Nobel de Medicina de 2025 reconhece pesquisas que desvendaram os mecanismos do sistema imunológico

O trio de laureados foi responsável pela descoberta das células que impedem o sistema imunológico de atacar o próprio organismo. Estudos realizados ao longo de décadas impulsionaram o desenvolvimento de tratamentos para doenças autoimunes.

O Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2025 foi entregue a Shimun Sakaguchi, do Japão, e a Mary Brunkow e Fred Ramsdell, dos Estados Unidos, por suas “descobertas a respeito da tolerância do sistema imune periférico”. O trio conduziu pesquisas fundamentais que levaram à descoberta das células T, responsáveis por regular o sistema imunológico e eliminar partes do próprio sistema que poderiam atacar o corpo.

“Os laureados foram fundamentais para, hoje, entendermos como o corpo evita atacar a si mesmo, o que é essencial para prevenir doenças autoimunes”, diz Karina Alves de Toledo, docente da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Assis. A descoberta, concretizada em 2003, impulsionou as pesquisas voltadas ao desenvolvimento de potenciais tratamentos médicos para doenças autoimunes que, hoje, estão sendo avaliadas em ensaios clínicos.

“A esperança é poder tratar ou curar doenças autoimunes, oferecer tratamentos mais eficazes contra o câncer e prevenir complicações graves após transplantes de células-tronco”, afirmou a Assembleia Nobel do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia. Os laureados irão dividir o prêmio de 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a 6 milhões de reais.

O sistema imune periférico corresponde, justamente, ao conjunto de mecanismos que impede que as células do sistema imunológico ataquem o próprio organismo. As pesquisas dos laureados contribuíram para a compreensão das células que compõem esse sistema, como elas surgem e de que maneira operam para manter o equilíbrio do sistema imunológico. “Quando esses mecanismos falham, o sistema imune perde a capacidade de reconhecer o próprio organismo, levando ao surgimento de doenças autoimunes”, diz Luciane Alarcão Dias-Melicio, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Unesp, câmpus de Botucatu.

Entre os exemplos mais conhecidos de doenças autoimunes estão o diabetes tipo 1, a esclerose múltipla e o lúpus. Até meados da década de 1990, os mecanismos que evitam a ocorrência desse tipo de doença ainda eram desconhecidos, mas sabia-se do papel central das células T no sistema imunológico.

As grandes defensoras do organismo

Antes das descobertas dos laureados, acreditava-se que existiam dois tipos principais de células T: as células T auxiliares, que patrulham o corpo de forma constante e alertam o sistema quando detectam uma ameaça; e as células T assassinas, responsáveis por eliminar células infectadas por vírus e outros patógenos.

Cada célula T conta com receptores que lhe permitem identificar potenciais ameaças. Existem milhares de patógenos diferentes, que ameaçam nossa saúde e que têm diferentes formas e composições. Vários deles, inclusive, desenvolveram semelhanças com outras células humanas, como uma espécie de camuflagem, para que possam passar despercebidos. Nosso corpo, porém, também é preparado para essa vasta variedade de ameaças.

Os receptores de células T são formados a partir de combinações aleatórias de diferentes genes. Essa característica permite que o corpo produza mais de 10¹⁵ receptores distintos. Essa grande variedade garante que sempre exista alguma célula T capaz de identificar o formato de um invasor, mesmo quando se trata de micróbios novos para o organismo.

O conhecimento sobre essas células, entretanto, não era suficiente para explicar por que elas não atacavam os tecidos do próprio corpo e conseguiam distinguir tão bem o que era uma ameaça do que não era. Desde 1980, sabia-se que as células T se desenvolviam no timo e, lá, passavam por um teste que eliminaria aquelas que reconhecessem as proteínas do próprio corpo, em um processo conhecido como tolerância central. “Mesmo nesse processo de eliminação de células autorreativas, em algumas situações, algumas acabam escapando, e é nesse momento que ocorre o perigo”, afirma Dias-Melicio.

Para completar a camada de proteção e evitar respostas autoimunes, alguns estudos apontaram para a existência de células T supressoras. Estas seriam encarregadas de monitorar e eliminar as células T que, por um motivo ou outro, haviam escapado do teste no timo. Porém, logo se descobriu que algumas das evidências eram falsas, o que levou a comunidade científica a abandonar a teoria, iniciando um período de desinteresse pelo campo de pesquisa.

A células T reguladoras

Shimon Sakaguchi, entretanto, manteve suas pesquisas na área, trabalhando no Instituto de Pesquisa do Centro de Câncer de Aichi, em Nagoya. Lá, ele vinha desenvolvendo experimentos com ratos para entender qual era o papel do timo no controle do sistema imunológico.

Experimentos anteriores haviam demonstrado que camundongos recém-nascidos sem timo desenvolviam doenças autoimunes. Entretanto, ao transferir células T de camundongos saudáveis para os recém-nascidos, o pesquisador percebeu que os animais passaram a ser protegidos contra esse tipo de doença.

