Conferência internacional realizada pela primeira vez no Brasil apresentou a fronteira das pesquisas em biorrefinaria e biomanufatura

A “International Conference on Biorefinery and Biomanufacturing” foi organizada por docentes da Unesp, da Universidade de Tecnologia Química de Pequim e da Unicamp. Evento que ocorreu em São Paulo, entre 13 e 17 de janeiro, reuniu quase 200 participantes de cinco países. Organizadores agora debatem criação de um centro conjunto Brasil-China para produzir estudos no campo.

A Unesp organizou, em parceria com a Unicamp e a Universidade de Tecnologia Química de Pequim (BUCT), a primeira edição no Brasil da International Conference on Biorefinery and Biomanufacturing, conferência destinada a promover colaborações científicas e a apresentar pesquisas na área de biorrefinaria e biomanufatura. Ao todo, o encontro realizado entre os dias 13 e 17 de janeiro, em São Paulo, reuniu aproximadamente 200 participantes entre pesquisadores, profissionais, representantes de empresas e estudantes de Brasil, China, Estados Unidos, Alemanha e Grécia.

A transformação da biomassa em produtos de maior valor agregado está no foco de pesquisadores e centros de pesquisa de todo o mundo, e ocupa um espaço central nas discussões sobre novas estratégias tecnológicas para promover a bioeconomia. Entre suas premissas, esse modelo de produção industrial se baseia na busca de alternativas para reduzir a dependência do petróleo, tanto para o setor de plásticos e polímeros quanto no campo dos combustíveis. Nesse sentido, a experiência do Brasil no desenvolvimento e uso de biocombustíveis motivou a escolha do país como sede da nona edição do evento.

O Brasil, lembrou Tan Tianwei, um dos presidentes da conferência, desponta como líder mundial na área de biorrefinaria pela sua capacidade e expertise na produção do etanol. “Isto não só reflete os abundantes recursos naturais e o nível tecnológico avançado do Brasil, mas também a grande ênfase dada pelo governo à proteção ambiental e ao desenvolvimento verde e de baixo carbono”, destacou o pesquisador, que é reitor da BUCT e presidente da China Renewable Energy Society (CRES), uma associação ligada ao governo chinês criada em 1979 e voltada principalmente à pesquisa sobre produção de energia limpa.

“Como país que ocupa uma posição importante no desenvolvimento sustentável global, o Brasil demonstrou seu compromisso com a transformação de baixo carbono e a proteção ecológica por meio de ações práticas, fornecendo um exemplo de sucesso para o mundo”, destacou o pesquisador da BUCT em sua fala na abertura do encontro.

Representante da Unesp e copresidente do evento, ao lado de Ulrich Schwaneberg, da RWTH Aachen University, da Alemanha, Rodrigo Costa Marques, docente do Instituto de Química, câmpus de Araraquara, reconhece que o Brasil já consolidou bastante conhecimento sobre alguns biocombustíveis. Porém, destacou que este percurso demandou também progressos em outras áreas relacionadas, como o desenvolvimento de materiais de base biológica e de bioprodução, biocatálise, enzimas e engenharia metabólica.

Uso de IA na pesquisa é um diferencial

Costa Marques também ressaltou o alto nível das apresentações dos colegas chineses durante o evento, em áreas como a biologia sintética. Nesse campo, os pesquisadores buscam, através de diferentes vias tecnológicas, projetar e explorar novas funções de sistemas biológicos para atender a demandas específicas da sociedade.

Atualmente, a biologia sintética tem sido usada, por exemplo, para desenvolver biossensores que monitoram a poluição ambiental ou no desenvolvimento de carne produzida em laboratório. O docente do Instituto de Química destacou em especial os trabalhos apresentados na conferência que exploram o uso de inteligência artificial na elaboração, fabricação e testes de novas proteínas de interesse.

“Acredito que, para os pesquisadores do Brasil, é muito importante dispor de acesso e de facilidades para trocar experiências com colegas chineses, que estão na vanguarda do que está sendo produzido no mundo nesta área”, diz.

Marques diz que a área que mais recebeu trabalhos durante a conferência foi a de biocatálise, que explora o uso de componentes biológicos, como microrganismos ou enzimas, para catalisar reações químicas. Entre as vantagens da biocatálise, em comparação com as formas tradicionais de catálise química atualmente em uso, estão a menor geração de resíduos tóxicos, a redução de custos e a condição mais moderada da temperatura em que ocorrem as reações.

Entre os pesquisadores brasileiros, além da produção de bioenergia e bioprocessos, também houve uma concentração de projetos relacionados à biomanufatura. “Se hoje nos preocupa a queima do petróleo para uso combustível, também precisamos pensar em meios de substituir o petróleo em outras aplicações, como a produção do plástico e de outros polímeros”, diz.

Marques aponta como promissores os trabalhos apresentados no evento que exploram a produção de bioplásticos despolimerizáveis. Entre os benefícios oferecidos por esses materiais está a facilitação dos procedimentos de reciclagem química, nos quais se quebra o plástico em pequenos blocos moleculares, o que evita seu descarte no meio. “Houve um momento em que queríamos uma sacolinha bioabsorvível, que em 20 ou 30 anos fosse absorvida pelo meio ambiente. Hoje, a proposta é criar uma sacola que, após o uso, possa ser despolimerizada e em seguida repolimerizada, de forma que ela seja incluída na economia circular e não retorne ao meio ambiente”, aponta.

