Novos estudos apresentam estratégias para pecuária brasileira reduzir emissões de metano, que bateram recorde

País chegará à COP30 distante de cumprir compromisso de diminuir emissões assumido em encontro anterior em Glasgow. Pesquisador contesta dados oficiais sobre o rebanho brasileiro, e diz que metodologia equivocada infla número real em dezenas de milhões de cabeças.

Há cerca de 25 dias do início da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, novos estudos estão atualizando o panorama sobre o estado real do meio ambiente planetário, para que os debates possam partir de um cenário realista. E algumas das notícias que estão emergindo mostram-se preocupantes. Um estudo recente da rede Observatório do Clima indica que o Brasil está se movendo na contramão da conservação em um aspecto importante para o combate às mudanças climáticas: a emissão de metano.

Segundo dados de um estudo divulgado pelo Observatório do Clima, no ano de 2023 as emissões de gás metano no Brasil alcançaram a marca de 20,8 milhões de toneladas, o que representa um crescimento de cerca de 6% em relação às 19,6 milhões de toneladas computadas em 2020. A maior parte das emissões é oriunda do setor agropecuário, em especial da chamada fermentação entérica, que é popularmente referida como o arroto do boi. Segundo o estudo, o setor agropecuário foi responsável por emitir 15,7 milhões de toneladas de metano na atmosfera em 2023, o que corresponderia a cerca de 75% das emissões nacionais do gás. Esse montante representou um aumento de 1,1% em relação ao ano anterior e cravou um novo recorde brasileiro de emissões de metano.

O crescimento, além de uma má notícia em si mesmo, representa também um fracasso do Brasil em cumprir suas obrigações junto à comunidade internacional. Em 2021, durante a COP26 em Glasgow, na Escócia, nosso país, ao lado de mais de cem nações, havia se comprometido a reduzir em 30% o volume de metano liberado na atmosfera até 2030, tendo como referência os níveis observados em 2020. Assim como o gás carbônico (CO₂), o metano é um gás de efeito estufa. Suas moléculas apresentam um potencial de aquecimento global que é 28 vezes superior ao do CO₂ em um período de 100 anos.

Especialistas ouvidos pelo Jornal da Unesp dizem que o caminho para retomar o compromisso firmado em 2021 e reduzir o patamar atual de liberação de metano passa pela adoção e disseminação de práticas que aumentem a produtividade na pecuária, o que torna possível obter mais carne e leite a partir de uma quantidade menor de animais de criação. Ainda assim, os pesquisadores fazem uma ressalva sobre a qualidade dos dados que embasam essa estimativa, apontando um cálculo equivocado e superdimensionado do rebanho bovino brasileiro que, segundo o IBGE, no ano passado, alcançou 238,2 milhões de cabeças.

Pastagem deve ser tratada como uma cultura

O Brasil responde por 5,5% de todo o metano liberado globalmente na atmosfera e, segundo dados da plataforma SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), 75% desse metano emitido é oriundo da fermentação entérica decorrente da digestão de ruminantes. Reverter esse quadro vai exigir políticas públicas, investimento e, em especial, muita pesquisa.

Se o metano é emitido pela digestão dos ruminantes, é natural que uma estratégia para sua redução envolva o estudo e aprimoramento de sua alimentação, que é majoritariamente composta por pastagens. É isso que o professor Ricardo Reis tem pesquisado ao longo das últimas duas décadas na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, no câmpus de Jaboticabal, onde trabalha com a relação entre o manejo das pastagens, suplementação alimentar e as emissões de metano pelos bovinos.

“O grande problema é que, ainda hoje, boa parte dos pecuaristas não entende a pastagem como uma cultura”, diz Reis. Ele sustenta que o capim que alimenta o gado demandaria investimentos, cuidados e técnicas de manejo adequadas por parte do produtor, da mesma forma que a soja ou o milho. Sem os devidos cuidados, essas áreas se degradam, perdem a capacidade de alimentar o rebanho e sua recuperação custa caro. O abandono, por sua vez, causa degradação e, nesse caso, o custo é ambiental.

As pesquisas desenvolvidas em Jaboticabal mostram, por exemplo, que a altura ideal do capim para alimentar o gado está em torno de 25 cm. Com essas dimensões, a planta alcança exposição solar suficiente para tirar o máximo da fotossíntese. Por outro lado, as raízes se fortalecem no solo e capturam o carbono, enquanto as folhas atingem um patamar ótimo na concentração de açúcares solúveis, em vez de fibras.

