A incidência de casos de dengue no Brasil em 2025 já preocupa gestores e profissionais de saúde pública de todo o país. Desde o início de janeiro, foram registrados 52 óbitos, e outros 256 estão em investigação. Só em São Paulo o número de vítimas chegou a 36, e há 193 mortes sob investigação. Os dados se aproximam bastante – e em algumas regiões até superam – daqueles registrados no início de 2024, ano em que a dengue se espalhou pelo território nacional e o país observou os seus piores números da série histórica.
Foram mais de 6,6 milhões de casos prováveis de dengue em 2024, e mais de 6 mil óbitos, de acordo com o Painel de Monitoramento de Arboviroses, uma ferramenta do Ministério da Saúde que acompanha e atualiza dados da dengue, zika, chikungunya e febre oropouche. Tais números representaram um aumento de 300% nos casos e 422% nas mortes pela doença, em relação a 2023.
Profissionais de saúde pública alertam que, comparando-se apenas os números do estado de São Paulo para as primeiras quatro semanas do ano de 2024, disponíveis no Painel de Arboviroses da Secretaria Estadual de Saúde, com os dados relativos às primeiras quatro semanas do ano de 2024, a tendência é que o total de casos neste ano seja maior (veja tabela abaixo).
![](https://jornal.unesp.br/wp-content/uploads/2025/02/Info_Dengue-SP-1INTERNA.jpg)
“Se somarmos os últimos oito anos antes de 2024, não alcançaremos o número de óbitos ocorridos em 2024”, diz o médico epidemiologista Alexandre Naime, que é coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia. “E mesmo assim, 2025 já se posiciona como o pior ano da doença em alguns estados. São Paulo, por exemplo, registra um total de casos suspeitos que é 50% maior do que o observado no ano passado.”
Naime, que é docente da Faculdade de Medicina da Unesp, no câmpus de Botucatu, explica que o número de óbitos ainda não está tão próximo ao do ano anterior porque muitos casos ainda estão em investigação. Provavelmente, em muitos se confirmará a dengue como causa do óbito. “A projeção, infelizmente, é que 2025 vá quebrar todos os recordes de 2024, que já foram trágicos e históricos”, diz.
A alta incidência de casos já levou mais de cinquenta cidades paulistas a declararem estado de emergência em virtude da arbovirose. Na mesma linha, os governos estadual e federal anunciaram, nas últimas semanas, a criação de seus respectivos centros de operações de emergências para a dengue. De forma geral, o intuito dessas estruturas é reunir e orientar esforços de diferentes setores das administrações federal e estadual na coordenação de estratégias e combate à doença.
Na avaliação de Naime, a “tempestade perfeita” que pavimentou a ocorrência da epidemia em 2024 está se repetindo este ano. Entre os fatores que desencadearam a tal tempestade estão as altas temperaturas que vêm sendo registradas no país nos últimos anos. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2023 e 2024 foram os dois anos mais quentes já registrados na série histórica, que data desde 1961. A combinação do calor com a pluviosidade típica da época do ano favorecem a formação de criadouros e a proliferação do Aedes aegypti, mosquito que é o principal vetor da dengue.
Ainda como consequência do clima adverso, Naime lembra que tempestades e temporais têm gerado um contingente de desabrigados que precisa ser acolhido em espaços adaptados e coletivos, como ginásios poliesportivos. Isso dificulta o controle do vetor e facilita a transmissão da doença. “É importante ter consciência de que a dengue é uma doença socialmente determinada. Quanto mais próximo da periferia, maior é o adensamento populacional sem moradia adequada, maior é o número de moradores sem acesso a rede de esgoto, e menor é a renda disponível para investir em vigilância, como o uso de repelentes e outras medidas” diz o infectologista.
O sorotipo 3 voltou a circular de forma intensa
Vale destacar que, neste ano de 2025, se intensificou no estado de São Paulo a circulação do sorotipo 3, uma das quatro variações do vírus da dengue, e que há mais de uma década não era representativa nos boletins da vigilância epidemiológica, mas que hoje já é detectado em grande quantidade em regiões do oeste paulista [veja quadro abaixo]. Essa informação é relevante porque a imunidade do indivíduo para a dengue é sorodependente. Ou seja, a pessoa que teve dengue causada pelo sorotipo 1, por exemplo, ganha imunidade apenas contra esse sorotipo. Tendo em vista que nos últimos anos os principais sorotipos circulantes no estado foram o 1 e o 2, a imensa maioria da população não tem imunidade contra o sorotipo 3.
![](https://jornal.unesp.br/wp-content/uploads/2025/02/Info_Dengue-SP-2INTERNA.jpg)
Outro indicativo da “vulnerabilidade” da população ao vírus da dengue foi constatada em um trabalho realizado pela equipe da imunologista Ester Sabino, da Faculdade de Medicina da USP, que analisou 1.600 amostras de bancos de sangue e não encontrou qualquer memória imunológica para os sorotipos da dengue em 72% das amostras coletadas na cidade de São Paulo.
“Por conta dessa grande epidemia de dengue do ano passado, criamos uma percepção errada de que muitas pessoas na cidade foram infectadas, mas na verdade é exatamente o contrário”, aponta Naime. As amostras foram coletadas em junho de 2024, após o auge da última epidemia de dengue, e embora não sejam uma representação perfeita da capital paulista, podem indicar que a população esteja mais vulnerável do que se pensa.