Chineses escolheram Brasil para a conferência

A International Conference on Biorefinery and Biomanufacturing costuma acontecer a cada dois anos, e passou por China, Estados Unidos, África do Sul, Bélgica, Canadá, Grécia e Nova Zelândia. A opção por realizar a edição de 2025 em São Paulo foi uma iniciativa dos próprios pesquisadores chineses, que entraram em contato com a Unesp pedindo a colaboração na organização do encontro.

“Em meados de agosto de 2024, os pesquisadores da BUCT entraram em contato com o Instituto Confúcio da Unesp para saber se poderíamos ajudá-los na organização desse evento em janeiro. Embora o tempo disponível fosse curto para fazer esta tarefa, e a época do ano fosse um pouco difícil, em virtude do período de recesso da Universidade, o evento foi um sucesso. Os colegas da China ficaram bastante satisfeitos com o resultado”, diz Sérgio Felisbino, assessor da Pró-Reitoria de Pesquisa (Prope) e responsável pela organização da conferência. Além da Unesp e da universidade chinesa, a Unicamp também colaborou na preparação do evento.

Para Costa Marques, um indicativo da relevância do tema da conferência, e do prestígio dos pesquisadores que participaram, foi a boa resposta que receberam por parte dos representantes da gestão universitária e empresarial que marcaram presença no evento, ainda que este tenha se realizado no período de férias de verão, quando algumas universidades públicas estão em recesso. Além do vice-reitor da Unesp, César Martins, da Pró-Reitora de Pesquisa da Unicamp, Ana Maria Frattini Fileti, e do reitor da BUCT, Tianwei Tan, o evento contou com a presença de diretores da Petrobras, do Chefe da Assessoria Internacional do Governo do Estado de São Paulo, Samo Tosatti, e do Cônsul-Geral em Exercício da China, Yuzhen Tian.

Ao final da conferência, a revista científica Carbon Green, especializada em sustentabilidade e tecnologias relacionadas ao carbono nas áreas de materiais e energia, premiou os melhores trabalhos apresentados. Rodolfo Piazza, que realiza pós-doutorado no IQ da Unesp, foi premiado por um estudo realizado em parceria com o doutorando Guilherme Lucena, do mesmo instituto. A pesquisa envolve o uso de nanopartículas magnéticas como suporte para enzimas na produção de produtos químicos de interesse a partir da biomassa lignocelulósica, um insumo comumente obtido em resíduos agroindustriais ou em fontes vegetais em geral.

Outros docentes da Unesp também apresentaram seus trabalhos no evento. A professora Cintia Milagre, do IQ-Unesp, apresentou o estado da arte da biocatálise e seu potencial transformador para o avanço da bioeconomia. Referência na Unesp no conceito de Química Verde, que busca desenvolver metodologias que usem e gerem a menor quantidade de materiais tóxicos ou inflamáveis possível, Cintia destacou as aplicações industriais da biocatálise que têm sido bem-sucedidas mundo afora, e apontou pontos fortes de colaboração entre Brasil e China que buscam acelerar essa agenda na bioeconomia global.

Já Ricardo Polanczyk, docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, câmpus de Jaboticabal, abordou a importância do uso de agentes de controle biológico, como parasitoides de insetos, predadores e microrganismos, na produção agrícola, bem como o perfil sustentável desses bioprodutos. O Brasil, explica o docente, é hoje um exemplo mundial de sucesso na adoção dessas tecnologias. Aqui, elas alcançam 62% dos agricultores, número três vezes superior à média global, e que segue crescendo a cada ano. Polanczyk também relatou casos de pragas controladas por meio de bioprodutos, e de empresas startups que atuam nesse mercado, que movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano.

Representantes das universidades apresentam Memorando de Entendimento para viabilização de um centro Brasil – China para na área de biorrefinaria e biomanufatura.

Durante a conferência foi apresentada a proposta de um Memorando de Entendimento entre BUCT, Unesp e Unicamp, com o objetivo de estabelecer um centro conjunto de pesquisas Brasil-China na área de biorrefinaria e biomanufatura. O documento, que ainda será analisado pelas áreas administrativas das três universidades, visa ampliar e fortalecer as colaborações entre os pesquisadores dos dois países. Nesse processo, caberá às partes envolvidas, por exemplo, discutir valores a serem investidos ou questões legais referentes à propriedade intelectual.

“Em iniciativas deste tipo, primeiro se estabelece o intercâmbio de alunos e pesquisadores entre as respectivas instituições. Mais tarde, com as pesquisas em andamento, artigos publicados, e patentes registradas, chega-se a uma maturidade na parceria que demanda maiores investimentos”, explica Costa Marques. “Conforme o centro se desenvolve, ele desperta interesse de parceiros, ou mesmo do governo, para investimentos maiores e para o fortalecimento da sua estrutura. Esse é o modelo que foi estabelecido entre instituições da China e universidades da Europa, e tem funcionado muito bem.” Além das três instituições, outras universidades e centros de pesquisa podem integrar o acordo.

Imagem acima: Participantes da nona edição da International Conference on Biorefinery and Biomanufacturing, em São Paulo. Crédito das imagens: Rodrigo Marques.