Jane Duboc: uma das mais belas vozes da MPB já completou meio século de carreira

Com diversos álbuns gravados fora do Brasil e até uma indicação ao Grammy, cantora alcançou sucesso popular, emplacando músicas nas trilhas de uma dúzia de novelas de TV, sem aderir a rótulos e passeando da MPB ao Jazz e ao rock progressivo.

Listada pela revista Rolling Stone Brasil como uma das 100 maiores vozes da Música Brasileira de todos os tempos, a cantora Jane Duboc Moreira, ou simplesmente Jane Duboc, nasceu em 16 de novembro de 1950 na cidade de Belém, no Pará, e desde pequenina já mostrava que gostava de soltar a voz.

“Cresci cercada por música, tanto do lado do meu pai quanto do lado da minha mãe. Meu avô paterno era maestro e o meu avô materno era violonista clássico. Em casa, eu ouvia jazz, blues, música erudita, música nordestina e tudo o que você puder imaginar. Meu pai, que era médico cirurgião e diretor de hospital, também era um entusiasta da arte e poeta. Ele levava lá para casa o cozinheiro do hospital, que era violonista, para cantar. Também convidava trios vocais, que eram muito famosos naquele período, e quando alguém se atrasava eu pedia ao meu pai para fazer a segunda voz. Até dormia embaixo da mesa dos músicos ouvindo o que eles tocavam. Minha casa era uma festa, vivia cheia de gente. E eu achava que aquilo era a vida, aquele astral maravilhoso. E a música virou um sinônimo de alegria e amizade entre as pessoas”, relembra Jane.

Por volta dos treze anos, Jane já realizava apresentações filantrópicas no colégio onde estudava, e também na televisão e em festivais. Ainda em Belém, ela formou o conjunto Ilusão, que depois se chamou Quarteto do Tri, devido ao fato de todas as integrantes terem sido tricampeãs em esportes.

Vocação esportiva

Jane Duboc tinha paixão por esportes. Conquistou diversas medalhas em competições estaduais de natação, voleibol, tênis e tênis de mesa. Por suas qualidades esportivas, a Assembleia Legislativa de Belém criou o prêmio “Jane Duboc Vaquer” para incentivar todos os esportistas paraenses.

Aos dezessete anos, Jane ganhou uma bolsa de estudos e foi morar e estudar nos Estados Unidos, na cidade de Columbus, no estado da Georgia. Ficou por lá cerca de seis anos e casou-se com o músico Jay Anthony Vaquer. Com ele teve um filho, Jay Vaquer, que atualmente investe na carreira de cantor e já acumulou cinco indicações para o Grammy.

Nos EUA, atuou como cantora, compositora e instrumentista, tocando em bares, boates, clubes e igrejas. Duboc também trabalhou com publicidade, sendo premiada por seus comerciais. Também lecionou História da Música em escolas de segundo grau. “Graças às minhas atividades desportivas tive várias oportunidades, entre elas, essa bolsa para estudar nos EUA. Estudei piano, harmonia, teoria, orquestração, canto lírico, flauta e arte dramática. Foi um período muito bom, aprendi inúmeras técnicas para vivenciar a música por inteiro”, diz.

A cantora retornou ao Brasil na década de 1970 e a lista de suas atividades neste período é extensíssima. Formou o Grupo Fein , que se apresentava cantando somente em inglês. Gravou o compacto Pollution, produzido por Raul Seixas (Jay Vaquer foi guitarrista do cantor baiano). A letra da música, composta por Jane, foi considerada subversiva para a época e vetada pela censura, obrigando-a a interpretar a melodia cantando no estilo “scat”. Foi integrante da Banda Veneno, do maestro Erlon Chaves, e também participou  do coral da Rede Globo gravando várias aberturas de programas e participando de um disco de Chico Anysio, Linguinha. Com o ex-marido americano Jay Anthony Vaquer, gravou um LP para a RCA intitulado Morning The Musicians, que contou com a participação de Luiz Eça, Paulo Moura, Noveli e Bil French.

