Em outubro de 2021, escrevi um artigo para a revista Questão de Ciência questionando a precificação dos artigos e a política editorial de acesso aberto de alguns jornais científicos. A discussão sobre o preço abusivo cobrado pelas editoras veio à tona em janeiro deste ano com um editorial da revista Nature Neuroscience que anunciava a “oportunidade” de optar pela categoria ouro para publicação de um artigo em acesso aberto pagando meros US$ 11,39 mil. O valor exorbitante, mais de R$ 60 mil, fala por si.
Embora o início do Movimento de Acesso Aberto remonte aos anos 1970 com o projeto Gutenberg, nunca houve um esforço tão grande e coordenado das universidades para aperfeiçoar as políticas relacionadas ao Acesso Aberto. É imprescindível que cada vez mais pessoas tenham contato com o conhecimento produzido na Academia. Porém, paralelamente às iniciativas acadêmicas de universalização do conhecimento, houve também uma adaptação das editoras de revistas tradicionais, condicionando a publicação de artigos abertos ao pagamento de valores abusivos.
No artigo Current market rates for scholarly publishing services, publicado em 2021, os pesquisadores Grossmann e Brembs estimam, de maneira bastante detalhada, os custos de publicação de artigos no formato de acesso aberto. O artigo faz a estimativa considerando um trabalho nas áreas de ciência, tecnologia e medicina com 18 mil palavras e 10 figuras ou tabelas. Os autores enfatizam que a estimativa é conservadora e representa um limite superior para o valor por artigo publicado.
As estimativas feitas por Grossmann e Brembs levam em conta os custos relacionados diretamente às etapas de produção do artigo (recebimento do artigo, edição e disseminação do conteúdo), salários dos funcionários, custos indiretos (reparo de equipamentos, viagens, suprimentos, impostos etc.) e um lucro de 30%. Os cálculos consideram também uma taxa de rejeição média de 50% do total dos trabalhos submetidos. Os resultados foram divididos em três categorias principais referentes à estrutura da editora (no artigo original existem subcategorias):
A – Editores assalariados em tempo integral e todos os processos editoriais estão contidos na própria editora
B – Editores assalariados em tempo integral e cada etapa do processo editorial é distribuída para terceiros
C – Editores voluntários, servidores institucionais com sistema de submissão gratuito
A tabela 1 mostra os valores estimados. O cenário A, seguido por B e C, é aquele que retorna o maior valor por artigo. Existe uma diferenciação para revistas que publicam 100 ou 1.000 artigos por ano. Uma mudança de 50% para 90% na taxa de rejeição aumenta os custos de publicação em até 40%.
Os dados da tabela corroboram a afirmação feita nos primeiros parágrafos a respeito do valor exagerado cobrado pela Nature, que gerou várias manifestações de indignação nas redes sociais. De maneira paradoxal, porém, a comunidade que se indigna é a mesma que fomenta o problema: a importância atribuída às revistas, e que leva à valorização do produto, mostra-se através do desprezo de boa parte dos cientistas por artigos publicados em revistas de menor prestígio.
O anexo 1 (Critérios dos Comitês de Assessoramento) do edital do CNPq de 2021 para a solicitação de bolsas de produtividade em pesquisa menciona, por exemplo, na área de Física e Astronomia que “são considerados somente artigos com FI [Fator de Impacto] acima de 1,5 nessa avaliação (…) Será também contabilizada até uma publicação por período avaliado no Brazilian Journal of Physics“.
Já escrevi para o Jornal da Unesp sobre o problema de se associar diretamente o fator de impacto das revistas com a qualidade individual dos artigos, porém o trecho acima mostra que a própria comunidade descarta deliberadamente artigos que são publicados em uma das poucas revistas de física nacionais.
Paradigmas não são fáceis de mudar, mas é preciso dar o primeiro passo em direção à interrupção desse círculo vicioso de valorização-reclamação-valorização em relação a alguns periódicos científicos, e que ocasiona essa alta de preços.
No passado, talvez a publicação em uma revista de grande porte fizesse grande diferença. O acesso eletrônico era inexistente ou incipiente; havia uma probabilidade bem maior de que uma biblioteca em qualquer parte do mundo tivesse uma assinatura da Nature do que uma de um jornal brasileiro, por exemplo. Hoje, com as ferramentas de busca, não importa muito em qual revista o artigo esteja publicado, o trabalho vai aparecer na pesquisa desde que o periódico esteja indexado.
É preciso ter em vista que uma das funções primordiais das empresas é o lucro, e que editoras de revistas científicas são empresas. Seria importante que os comitês científicos e as agências de fomento não descartassem artigos somente pelo lugar onde estão publicados e considerassem de fato avaliações que reflitam a qualidade dos trabalhos. A solução para esta questão não é fácil, e talvez nem exista uma resposta para o problema. Mas é importante que a comunidade científica se dedique, em algum momento, a conversar seriamente sobre este assunto.
Imagem acima: tgellan/Deposit Photos.