No novo episódio do Prato do Dia, o podcast da Assessoria de Comunicação e Imprensa, os jornalistas Pablo Nogueira e Marcos Jorge recebem o historiador Jean Marcel França para conversar sobre os desafios que envolvem hoje o debate de ideias na arena intelectual brasileira, em especial o ambiente universitário.
Jean Marcel Carvalho França é professor titular de História do Brasil na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, câmpus de Franca. Ele é membro correspondente da Academia Portuguesa de História, escreve artigos de opinião para jornais e é um autor prolífico com mais de 40 livros, incluindo o popular “História da Maconha no Brasil”.
Polarização e bolhas prejudicam debate intelectual
O ambiente de alta polarização política que se consolidou em vários países, e o fenômeno das bolhas digitais de informação, dificultaram bastante a prática do diálogo intelectual cordial entre pessoas com diferentes pontos de vista. Estas dificuldades estão afetando também o ambiente acadêmico, que é o espaço social por excelência dedicado ao debate franco de ideias.
O exemplo mais explícito destas dificuldades envolveu o ataque realizado pelo grupo palestino Hamas a Israel, em outubro de 2023, e a resposta militar dada pelo estado israelense. Universidades de diversos países, Brasil inclusive, se propuseram a realizar debates públicos para discutir as posições dos dois lados envolvidos. Porém, inúmeras instituições se viram obrigadas a voltar atrás e cancelar os debates, diante da intensidade das reações dos defensores de palestinos e israelenses, que incluíram protestos agressivos e enfrentamentos, às vezes resultando em prisões.
Mas existem exemplos bem menos dramáticos que estão incorporados ao cotidiano das universidades. Jean Marcel França criou uma disciplina de pós-graduação para apresentar aos estudantes as obras de intelectuais como o americano Thomas Sowell, que ainda é pouco abordado nos cursos de humanidades no Brasil, embora se trate de um dos mais destacados pensadores norte-americanos em atividade. Para o historiador, a universidade brasileira privilegia autores e temas que remontam aos anos 1980 – em especial, aqueles que trabalham com temas raciais e de gênero, sem apresentar, no entanto, os autores que oferecem críticas a essas correntes. “Nossas editoras permanecem ancoradas nos anos 1980 e 1990, e publicam, como se fossem novidades, o que já está superado no cenário global”, diz. Para França, essa falta de atualização impacta diretamente a formação acadêmica dos estudantes, e limita o escopo dos debates nas instituições universitárias brasileiras.
Universidade pública enfrenta concorrência do EAD
Para além das limitações ao debate, o historiador aborda no podcast outros desafios enfrentados hoje pela universidade brasileira. Um deles é a diminuição no número de alunos ingressantes. Trata-se de um fenômeno que tem muitas causas, entre elas a explosão do ensino EAD.
“Hoje, as famílias muitas vezes fazem as contas e concluem que é mais barato pagar um curso superior no formato EAD do que sustentar um filho que more em outra cidade, mesmo que ele passe para uma universidade pública. Então, antes a universidade pública não tinha concorrência, mas hoje ela existe e estamos sentindo os efeitos”, diz.
E identifica uma perda mais geral de status da universidade junto à sociedade, que se expressa por diferentes sinais. A queda nas vendas dos livros de história do Brasil escritos por pesquisadores profissionais é um deles, assim como a substituição dos acadêmicos pelos jornalistas nos programas de TV que buscam oferecer análises mais aprofundadas. Todos estariam ligados a um mesmo fenômeno, que é o distanciamento entre a sociedade e a universidade.
“Esse fenômeno começou a ser estudado nos EUA ainda nos anos 1970. Mas esse distanciamento só prejudica a universidade, pois ela é financiada pela mesma sociedade da qual está se distanciando. Hoje, a universidade é uma grande bolha”, diz.
Outro fator que contribui para esse distanciamento, segundo a visão do docente, é a queda na valorização do conceito de meritocracia, um dos valores que ajudaram a universidade a estruturar-se originalmente. Essa mudança tem resultado em uma perda de rigor no processo de formação. Isso não implica, no entanto, que a universidade como um todo tenha perdido qualidade. “Não acredito que a universidade fosse melhor no passado. E embora o perfil dos alunos tenha se alterado com o tempo, não acredito que houve qualquer piora. Os estudantes são educados e convivem bem. E faço essas críticas porque amo a universidade e estou preocupado com o seu futuro”, diz.
O episódio completo do podcast Prato do Dia pode ser acessado nas plataformas Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Deezer, ou no player disponível abaixo.