uma consequência do diabetes, desencadeiam processos inflamatórios de maneira sistêmica no organismo, o que, por tabela, prepara terreno para a incidência de doenças como a periodontite. 

O surgimento da doença periodontal, por sua vez,  agrava o quadro diabético. Uma vez inflamada, a gengiva libera substâncias que prejudicam a ação da insulina, principal agente regulador da glicemia, e danificam o metabolismo da glicose. É como se as condições se complementassem: o diabetes aumenta a severidade da periodontite e vice-versa. 

Daí a ideia de desenvolver uma terapia específica para esse grupo. “Já era sabido que pessoas com diabetes têm mais suscetibilidade a ter doenças infectocontagiosas e que e a prevalência de periodontite nesse grupo é bastante grande. Então, elaboramos um protocolo de tratamento novo para esses pacientes”, explica Mauro Santamaria, professor do ICT que orientou o estudo. 

Um protocolo mais rápido  

Até então, a literatura preconizava a suplementação de ômega-3 para pacientes sem diabetes em tratamento de periodontite por seis meses. Mas o protocolo não podia ser seguido pelos diabéticos porque, diante do excesso de gordura, a eficácia dos hipoglicemiantes  —  como são chamados os medicamentos usados para diminuir a glicemia  —  acabava sendo prejudicada.  “O consumo em excesso de gordura, por exemplo, na forma do ômega-3, compromete o efeito dos medicamentos”, explica Santamaria. O que ele, Nidia e seus colegas propuseram, então, foi a criação de um novo protocolo para as pessoas com diabetes. 

O ômega-3 foi escolhido pelos pesquisadores justamente em função da sua capacidade de inibir inflamações. Quando metabolizada, a substância é capaz de produzir mediadores, como resolvinas e maresinas, que atuam melhorando a resposta inflamatória. A aspirina, nesse processo, age como um agente potencializador, aumentando os efeitos provocados pela gordura no combate à inflamação. 

Como parte do estudo, os pesquisadores encurtaram a duração da terapia de seis meses para 60 dias. “Diminuímos o protocolo anterior para um limite tolerável e que não interferisse no diabetes”, diz Santamaria. A adaptação trouxe resultados não só no tratamento da inflamação, mas também do diabetes. Além de redução nos níveis de moléculas envolvidas em processos inflamatórios, a pesquisa também constatou queda nas taxas de hemoglobina glicada, fração de proteína que se liga à glicose presente no sangue, o que sugere melhora no controle da glicemia. 

“O prêmio é um reconhecimento interessante. É um projeto que levou quase quatro anos e que tem relevância clínica, porque possibilita que as pessoas diabéticas tenham um tratamento mais adequado”, diz Mauro Santamaria.

Imagem acima: RossHelen/iStock