“O que faz com que o animal produza metano é a digestão da fibra de baixa qualidade do capim no rúmen. Quando o boi come um pasto verde e de qualidade, ele vai emitir menos metano. Ao mesmo tempo, o produtor estoca carbono no solo ao preservar as pastagens. Essa é a forma mais eficiente de mitigação”, diz Reis. Em algumas situações em que essas orientações para a pastagem são adotadas, o resultado é que o balanço de carbono equivalente (parâmetro que expressa o potencial de aquecimento dos GEE, tendo como referência o dióxido de carbono) é positivo, ou seja, a produção captura mais do que emite.

Reis diz que o uso de suplementos alimentares para o gado também pode ser uma ferramenta útil. Produzidos industrialmente, esses produtos são ricos em amido, fibras e servem para complementar a alimentação, oferecendo proteína, energia e promovendo ganho de peso ao animal. O melhor insumo para produzir essa suplementação de forma sustentável, argumenta o docente, é utilizar produtos não consumidos por humanos e elaborados a partir de resíduos agrícolas locais. Essa medida também colabora para reduzir a pegada de carbono da produção. Ele cita como exemplos já testados e com bons resultados em pesquisas o uso de resíduos do milho, da soja ou do amendoim, por exemplo.

Sistema integrado de produção

Outra estratégia de mitigação do metano que vem ganhando atenção dos pecuaristas são os sistemas integrados de produção. Esses sistemas reúnem, em um mesmo espaço, bovinos, lavouras e, em alguns casos, até mesmo florestas. O Brasil lidera mundialmente a adoção desses sistemas, que têm entre as suas vantagens, além da questão climática pela captura de carbono no solo pela agricultura e silvicultura, a diversificação da fonte de renda do produtor. “O produtor pode fazer o plantio de eucalipto ou seringueira, por exemplo, e essas espécies arbóreas ficam no meio do pasto, oferecendo sombra e conforto térmico ao animal e capturando carbono no solo”, explica Reis.

Metodologia do cálculo do rebanho é contestada

A estimativa divulgada pelo IBGE, de um rebanho de 238,2 milhões de cabeças no Brasil, é contestada pelo engenheiro agrônomo Abmael Cardoso, egresso do Programa de Pós-graduação em Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias da Unesp, no câmpus de Jaboticabal. Segundo Cardoso, a metodologia usada pelo Instituto para calcular o rebanho não contempla o aumento da produtividade alcançado pela pecuária brasileira nas últimas décadas. Isso ocorre em função dos critérios adotados pela política fundiária para medir essa produtividade, o que leva a um superdimensionamento do rebanho.

A Instrução Normativa nº 11, de 2003, do INCRA, que disciplina o uso e a ocupação do território, orienta que a produtividade das fazendas de produção pecuária deve ser calculada com base na taxa de lotação, que é calculada dividindo o número de animais pela área da propriedade. Segundo esse critério, quanto mais cabeças de gado houver na fazenda, melhor, pois mais produtiva ela é.

Cardoso explica que esse critério estimula muitos produtores a reportarem aos órgãos estaduais um número de animais maior do que aquele que efetivamente possuem, com receio de terem seu imóvel rural enquadrado como improdutivo. Ele argumenta que, uma vez que esses dados são empregados para alimentar a Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), um levantamento anual do setor produzido pelo IBGE, eles influenciam diretamente na elaboração da estimativa oficial de emissões de metano do setor. O resultado seria um valor superdimensionado.

“Por conta dessa questão metodológica, todo o esforço do Brasil para reformar suas pastagens, adotar sistemas integrados de produção, melhorar a qualidade nutricional, entre outras tecnologias, não está sendo capturado nas estimativas de emissão, porque elas usam os dados de rebanho oficiais do IBGE, que são imprecisos”, diz o pesquisador, que realizou dois estágios de pós-doutorado na Unesp sobre emissão de gases de efeito estufa e mitigação de mudanças climáticas na pecuária.