Esse resultado foi um indicativo de que, provavelmente, o sistema imunológico possuía um segundo mecanismo de controle, além da eliminação das células defeituosas no timo. Não eram as células T supressoras — que já haviam sido desconsideradas —, mas um outro tipo de célula que permitia que, mesmo os animais sem o timo (ou seja, sem o principal órgão responsável pela eliminação das células autorreativas), passassem a ficar protegidos, uma vez que recebessem células T maduras de outra fonte.

A percepção deu início a uma década de trabalho, na qual o pesquisador japonês se dedicou à tentativa de diferenciar os vários tipos de células T. Para isso, é preciso observar o tipo de proteína que cada célula contém: as células T auxiliares, por exemplo, são identificadas graças à presença da proteína CD4, enquanto as células T assassinas são caracterizadas pela proteína CD8.

Assim, em 1995, Sakaguchi apresentou ao mundo uma nova classe de células T recém-descoberta: as células T reguladoras. Elas se diferenciam das outras pela presença combinada de duas proteínas: a CD4 e a CD25. O histórico de pesquisa do campo, entretanto, fez com que, inicialmente, a descoberta fosse recebida com ceticismo por parte de seus colegas.

Uma linhagem de ratos ajudou a explicar uma doença em humanos

Em outro campo de estudo e do outro lado do mundo, pesquisadores do Projeto Manhattan tiveram sua atenção capturada por uma linhagem de camundongos apelidada de scurfy — uma linhagem falha, que se desenvolveu sob o efeito da radiação, cujos machos nasciam com pele escamosa e viviam apenas algumas semanas. A mutação responsável estava no cromossomo X, afetando principalmente os machos. Na década de 1990, com ferramentas moleculares mais avançadas, descobriu-se que os machos scurfy adoeciam porque suas células T atacavam os próprios órgãos, indicando uma falha grave no controle do sistema imunológico.

Mary Brunkow e Fred Ramsdell também se interessaram por essa mutação. Na época, os pesquisadores trabalhavam na companhia de biotecnologia Celltech Chiroscience, que desenvolvia medicamentos para doenças autoimunes. Se fossem capazes de entender o que levava à doença autoimune presente nos scurfy, provavelmente poderiam descobrir novos mecanismos do nosso sistema imunológico.

Assim, a dupla iniciou uma longa empreitada: mapear o código genético completo da linhagem para identificar exatamente o gene responsável pela mutação. Após anos de trabalho, os cientistas descobriram um novo gene: o Foxp3. Esse gene compartilhava várias semelhanças com outro grupo de genes, chamado FOX, que têm o potencial de afetar o desenvolvimento celular.

A partir da descoberta, Mary Brunkow e Fred Ramsdell suspeitaram que uma rara doença autoimune, IPEX, ligada ao cromossomo X, seria a versão humana da doença dos camundongos scurfy. Ao investigar o gene humano equivalente ao Foxp3, a dupla percebeu que alterações nesses genes levavam à doença autoimune em meninos, confirmando que essa parte do código genético causava tanto a doença humana quanto os problemas de saúde dos camundongos. Ainda não se sabia exatamente como, mas os achados, publicados em 2001, indicavam que, de alguma forma, o Foxp3 desempenha um papel no funcionamento das células T reguladoras, descobertas por Sakaguchi.

Novos horizontes de pesquisa

O resultado final veio dois anos depois, em 2003, quando Sakaguchi conseguiu provar que o FOXP3 é o gene responsável por controlar o desenvolvimento das células T reguladoras, que, além de impedir o ataque ao próprio organismo, também garantem que o sistema imunológico se desacelere após eliminar um invasor, evitando que continue funcionando em alta velocidade.

“Os estudos dos premiados esclareceram como o organismo controla respostas indesejadas, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos que previnam ou corrijam essas reações”, afirma Toledo. O entendimento desse intrincado mecanismo abriu caminho para novas abordagens e pesquisas sobre doenças autoimunes. Graças a isso, hoje sabe-se que tumores têm a capacidade de atrair uma grande quantidade de células T reguladoras, o que os protege contra o sistema imunológico. Assim, uma das empreitadas atuais envolve descobrir maneiras de eliminar essas concentrações específicas de células T reguladoras.

Outra abordagem no tratamento de doenças autoimunes envolve estimular a produção de mais células T reguladoras em organismos que não produzem o suficiente. Além dessas duas, outras formas de tratamento também vêm sendo investigadas e isso só é possível graças à compreensão profunda de como o sistema imunológico opera.

“O Nobel deste ano celebra o poder da imunologia em explicar a fronteira entre a defesa e a autodestruição. E nos lembra que compreender a tolerância é, em última instância, compreender o equilíbrio essencial da vida”, diz Dias-Melicio.

Nesta semana, ainda conheceremos os laureados de Física (7), Química (8), Literatura (9) e Paz (10), encerrando a série de anúncios na próxima segunda-feira (13), com o Nobel de Economia. A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no dia 10 de dezembro.

Imagens: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

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Este artigo faz parte da série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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