De Gismonti a Raul Seixas

Colaborou no álbum Árvore, de Egberto Gismonti, fazendo vocais e tocando percussão, e excursionou com ele nos shows “Água e Vinho I e II”. Participou do VI Festival Internacional da Canção, defendendo a música No ano 83 com Sérgio Sampaio. E, junto com Raul Seixas, tocou e cantou uma das sensações do festival, a música Let me Sing. Para o selo Marcus Pereira, gravou o LP Acalantos Brasileiros e gravou para a série “Música Popular do Norte”, da qual também participaram Elis Regina  e Nara Leão, cantando músicas folclóricas regionais em um disco que teve arranjos e piano de Radamés Gnatalli. Noutra linha de trabalho, Jane também foi integrante da empresa Zurana Jingles, pela qual gravou comerciais com nomes como Ivan Lins, Eduardo Souto Neto, Tavito e Paulo Sergio Valle.


“A profissionalização musical e artística ocorreu sem querer. Nunca pensei  ‘Ah, minha profissão é cantar, ser artista, vou viver de música’. Ao contrário, eu queria ser psiquiatra. Desde adolescente me interessava por essa área. Inclusive enveredei por cursos e aprendizados de psicologia e psicanálise. Sempre me preocupei com a condição do próximo. Eu tive uma adolescência legal, mas eu vi muita gente sofrer, principalmente nesse período entre a juventude e a vida adulta. Entretanto, os caminhos foram se criando, oportunidades aparecendo. Quando vi, estava ganhando dinheiro com a música e precisava trabalhar e ganhar o meu sustento”, diz Jane.

Nos anos 1980, o sucesso

A década de 1980 foi crucial para alavancar a carreira de Jane Duboc. Em 1980, lançou Languidez, seu primeiro LP solo, que contou com participações ilustres como Toninho Horta, Djavan e Sivuca. O álbum foi aclamado pela crítica, e a gravação de Manoel, o audaz, de Toninho Horta e Fernando Brant, ganhou bastante destaque.

Posteriormente, gravou mais discos e participou de LPs de outras pessoas, como O Grande Circo Místico, de Chico Buarque e Edu Lobo, em que gravou a canção Valsa dos Clowns. Em 1982, participou do Festival MPB-Shell, interpretando a canção Doce Mistério (Tentação), de Tunai e Sérgio Natureza. No ano seguinte, foi vocalista da banda brasileira de rock progressivo Bacamarte. Gravaram o álbum Depois do Fim. Foi um ponto alto em sua carreira, pois o álbum é considerado pela comunidade Prog Archives como um dos 100 Melhores Álbuns de Rock Progressivo de Todos os Tempos.

Até 1985, Jane já havia lançado três LPs: Languidez, Jane Duboc, e Ponto de Partida, todos distribuídos por pequenos selos. Porém ainda era pouco conhecida do grande público. Em 1987 veio a virada de chave, por meio da assinatura de um contrato com gravadora GEL / Continental. À época, o direito artístico do selo era Wilson Souto Junior, criador do espaço Lira Paulistana, que comprou o projeto de investir na carreira da cantora.

Ele deixou Jane à vontade para escolher o repertório do novo álbum. Porém, sinalizou que algumas das faixas deveriam possuir apelo radiofônico, a fim de ampliar sua popularidade e impulsioná-la de forma mais significativa no âmbito da indústria fonográfica.

“A projeção nacional chegou realmente no meu quarto álbum, Jane Duboc. Pensamos em músicas mais românticas, uma tendência que todos na época seguiam: Gal Costa, Tim Maia, Sandra de Sá e outros. Então recorri ao amigo Cido Bianchi, que fez parte do grupo Jongo Trio na década de 1960. Pedi ao Cido transformar um jingle que compus para a rede de lanchonetes Bob’s na canção Chama da Paixão, composta em parceria com Thomas Roth. Outro destaque do álbum foi a canção Sonhos, produzida por Lincoln Olivetti e Arnaldo Saccomani. Ambas foram muito tocadas nas rádios e televisões brasileiras”, conta Jane.

“A partir desse álbum, comecei a participar constantemente de programas como o  Globo de Ouro, o Cassino do Chacrinha,  o Viva a Noite e o Programa Silvio Santos. Emplaquei canções em doze trilhas sonoras de novelas na televisão brasileira”.

A chegada do sucesso abriu caminho para que suas músicas chegassem às trilhas de novelas. A canção Sonhos entrou na novela Fera Radical, um dos grandes sucessos da Rede Globo. Posteriormente, ela emplacou Besame na telenovela Vale Tudo, produção que fez história na TV brasileira.

Ainda na década de 1980, Jane Duboc percorreu o Brasil fazendo shows com músicos como Hélio Delmiro, Tunai, Pery Ribeiro, Márcio Montarroyos, Toninho Horta e Miucha. Com Toquinho, excursionou pelo Brasil com o show Doce Vida e rodaram a Itália, gravando um disco em Milão.

