Aprovação de PL que flexibiliza licenciamento ambiental trará consequências negativas em diversas áreas, diz docente da Unesp

Projeto de Lei 2159/21 quer diminuir fiscalização de órgãos públicos sobre impactos ambientais de projetos e empreendimentos. Professora credenciada no Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais cita problemas que poderão surgir com nova legislação, abrangendo do manejo de eventos climáticos extremos à sobrevivência de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Uma eventual aprovação do Projeto de Lei 2159/21 terá consequências severas não apenas no campo da conservação ambiental, mas também para a sobrevivência e o bem-estar de comunidades tradicionais e povos indígenas. Até mesmo nossa capacidade de enfrentar os episódios climáticos extremos, como as chuvas que desabaram sobre o Rio Grande do Sul no ano passado, poderá ser prejudicada. Essa é a avaliação das mudanças propostas no PL feita pela engenheira ambiental e docente da Unesp, Klécia Gili Massi, em depoimento para a Rádio Unesp.

O Projeto de Lei 2159/21 trata da flexibilização das regras para o licenciamento ambiental no Brasil. O texto, que foi aprovado no Senado em fins de maio, depois de já ter recebido sinal verde na Câmara dos Deputados, altera diversos mecanismos existentes que obrigam que novos empreendimentos recebam autorizações de órgãos fiscalizatórios diversos, como o IBAMA, a Funai e as secretarias estaduais de Meio Ambiente. Segundo a opinião de pesquisadores e ambientalistas, os efeitos dessas mudanças podem ser tão danosos que o projeto ganhou o apelido de “PL da Devastação”.

Professora do Departamento de Engenharia Ambiental do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp de São José dos Campos, Klécia Massi diz que as comunidades tradicionais e os povos indígenas podem ser atingidos de diferentes formas. A dispensa da exigência de laudos técnicos por parte de órgãos como a Funai para o desenvolvimento de grandes empreendimentos pode levar a impactos diretos, incluindo invasões das terras dos povos indígenas e tradicionais, ocasionando mais violência e até mortes. “Mas pode haver impactos indiretos, como a degradação dos rios, dos solos e da biodiversidade dos ecossistemas, que são os recursos que permitem a sobrevivência destes povos”, diz.

Massi, que é docente credenciada no Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais da Unesp em São José dos Campos, diz que as consequências podem se manifestar no curto prazo, mas também no médio e no longo prazo. E, como exemplo de problemas de longo prazo, ela cita as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul no ano passado.

Ela diz que sucessivos governos estaduais e governantes protagonizaram, ao longo dos anos, um movimento de afrouxamento e desmantelamento da legislação ambiental do estado gaúcho. Isso permitiu, por exemplo, o desmatamento intenso na beira de corpos d’água e de nascentes. “A retirada de vegetação da beira dos corpos d’água e das nascentes muda totalmente o ciclo hidrológico e a razão entre o percentual de água que se infiltra e o que se escoa e vai até ambientes impermeabilizados, como a cidade. E acabamos obtendo um cenário como o que vimos”, diz. “É óbvio que essa não foi a única razão para que o estado passasse por aquela tragédia, mas, com certeza, foi uma das razões”, diz. Mas os problemas ambientais podem se manifestar também na forma de secas, deslizamentos e perda de biodiversidade. “Não à toa, está sendo chamado de ‘a boiada das boiadas’”, diz a docente.

“Se o PL for aprovado no Congresso e for sancionado pela Presidência, haverá um retrocesso imenso”, alerta a docente. Atualmente, o PL voltou à Câmara dos Deputados para ser novamente apreciado, e não há datas para uma nova votação. Se aprovado, será enviado à Presidência para sanção.

Ouça a íntegra da entrevista à Rádio Unesp clicando aqui.

Imagem acima: Corpo de Bombeiros, policiais e voluntários continuam resgatando animais e levando mantimentos para as pessoas atingidas pela enchente em Porto Alegre. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil