Novo álbum de Ana Cañas reflete amadurecimento artístico da cantora e compositora

"Vida Real" vai do pop ao folk sem abrir mão do tom autobiográfico nas letras, e tem participação de nomes como Ney Matogrosso, Ivete Sangalo e Roberta Miranda

Após uma longa e bem-sucedida jornada interpretando Belchior por diversos palcos do país, a cantora e compositora Ana Cañas está promovendo um novo álbum. Intitulado Vida Real, o trabalho veio à luz em abril e traz onze faixas inéditas, quase todas assinadas por ela. A exceção fica por conta de O Que Eu Só Vejo Em Você, de autoria de Nando Reis. Outro destaque fica por conta das participações especiais de nomes como Ney Matogrosso (Derreti), Ivete Sangalo (Brigadeiro e Café) e Roberta Miranda (Amiga, se liga!).

As canções do novo álbum recuperam diferentes momentos de sua vida, inclusive os menos glamurosos e de mais luta. É o caso da faixa-título e que abre o disco, Vida Real. A composição retrata sua vivência em um pensionato, cercada por desconhecidos, período em que conviveu com profissionais do sexo e trabalhava distribuindo panfletos no farol.

“Pude observar a vida desse ângulo e com empatia, com sororidade. Mas, acima de tudo, a vida real que busco colocar em versos é aquela dos afetos, daquilo que é perene”, diz.

Ana Cañas, que é formada em Artes Cênicas pela USP, destaca as contradições da moderna vida digital. Nas redes sociais, diz ela, são retratados os momentos mais amenos, e ficam ocultas as feridas nos sentimentos e emoções. Mas, mesmo neste contexto, a música permanece um espaço que permite às pessoas olharem para suas vulnerabilidades.

“A gente está num momento que todo mundo quer postar o que é legal. Mas apenas aquele aspecto micro da vida: os bichos em casa, o trabalho para pagar boleto. Acima de tudo, acho que o real é o afeto. A gente carrega máscaras, personas, porque quer ser amado, aceito. Isso faz parte da formação da nossa máscara. Acho que o real é quem somos por trás da máscara. Os nossos sonhos, nossas invejas, nossa capacidade de amar. Isso é o humano”, diz a cantora.

Cañas diz inspirar-se na leitura do psicólogo suíço Carl Gustav Jung  (1875 – 1961), que cunhou o conceito de sombra para identificar os traços de personalidade que tendem a ser mantidos em segredo, ou completamente negados.

“Acho que o esplendor da vida real está nos altos e baixos, e que bom. Até para que a gente possa dar valor às coisas boas, é preciso sofrer de vez em quando. Eu estou lendo muito Jung. Ele diz que quanto mais a gente conversa com a sombra, que é aquela parte nossa que não acolhemos, e até escondemos, mais a gente olha para o outro com empatia. Porque muita coisa é projeção, muitas vezes a gente projeta, no outro, coisas que a gente tem em nós. E acho que a música é um grande espelho. Acho que um dos motivos pelos quais as pessoas ainda vão a shows é porque é uma experiência que promove essa catarse, esse salão de espelhos. O artista está em cima do palco desnudo, com o peito aberto, porque é um lugar sem espaço para mentirinha. E a gente vê muitas manifestações de emoções humanas: pessoas em lágrimas, pessoas sorrindo, pulando, cantando, indo embora odiando o show”, diz.


O novo álbum tem produção de Dudu Marote, um dos nomes mais influentes da área desde os anos 1990, responsável por hits de Skank, Emicida, Baiana System e muitos outros.

“Eu e o Dudu gravamos mais de vinte canções para chegarmos a estas onze. Eu sabia que precisava fazer um disco conciso. Ele é metade folk, metade pop radiofônico. Eu almejo o pop radiofônico, quero ser uma artista que toca em rádio. Mas, também tenho o lado de trovadora, de canção ao  violão”, diz.

Ela comemora os grandes nomes que deram canjas no álbum, em participações especiais. O gigante Ney Matogrosso compartilha com ela Derreti. “Sabia que essa música era a cara do Ney porque tem um arranjo meio latino que conversa com Secos e Molhados, com o início da carreira dele. Acertei na mosca, ele adorou”, diz. Ela conta que o cantor é uma de suas referências artísticas mais importantes. “O Ney para mim é uma espécie de pai artístico, guru, xamã, guia espiritual. Sou muito privilegiada por contar com esse carinho dele e com essa parceira que a gente tem, que é longeva”, diz.

De Ivete Sangalo e Roberta Miranda, ela se diz fã. “Acho a Ivete um sol do Brasil. Ela leva muita alegria, conduz multidões muito bem. Eu disse ao Dudu que queria um funk melody no meu disco, algo hiper pop, com ecos de Claudinho e Bochecha. E ele apareceu com o arranjo de Brigadeiro e Café. Eu disse na hora que era a cara da Ivete. E ela adorou e gravou”, diz. De Roberta Miranda, destaca o espírito de luta.  “Ela é uma batalhadora. Uma mulher compositora que lutou para gravar as próprias músicas num meio muito machista, o da música rural. E ela é um amor de pessoa”, diz. “Posso dizer que a Roberta Miranda é a punk rock do sertanejo”, compara.


Ela reflete sobre o desenvolvimento artístico que vem alcançando ao longo da carreira. “Meu disco de estreia, Amor e Caos,  têm letras toscas. Mas a gente é aquilo que pode ser, e eu precisava começar de algum lugar. Não tinha empresário, e hoje sou cercada de pessoas maravilhosas, com experiências que me norteiam e ajudam”, diz. Um ponto importante para esse crescimento foram os  quatro anos que passou se dedicando ao repertório de Belchior. “Entendi muita coisa que não entendia antes, porque Belchior é tapa na cara atrás de tapa na cara. Belchior é para os fortes, para os loucos, para os intensos. Não é brincadeira”, diz.

O novo trabalho indica amadurecimento. “Fiz o disco que me coube fazer na maturidade, no ponto em que me encontro da vida. Talvez seja o meu primeiro álbum autoral em que gosto de todas as músicas. Estou muito  animada para levar esse trabalho para o palco. Cantar olhando no olho das pessoas, e ver a reação de cada uma, é minha maior alegria na vida”, diz.

Confira abaixo a entrevista completa e escute as novas canções de Ana Cañas no Podcast MPB Unesp.