Em 1988 Jane Duboc compôs e gravou o LP Minas em Mim, onde a maioria das composições pertencia a artistas de Minas Gerais. Em 1995 prestou nova homenagem a Minas Gerais por meio do CD Partituras, que serviu como um verdadeiro songbook de Flávio Venturini. Outro destaque foi a gravação do CD Brasiliano, em que interpretava sucessos da Itália gravados em ritmo de bossa nova. O CD só foi lançado na Itália pela Globo Records.

Parceria com Gerry Mulligan

Outro grande momento na carreira foi a gravação do CD Paraíso com o falecido saxofonista Gerry Mulligan, um dos mais respeitados nomes do Jazz mundial. E a convite da prefeitura de Gifu, no Japão, cidade onde também se apresentou, ela gravou o CD From Brazil To Japan junto com Roberto Sion.

“Eu fiz muitos shows com o Toquinho dentro e fora do Brasil. Certa vez, a gente foi pra Itália, fazer uma turnê de um mês em Milão. O Toquinho, sempre generoso, me pediu para abrir a segunda parte do espetáculo fazendo voz e violão. De repente, subiu no palco um homem muito elegante. Olhei e pensei: ‘será que é ele?’ Não resisti e perguntei: ‘Você é Gerry Mulligan?’ Ele confirmou e aí eu fiquei extasiada. Eu o escutava há anos. Ele foi um dos criadores do cool jazz, ao lado de Miles Davis e Chet Baker. Meu pai era fã, ele me apresentou todos esses ícones. Aí, toquei uma canção do Tom Jobim, e ele conhecia, foi uma afinidade de cara. Ele gostou e me chamou para fazer um trabalho com ele. Me lembro de mandar as letras por fax. Assim, gravamos um álbum à distância, que se chama Paraíso. A gente ia gravar um segundo, mas ele morreu. Fiquei muito honrada com este trabalho”, diz.

Empresária e dona de gravadora

Durante cerca de seis anos, Jane atuou como empresária. Sócia de Paulo Amorim, ela abriu uma gravadora na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, de nome JAM Music. Por lá passaram artistas como Angela Ro Ro, Célia, Zé Luiz , Tunai, Beth Carvalho, Alaíde Costa e Oswaldo Montenegro. Em 2002 Jane Duboc recebeu um convite do Maestro Nelson Ayres para, junto com Edu Lobo, cantar com a Orquestra Sinfônica de Israel, uma das cinco melhores orquestras sinfônicas do mundo, e regida pelo maestro Zubin Mehta. O show aconteceu em Israel.

Em 2002 ela comemorou 30 anos de carreira e lançou, por meio de sua gravadora, o CD Sweet Lady Jane, que foi gravado em Nova York e teve produção de Ivan Lins. Em 2005, lançou no Japão, por encomenda da gravadora ARGUS, o CD Glow, que trouxe com seis músicas inéditas em inglês de sua autoria. Glow foi lançado no Brasil em 2006, e no mesmo ano sua coletânea Uma Voz, Uma Paixão foi indicado ao Grammy Latino de música. Em 2023, ela foi homenageada pela TV Cultura no Programa “Persona In Foco”, que destaca nomes canônicos da cultura brasileira. O programa contou com depoimentos de artistas ilustres, como o amigo Toquinho. Mais recentemente, ela tem se apresentado em shows ao lado de Nico Rezende, Ogair Junior e Jefferson Lescowich.

Seus fãs mais ardorosos e o fã-clube “Minas em Mim” já conseguiram catalogar mais de duzentos discos dos quais Jane Duboc participou, uma lista diversa que vai de discos infantis, e de cursos de inglês, a obras de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Hermeto Pascoal e Sarah Vaughan.


“Hoje, vejo que construí uma obra sem preconceito. Ela não tem limite de idade, pode ser (ouvida por ) jovem, idosa, não existe (limitação de ) cor, nacionalidade ou estilo musical. Se uma pessoa quiser cantar Parabéns pra você, vai deixar ali sua ‘impressão digital’. Não é porque alguém toca uma bossa nova com um superrarranjo e  uma super orquestra que o resultado final vai ser algo de especial. Às vezes, usando apenas um violão e três acordes, você cria algo profundo, verdadeiro, que faz outra pessoa chorar. Música para mim é isso: amizade, harmonia, respeito e sentimento.”

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.