Trump ameaça o Brasil com taxas para mostrar ao mundo como as big techs devem ser tratadas, afirma professor da Unesp

Especialista em relações internacionais, Marcelo Fernandes de Oliveira avalia que o interesse das grandes empresas de tecnologia contra a regulação e as determinações da Justiça do Brasil são a principal motivação das tarifas impostas pelo presidente dos EUA. Menção aos processos judiciais contra Jair Bolsonaro limita a capacidade de negociação das autoridades diplomáticas brasileiras

No último dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou por meio de uma carta pública publicada em sua rede social a imposição de 50% de tarifas sobre produtos brasileiros que entrarem no país. A medida, que chamou a atenção por ignorar as negociações diplomáticas em andamento, já havia sido aplicado anteriormente ao México, Canadá e China, para citar algumas das nações que foram alvo das tarifas norte-americanas.

No caso brasileiro, entretanto, houve um componente novo: a justificativa para a taxação não estaria relacionado ao déficit comercial com o Brasil (os EUA registram, há mais de uma década, superávit com o país), mas aos processos que o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado político de Trump, enfrenta na Justiça brasileira. “Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, diz a carta do presidente dos EUA.

Para o professor do Departamento de Ciências e Políticas Econômicas da Unesp, no câmpus de Marília, Marcelo Fernandes Oliveira, a real motivação para a imposição das tarifas, entretanto, tem relação com os interesses das big techs, que estão alinhadas com o presidente dos EUA desde o dia da sua posse. “O Trump percebeu que nesse jogo global que ele vinha fazendo com outros países, ele poderia acertar o Brasil de uma maneira bastante contundente, usando como bode expiatório a família Bolsonaro, que pede há algum tempo pressão sobre o Brasil para livrar o patriarca da família dos processos que ele possui na Vara Penal aqui no país”, explica. 

A ligação da imposição de tarifas com os processos contra Jair Bolsonaro que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) foi vista pelo governo federal como uma ameaça à soberania nacional e uma tentativa de interferência no Poder Judiciário, levando a uma resposta firme do presidente Lula, que também reforçou a necessidade de se discutir o tema na mesa de negociação.

“O que é preocupante, nesse momento, é que o Trump pegou o Brasil como um possível bode expiatório ao mundo de como não se deve tratar as big techs norte-americanas. E isso é o problema maior”, avalia Oliveira. Para o especialista, o fato de o presidente dos EUA ter assumido para si as dores do processo que a justiça brasileira move contra o Bolsonaro e demais aliados políticos pela tentativa de golpe de Estado atrapalha a busca de uma solução pelos canais diplomáticos. “Essa é uma questão muito complicada e que diminui muito as possibilidades do que pode ser feito pelas autoridades brasileiras para solução desse problema neste momento histórico”, afirma. “Não há muito o que ser feito do lado brasileiro para amenizar o cenário. Até porque, na linguagem trumpista, a amenização do cenário envolve deixar as big techs fazerem no Brasil aquilo que elas bem entenderem e liberar o Bolsonaro dos processos que vêm respondendo a ele nos últimos anos”, diz.

A perspectiva do docente do câmpus de Marília é que dificilmente Trump irá recuar integralmente na tarifa de 50% aos produtos brasileiros, embora exista a possibilidade de ele diminuir esse valor em alguns setores de interesse dos EUA. Na visão de Oliveira, a situação do agronegócio pode ser mais simples de ser contornada, visto que existe a possibilidade de encontrar outros compradores para as commodities produzidas no Brasil. 

Já empresas de aviação, como a Embraer, que tem grande presença na aviação regional dos Estados Unidos, ou empresas de tecnologia que produzem hardwares, que também têm clientes norte-americanos, deverão ser mais afetadas. “Esse é um setor de maior valor agregado em que é mais difícil você conseguir, via diplomacia do comércio internacional, encontrar de maneira rápida novos consumidores”, analisa o professor da Unesp.

Oliveira lembra que o Brasil já vinha se preparando para o momento em que iria entrar na mira do “tarifaço” de Trump, e vem intensificando a busca e a diversificação de parceiros comerciais. Nessa estratégia, o professor do câmpus de Marília vê potencial de crescimento nas relações bilaterais com países integrantes do Brics, como a Índia.

Ouça a entrevista completa com o professor Marcelo Fernandes Oliveira na página do Podcast Unesp, ou clicando no player abaixo: 

Na imagem acima: Donald Trump durante reunião na Sala de Jantar da Casa Branca (Crédito: Daniel Torok/White House)