A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta manhã de segunda-feira, por unanimidade, a decisão do ministro Alexandre de Moraes de encaminhar o ex-presidente Jair Bolsonaro para detenção na superintendência da Polícia Federal em Brasília. Até sábado, 21, Bolsonaro cumpria prisão domiciliar em sua residência, em um condomínio em Brasília, decretada em agosto pelo mesmo Alexandre de Moraes. À época, Moraes havia estabelecido também o uso de tornozeleira eletrônica pelo ex-presidente. Na madrugada de sábado passado, Bolsonaro tentou romper a tornozeleira utilizando um ferro de solda, o que impediria seu monitoramento em tempo real pelos agentes das forças de segurança. O rompimento da tornozeleira foi um dos motivos citados por Moraes para determinar a reclusão de Bolsonaro nas dependências da PF, que foi efetivada nas primeiras horas da manhã de sábado.
Doutor em Ciência Política e docente da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, câmpus de Marília, Marcelo Fernandes de Oliveira analisa os impactos da passagem de Bolsonaro à prisão em regime fechado. A ida do político à PF ocorreu poucos dias antes do final do julgamento, por parte do mesmo STF, das acusações de que o ex-presidente incorreu em diferentes crimes, entre eles tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Oliveira diz que a decisão do ministro Alexandre de Moraes representou um “recado bastante claro: as instituições jurídicas e políticas no país funcionam. E aqueles que estão dispostos a enfrentá-las serão punidos dentro do rigor da lei”. Ele pondera que tal decisão poderia, inclusive, ter sido adotada antes pelo ministro do STF, considerando-se ações anteriores do líder político e de outros atores de seu grupo.
Ainda assim, o panorama político brasileiro levou um chacoalhão. “A decisão veio de maneira tardia, mas vai gerar mudanças dentro da dinâmica da política brasileira nessa virada de 2025 para 2026. Ela acelerou a necessidade, por parte do campo da extrema-direita, da direita e da centro-direita, de encontrar seu candidato para as eleições de 2026. Isso era algo que Bolsonaro e seus filhos buscavam deixar para o ano que vem. Mas terá que ser feito no final deste ano. E isso trará consequências, porque, ao colocar antes um nome sob os holofotes, esse candidato será alvo da esquerda durante todo o processo eleitoral, acarretando mais tempo para que seja desconstruído. Esse fator político é bastante importante”, analisa ele.
Desde sábado, quando Jair Bolsonaro foi recolhido às instalações da PF, diferentes figuras ligadas ao governo dos Estados Unidos manifestaram insatisfação com a decisão, incluindo a embaixada dos EUA no Brasil, Jason Miller, conselheiro de Donald Trump, e o número dois do Departamento de Estado, Christopher Landau. Oliveira, porém, não crê que as reações possam ganhar muita intensidade.
“Na realidade, os Estados Unidos criticaram a medida por meio do terceiro escalão da sua diplomacia. O presidente Trump, num primeiro momento, fingiu que sabia da prisão e lamentou. Nada mais do que isso. Até porque o presidente Trump disse que houve uma química com o presidente Lula. Houve evolução nas negociações, com diminuição das tarifas sobre os produtos brasileiros, obviamente por questões domésticas dos Estados Unidos. Então, não houve nenhuma crítica severa à prisão preventiva de Bolsonaro por parte dos Estados Unidos. Creio que as relações diplomáticas entre ambos os países estão caminhando para um outro movimento. Há um movimento de aproximação e normalização, obviamente por causa de problemas econômicos domésticos dos Estados Unidos que levam Trump a essas medidas”, pondera Oliveira.
No plano internacional, a notícia da prisão pode projetar o Brasil como referência para outros governos que se veem às voltas com movimentos e partidos que desejam desgastar e sabotar a democracia agindo no interior do próprio sistema democrático.
“E isso traz consequências bastante grandes para a maioria das pessoas. Esses movimentos de ultra-direita no mundo todo buscam corroer os alicerces do Estado Democrático de Direito, que é uma arquitetura institucional conquistada ao longo de mais de 300 anos para a proteção das individualidades e de valores caros ao mundo ocidental, tais como liberdade, igualdade e fraternidade. O Brasil, pela primeira vez na história, está dando aula ao mundo democrático de como enfrentar seus inimigos e colocá-los no banco dos réus, prendê-los e puni-los dentro da regra do jogo democrático”, diz.
Mas ainda mais fundamental é o significado para a própria dinâmica política do Brasil. Nosso país construiu a tradição de anistiar aqueles que tentam um golpe, tantos os que têm sucesso quanto os que falham.
“Historicamente, todos os grupos que atentaram contra a ordem democrática no Brasil acabaram anistiados. Dessa vez, a anistia não veio. E a tendência é que ela não venha. Há um recado claro das instituições democráticas do Brasil: daqui para a frente, tentativas de rompimento institucional não serão mais admitidas. Isso é um avanço histórico, bastante grande, para nossa democracia”, afirma.
Ouça a íntegra da entrevista de Marcelo Fernandes de Oliveira no link abaixo.