Vacinação baixa também preocupa
Desde o ano passado, o Ministério da Saúde tem adquirido lotes da vacina Qdenga, contra a dengue, mas a baixa capacidade de produção do laboratório Takeda, do Japão, obrigou os técnicos do ministério a restringirem a imunização apenas à população entre 10 e 14 anos, um dos grupos mais vulneráveis para a doença, e a 1.900 municípios com mais de cem mil habitantes em que a dengue tem sido mais frequente nos últimos anos. No ano passado foram adquiridos um total de 6,3 milhões de imunizantes. Neste ano, outros 9,5 milhões foram contratados junto ao fabricante japonês e estão sendo distribuídos para os estados e Distrito Federal.
Apesar da aquisição do imunizante, a campanha de vacinação ainda não decolou junto à população. Segundo informações da Secretaria Estadual de Saúde da última semana, no estado de São Paulo apenas 11% do público-alvo receberam a segunda dose, que garante a imunização completa contra a doença. De acordo com o órgão estadual, entre fevereiro de 2024 e 20 de janeiro deste ano, foram aplicadas 642.229 primeiras doses e 263.902 segundas doses, em meio a um universo de 2.403.648 crianças que poderiam receber a imunização. Segundo a secretaria, cada município é responsável pela estratégia de imunização contra a dengue, conforme as orientações do Ministério da Saúde.
A baixa adesão à vacinação motivou a publicação, no final de janeiro, de uma nota pública da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), alertando que apenas 53% das doses distribuídas pelo Ministério da Saúde para todo o Brasil desde fevereiro do ano passado foram aplicadas. A nota destaca ainda que 59% dos que receberam a primeira dose não retornaram para receber o reforço.
Para a presidente da entidade, a médica pediatra Mônica Levi, é fundamental o engajamento da população em um momento em que, finalmente, existe uma vacina disponível contra a dengue no sistema público de saúde. “É um contrassenso nós termos vacinas sobrando nos postos de saúde e a população-alvo ainda não estar se vacinando. Ao mesmo tempo, temos muita gente que precisa sem encontrar vacina mesmo no sistema privado”, lamenta a médica, destacando ainda que o Brasil foi o primeiro país do mundo a disponibilizar uma vacina contra a dengue gratuitamente em seu sistema público, um desejo antigo dos profissionais da saúde. A situação tem levado alguns estados a ampliarem a faixa etária elegível para vacinação de forma a não perder imunizantes que estejam próximos ao vencimento.
A presidente da SBIm lembra que a vacinação dessa faixa etária sempre é desafiadora em virtude do sentimento onipotente muito comum nesta fase da vida. “Vacinar adolescentes é sempre mais difícil porque eles não sentem muito medo e raramente vão ao posto por iniciativa própria”, explica a médica.
Ao mesmo tempo, a oferta de um número pequeno de imunizantes também costuma esbarrar em atrasos na rede de distribuição desde a esfera federal até o posto de saúde do município. Nesse trajeto, podem ocorrer falhas de comunicação no âmbito local. A médica pediatra explica que os pais que deixam de ir ao trabalho para vacinar o filho e se deparam com a falta de vacinas no posto de saúde dificilmente vão voltar se não tiverem a certeza de que vão encontrar o imunizante na próxima oportunidade.
“Quando chega o imunizante, essa informação não é noticiada de forma que atinja essa população de adolescentes ou seus pais. Precisamos iniciar uma busca ativa por esse público e estabelecer uma comunicação mais assertiva para conseguir vacinar pelo menos a grande maioria do público-alvo”, explica Mônica, que sugere medidas como o envolvimento do setor da educação na campanha de vacinação. Igualmente problemático é o fato de o imunizante estar disponível em apenas 34% dos municípios brasileiros. “Isso também atrapalha porque as pessoas têm dúvidas se a cidade em que vivem está oferecendo a vacina. Essas informações precisam chegar do modo mais fácil possível à população”, diz.
Vacina do Butantan está sob análise
Um pequeno incremento na oferta de vacinas para a população brasileira pode chegar nos próximos meses. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando a documentação submetida pelo Instituto Butantan para a aprovação da Butantan-DV, que seria o primeiro imunizante para a dengue em dose única no mundo. “O fato de ser uma vacina de dose única é o grande diferencial porque temos visto que a adesão à segunda dose costuma ser baixa.”, afirma Gustavo Mendes, diretor de assuntos regulatórios, controle de qualidade e estudos clínicos do Instituto.
Segundo ele, a etapa inicial de elaboração do imunizante, que envolve, por exemplo, a adaptação dos quatro sorotipos para uma tecnologia vacinal, começou há mais de uma década. Das três fases de estudos clínicos participaram mais de 13 mil pessoas, de todas as regiões do Brasil. “O desenvolvimento [desse tipo de produto] sempre é lento. Mas também, ao longo desse período de uma década, o mundo teve outras prioridades. E essa é uma das características de uma doença negligenciada. As pessoas priorizam outros males e deixam a dengue em segundo plano”, aponta.
Caso seja aprovada pela Anvisa, a oferta de um imunizante em dose única será uma excelente notícia para ajudar a conter uma doença que há décadas acomete a população brasileira e que, nos últimos anos, parece estar se expandindo para novas regiões e por períodos mais longos do ano. Entretanto, neste ano a perspectiva é que o Instituto Butantan consiga entregar apenas um milhão de doses da vacina, que serão ampliadas para 60 milhões em 2026 e 40 milhões em 2027. Enquanto esse quantitativo não chega aos braços da população, a orientação unânime entre os especialistas é para o combate ao vetor da dengue, o Aedes aegypti. Neste link é possível encontrar orientações para eliminar criadouros do mosquito, além de informações sobre os principais sintomas da dengue.
Imagem acima: Deposit photos