Francis Hime celebra 60 anos de carreira com show, turnê e novo álbum

O pianista, compositor e arranjador carioca construiu uma das mais brilhantes trajetórias da MPB, trabalhando ao lado de nomes como Vinícius de Moraes e Chico Buarque. Obra também inclui trilhas premiadas para cinema e teatro, além de peças eruditas.

Reconhecido como um dos principais pianistas, compositores e arranjadores da música popular brasileira, Francis Hime conseguiu se destacar em meio a um geração de músicos e artistas que figura entre as mais talentosas que já surgiram no país. Foi ainda em meados da década de 1960 que iniciou sua carreira, colaborando com outros importantes protagonistas do nosso cancioneiro. E, desde então, o requinte e a brasilidade de sua música continuam gerando frutos e influenciando novos ouvintes e talentos.

Francis Victor Walter Hime nasceu em 31 de agosto de 1939, na cidade do Rio de Janeiro. Iniciou seus estudos de piano aos 6 anos. Em 1955, se mudou para a cidade de Lausanne, na Suíça, onde permaneceu até 1959, dedicando-se à música. Francis, como é conhecido pelos amigos, retornou então ao Brasil, e aqui pode aprofundar a amizade com alguns dos expoentes da Bossa Nova: um time de craques que incluía Vinícius de Moraes, Carlos Lyra, Baden Powell, Edu Lobo, Dori Caymmi, Wanda Sá e Marcos Valle. Sua primeira parceria nesse período foi Sem mais adeus, composta com Vinícius de Moraes e gravada primeiro por Wanda Sá, e posteriormente por vários outros intérpretes.

Ele conta que sua mãe era artista plástica e o pai, industrial. “Não tive uma relação, propriamente dita, com a música pela minha família, embora meu avô paterno fosse um pianista amador que deu concertos, inclusive no Theatro Municipal”, diz. Porém, começou a estudar música cedo, e os pais achavam que ele levava jeito para a coisa. Aos 6 anos foi matriculado no Conservatório Brasileiro de Música.

“Imagina: eu queria qualquer coisa, menos estudar piano. Mas levava jeito. Fui estudando, fui passando de ano. E, embora não gostasse de tocar música clássica, aos poucos fui brincando com o piano. Ali, provavelmente, veio a semente do compositor que apareceria mais tarde”, relembra.

Seu gosto musical vinha do rádio, onde escutava samba e música brasileira composta e cantada por artistas como Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ary Barroso. “Mais tarde, comecei a ouvir música clássica durante  a maior parte da minha estadia na Suíça, quando eu tinha uns 15 anos”.

Músico ou engenheiro?


Ele conta que a passagem pela Suíça foi fundamental na sua formação artística, ainda que não pensasse em se profissionalizar. “Não pensava em fazer da música minha profissão, porque achava uma carreira muito instável. Eu queria ser engenheiro. Acabei me formando engenheiro, embora nunca tenha exercido. No dia da minha formatura, haveria a entrega do canudo simbólico no Maracanãzinho. Mas, em vez de estar aqui no Rio, eu estava em São Paulo, participando da inauguração da TV Bandeirantes, em 1969. Isso foi bem significativo”, lembra.

Outro estímulo veio de seu primeiro parceiro, Vinicius de Moraes. “Ele sempre me dizia: ‘você não tem de fazer engenharia, tem de fazer música!’  Realmente, alguns anos depois, quando o reencontrei, já cursava a faculdade, mas, ao mesmo tempo, enveredava pelos caminhos da música, compondo, fazendo arranjos e participando daqueles festivais todos. E aí, quando finalmente me formei engenheiro, pensei: ‘agora vou ser músico’.”

A parceria entre os dois rendeu algumas composições, incluindo Sem mais adeus, Anoiteceu, A dor a mais e  Tereza sabe  sambar. Nessa época, começou a compor também com Ruy Guerra que se tornou outro importante parceiro. Juntos criaram canções como Minha (gravada por Elis Regina, Tony Bennett e Bill Evans), Último canto, Por um amor maior e outras. Pode se dizer que, a partir da metade dos anos 1960, ele começou a despontar junto àquela geração de talentos, disputando vários festivais de música e vendo suas canções interpretadas por Elis Regina, Roberto Carlos, Jair Rodrigues e MPB-4, dentre outras feras.