Diferença de quase 40 milhões

Existem alguns indicativos de que a atual metodologia não está capturando o real tamanho da pecuária brasileira. Em 2017, o último Censo Agropecuário realizado no país estimou um rebanho de 172,7 milhões de cabeças, enquanto a Pesquisa Pecuária Municipal do mesmo ano chegou a um valor bem superior: 214,9 milhões de cabeças. Uma diferença de quase 25%, ou mais de 40 milhões. “Naquele momento, já deveria ter acendido um alerta no governo de que os órgãos responsáveis precisavam atualizar sua metodologia para o rebanho”, diz Cardoso. “Os dados do Censo são mais confiáveis porque são baseados em visitas a campo.”

O aumento de diversos indicadores de produtividade usados na produção pecuária nos últimos anos também está em linha com a contagem equivocada dos bovinos. Dados de consultorias que atuam no setor de produção de carne mostram que, nas últimas décadas, o Brasil reduziu as áreas de pastagem ao mesmo tempo em que aumentou a produção de carne. Além disso, o peso médio da carcaça (a quantidade de carne extraída por animal) aumentou cerca de 15% em vinte anos, e as taxas de abate de bois com mais de 36 meses caíram de 48% para 11% no mesmo período.

“Existe um descompasso entre as metodologias aplicadas pela política fundiária para medir a eficiência das propriedades rurais e a política ambiental brasileira. O fato é que o produtor hoje se preocupa mais em perder a propriedade do que com a emissão de metano. Se o governo quiser observar de fato como anda a produtividade na pecuária, é preciso estabelecer outra estratégia para calcular o rebanho”, diz Cardoso.

O pesquisador sugere, por exemplo, a realização de censos agropecuários em um intervalo de cinco anos, período de tempo que estaria mais de acordo com o tamanho e a importância econômica da agropecuária brasileira. O último levantamento do tipo no país aconteceu em 2017, e a próxima edição está prevista para o ano que vem.

A imprecisão nos dados oficiais estimulou o setor produtivo a realizar seu próprio cálculo do rebanho. A metodologia adotada parte do dado oficial do Censo Agropecuário de 2017, mais confiável, e o atualiza pela variação do rebanho observada nos levantamentos anuais da PPM, resultando em um rebanho de aproximadamente 196 milhões de cabeças, em 2024, um número 8,8% menor que a estimativa do IBGE. Para Cardoso, esse número está mais próximo da realidade brasileira. Essa, inclusive, é a metodologia e o número de rebanho que vêm sendo adotados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) e pela ApexBrasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos do governo.

Mudar a composição do rebanho

Embora julgue que os dados atuais de emissão por parte da pecuária não estão refletindo corretamente o cenário no campo, Cardoso valoriza o trabalho realizado pelos órgãos estaduais e pelo IBGE, e reforça a necessidade de reduzir a liberação do metano aumentando a produtividade do rebanho.

O esforço se justifica pelo alto potencial de aquecimento do gás quando comparado a outros gases causadores do efeito estufa (GEE) e pela sua curta vida útil, que pode durar entre dez e vinte anos. Para efeito de comparação, o dióxido de carbono, o mais abundante entre os GEE, tem uma capacidade 28 vezes menor de aquecer a atmosfera, mas sua degradação completa demora centenas de anos. De certa forma, reduzir as emissões de metano exigiria menos esforço do que no caso do dióxido de carbono e resultaria em um efeito mais efetivo, em um prazo mais curto.

Cardoso diz que o aumento de produtividade está ocorrendo. “Nos últimos 30 anos, tivemos muitas melhorias na forrageira, no manejo, na adoção de tecnologias e começamos a selecionar animais que respondem às condições de ambiente controlado”, diz. Ele acha que o Brasil está fazendo um bom trabalho nas políticas públicas voltadas para pastagens, melhorando sua qualidade e reduzindo a degradação. Agora, porém, é preciso ir além.

“Acredito que é preciso elaborar estratégias de mitigação com foco na produtividade na fase de cria”, diz, em relação ao período entre o nascimento e o desmame do bezerro. “Desta forma, mudaremos a composição do rebanho. Isso vai se refletir, no médio e longo prazo, em um rebanho menor com maior produtividade. E, consequentemente, em uma emissão de metano menor”, diz.

Imagem acima: Bovino de corte da raça Canchim na Embrapa Pecuária Sudeste. Crédito: Juliana Sussai.