A Unesp é uma das parceiras da prefeitura de Araraquara para o monitoramento do vírus da Covid-19 na sua rede de esgoto. A ação vai acompanhar a presença do coronavírus na rede, integrando um conjunto de medidas de vigilância epidemiológica visando à retomada gradual das atividades econômicas e o controle da pandemia.
Além de monitorar a rede de esgoto, testes vêm sendo aplicados no comércio, indústria e áreas da cidade com maior trânsito de pessoas. A ideia é que o rastreamento do coronavírus ofereça dados que apoiem a tomada de decisão por parte dos gestores, permitindo ações pontuais, como visitas de equipes do Programa Saúde da Família, ou regionalizadas, como a orientação para isolamento social em bairros específicos.
Metodologia e desafios
Responsável pela administração e análise do material coletado, o professor Adriano Mondini coordena uma equipe de seis colaboradores entre pós-docs, doutorandos e bolsistas de iniciação científica, que irão atuar em laboratório na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFar) da Unesp, no câmpus de Araraquara.
Adriano explica que a cada semana serão coletadas amostras de 50 pontos de esgoto do município de Araraquara. A escolha dos locais foi feita de forma que seja possível estimar a quantidade de população e a respectiva região atendida pela rede.
O trabalho com esse tipo de material implica uma série de desafios aos pesquisadores. As amostras coletadas do esgoto são mais “caóticas” que aquelas obtidas por meio de um swab, os longos cotonetes introduzidos no nariz do indivíduo na maioria dos testes para coronavírus. “A amostra dessa água tem fezes, urina, metais, água sanitária, detergentes e tudo mais que desce pelo esgoto de uma residência”, explica o professor da Unesp. “Outra dificuldade que nós temos é com a gestão das amostras. Por trabalharmos com amostras de esgoto, há risco de contaminação que precisa ser considerado”.
Neste momento, o foco da equipe de Mondini é padronizar um modelo para o processo de análise do esgoto com base em artigos científicos e na Nota Técnica elaborada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O grupo também atua no desenvolvimento de uma ferramenta online onde os dados resultantes das coletas estarão acessíveis para os gestores e a população. Enquanto isso, amostras já estão sendo coletadas e o resultado deve começar a ser divulgado em meados do mês de maio.
Vigilância ambiental
O monitoramento do esgoto como ferramenta de vigilância epidemiológica vem sendo usado desde pelo menos 1940, quando foi implantado nos Estados Unidos para a detecção do vírus causador da poliomielite. Sua aplicação mais comum, entretanto, envolve a busca por vírus entéricos, aqueles presentes no aparelho digestivo de indivíduos infectados, como o vírus da hepatite.
Tatiana Prado é pesquisadora do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental da Fiocruz e trabalha com vigilância ambiental desde sua iniciação científica, na Unicamp. “Até muito pouco tempo atrás esse assunto não tinha muita relevância no Brasil a não ser para os pesquisadores da área. Com a chegada da Covid-19, entretanto, o assunto explodiu”.
No mundo todo, mais de duas mil iniciativas de vigilância ambiental relacionadas à Covid-19 estão em andamento em 53 países, de acordo com o observatório criado pela Universidade da Califórnia em Merced (Estados Unidos). No Brasil, a ferramenta aponta iniciativas em Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
Antecipação de tendências
A pequisadora da Fiocruz é a autora principal de um artigo publicado na revista científica Water Research, que trata justamente da ação fluminense. O material descreve a experiência da equipe da Fiocruz no monitoramento de esgotos do município de Niterói (RJ). Ao longo de 20 semanas, os pesquisadores coletaram 12 amostras por semana alternadamente de 17 pontos de esgoto do município, explica Tatiana, que afirma:
Os dados obtidos no monitoramento acompanharam o números de casos e óbitos oficiais na cidade. Quanto mais detectamos o coronavírus no esgoto, maior foi o número de casos diagnosticados.
A mesma correlação entre os resultados das amostras do esgoto e do número de casos foi encontrada também no projeto realizado pelo INCT ETEs Sustentáveis, em Minas Gerais.
Trabalhos publicados por pesquisadores da Fiocruz e da UFMG concluem que os projetos de monitoramento do esgoto foram eficientes na antecipação de tendências epidemiológicas e que os dados podem subsidiar ações regionalizadas por parte do poder público.
Por conta deste potencial, em Araraquara, a Unesp e a Secretaria de Saúde trabalham lado a lado no projeto. “A análise ambiental vai ser bastante importante para identificar algumas áreas que vão precisar de uma atenção maior dos profissionais da Saúde e da Vigilância Epidemiológica”, afirma Mondini.
Água tratada não tem o vírus
A eliminação do coronavírus pelas fezes das pessoas é o que permite a sua identificação no esgoto. Entretanto, é essencial esclarecer que, embora as amostras do esgoto possam conter o novo coronavírus, é impossível o patógeno ser encontrado na água que chega às residências, uma vez que o processo de tratamento elimina o vírus.
Na imagem no alto, junto com autoridades de Araraquara, o prefeito Edinho Silva (PT) acompanha coleta de amostras de esgoto para monitoramento do coronavírus. Foto: Prefeitura de Araraquara/Divulgação