Em 1969, casou-se com a cantora e letrista Maria Olívia Leuenroth, depois conhecida como Olívia Hime. No mesmo período, Francis mudou-se para os EUA, onde deu continuidade a seus estudos musicais e permaneceu por quatro anos. Estudou composição, orquestração e trilhas para filme com profissionais famosos, como Lalo Schifrin, David Raksin, Paul Glass, Albert Harris e Hugo Friedhopfer. De volta ao Rio, em 1973, gravou seu primeiro disco para a Odeon. Nessa época, começou a compor com Chico Buarque. A parceria rendeu grandes canções e sucessos como: Atrás da porta, Trocando em miúdos, Meu caro amigo, Pivete, Passaredo, Amor barato, A noiva da cidade, Vai Passar e outras que se tornaram clássicos de nosso cancioneiro.

“Conheci o Chico Buarque na época dos festivais de música em São Paulo. Os amigos em comum diziam: “vocês têm que compor juntos”. E aí, ele me chamou. Eu tinha feito um samba canção de que gostava muito. Mostrei para ele, e ele disse: “ah, vou fazer a letra dessa aí”. Mas o Vinicius soube da história e disse não. Vinicius era muito ciumento dos parceiros e vetou a parceria. Então a minha parceria com o Chico só se realizaria uns seis anos depois, com Atrás da Porta (1972)”, conta.

“Naquela época, a gente se encontrava muito por causa da pelada do meio de semana. Eu era perna de pau, mas jogava lá no campo do Chico. Devido a essa aproximação, depois a gente ia fazer música. Creio que fizemos umas 20 canções juntos. Apesar de termos composto Trocando em miúdos, Meu Caro Amigo e outras, acho que o meu xodó é Embarcação. É uma música curiosa. Eu comecei a compor fazê-la em 1969, mas não conclui. Faltava um final para a partitura, então deixei adormecida. Em 1982, encontrei esses meus escritos, finalizei, e passei para o Chico. Ele fez uma letra linda, e um refrão extraordinário. Gosto muito dessa canção”, diz.

Obra inclui trilhas sonoras e composições eruditas


A obra de Francis Hime inclui também trilhas sonoras para filmes e peças de teatro, além de composições eruditas. O envolvimento com o cinema começou em 1973. Dentre as muitas produções cujas trilhas assinou estão sucessos como  “A estrela sobe”, e “Dona Flor e seus maridos”, ambos dirigidos por Bruno Barreto. Outros trabalhos incluem  “O homem célebre” e “República dos assassinos”, ambos dirigidos por Miguel Faria, “A noiva da cidade” de Alex Vianny, “Marília e Marina” de Luis Fernando Goulart, “O homem que comprou o mundo”, de Eduardo Coutinho, “Marcados para viver”, de Maria do Rosário e “Lição de amor”, de Eduardo Escorel. Duas das trilhas que compôs foram premiadas no Festival de cinema de Gramado e no Coruja de Ouro, como destaque do ano.

No teatro, Francis tem um currículo igualmente impressionante, tendo composto trilhas para “Dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex” de Oduvaldo Vianna Filho; “O rei de Ramos”, de Dias Gomes; “A menina e o vento”, de Maria Clara Machado, “Belas figuras” de Ziraldo; “Foi bom, meu bem?”, de Alberto Abreu; e “O banquete”, de Mario de Andrade, entre outras.


A versatilidade é uma de suas características. Francis escreveu de sambas a frevos, passando por modinhas, calangos e choros, dentre outros estilos. A lista de artistas escreveram letras para suas composições inclui Geraldo Carneiro, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Paulo César Pinheiro, Capinam, Elis Regina, Paulinho da Viola, Lenine, Joyce, Moraes Moreira, Georges Moustaki, Livingston & Evans e Sergio Bardotti. Como arranjador, colaborou com Milton Nascimento, Gilberto Gil, Gal Costa, Georges Moustaki, Caetano Veloso, Clara Nunes, Toquinho, Elba Ramalho, Nana Caymmi, Vania Bastos, Fafá de Belém, MPB-4, Simone, e Chico Buarque, para quem trabalhou como diretor musical em quatro discos.


“Gosto de atuar em todas essas áreas, mas há muitas diferenças entre os trabalhos. Compor canções e fazer trilhas para teatro e filmes são processos distintos. E existe a tendência de que o compositor, quando é bem-sucedido nas suas criações, vá se repetir, né? Eu, particularmente, procuro não me repetir. Mas, nem sempre eu consigo. E quando é música de concerto, música clássica, isso fica de uma certa forma mais acessível pelo fato de eu escrever concertos para vários instrumentos diferentes. É uma coisa de inspiração que bate na hora e acontece às vezes”, diz.

Em 2025, novo álbum de inéditas


A partir dos anos 1980, Francis ampliou sua produção de peças eruditas. Em 1986, escreveu a sua Sinfonia n°1, apresentada em São Paulo e Campinas com a Orquestra Sinfônica de Campinas. Em 1993, ele mesmo regeu essa sinfonia, à frente da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira). Em 1988, Francis compôs Carnavais para coro misto e orquestra, a partir de um poema especialmente escrito por Geraldo Carneiro, tendo sido a peça apresentada com a Orquestra Sinfônica de Campinas e CORALUSP regidos por Benito Juarez. Em 1997, Francis escreveu a partitura sinfônica de Terra Encantada. Em 2000, compôs a Sinfonia de Rio do Janeiro de São Sebastião, com textos de Geraldo Carneiro e Paulo César Pinheiro.

Em 2001, Francis escreveu Fantasia para piano e orquestra, que apresentou como solista no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com a orquestra Pró-Música. Em 2007, o pianista compôs o Concerto para violão e orquestra em três movimentos, dedicado a Rafael Rabello, que teve a sua “première” em Maio de 2008, na sala São Paulo, com a OSESP. Já em 2008, Francis concluiu também a partitura da Ópera do Futebol, ópera em 4 atos, com “libretto” de Silvana Gontijo.

No ano de 2014, Francis lançou pelo selo SESC o CD Navega Ilumina em comemoração aos seus cinquenta anos de carreira. Trata-se de um CD de músicas inéditas em parceria com Geraldo Carneiro, Olivia Hime, Thiago Amud,  Joana Hime, e uma letra antiga e inédita de Vinicius de Moraes que Francis achou em seus guardados, “Maria da Luz”. Em 2015, lançou também pela gravadora Biscoito Fino o CD e DVD “Francis Hime 50 Anos de Música”.

Agora, para celebrar seus 60 anos de carreira e o lançamento do novo álbum Não Navego Pra Chegar, o pianista sobe ao palco do Vivo Rio, em 25 de maio, num show único e emocionante, repleto de canções inéditas e clássicos do grande público.

Para repetir no palco os duetos gravados em estúdio, ao longo do ano passado, Francis Hime receberá convidados especiais. Mônica Salmaso fará a canção que dá título ao álbum. Zélia Duncan dividirá com Francis Tempo breve. Simone vai cantar Samba pra Martinho e Olivia Hime soltará a voz em Infinita, única parceria de Francis com Ziraldo. Outros nomes confirmados incluem Leila Pinheiro em Tomara que caia, Zé Renato em Imensidão e Ivan Lins em Imaginada. O espetáculo servirá também para marcar o início da nova turnê.

“O álbum é resultado de um trabalho coletivo, a começar pelas próprias composições. Foram alguns meses, seja compondo ou fazendo os arranjos. Desde o início, a ideia era gravar um disco só de inéditas, já que vejo quase como uma obrigação para um compositor, ainda atuante, a possibilidade de entregar ao público o que ele tem de melhor. Mesmo tendo os desafios que citei anteriormente. Consegui montar um timaço de artistas para participar. Estou muito feliz e com grandes expectativas deste novo momento”, diz.

“Enxergo minha obra como algo que não conseguiria não fazer. Ela é o resultado de muito estudo, de diversidade cultural, de  parceiros geniais, de oportunidades e da sorte de ter grandes pessoas e músicos próximos a mim. Então, diria que é uma obra brasileira, que vem da emoção, e da qual  tenho muito orgulho.”

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast Unesp.