A música múltipla e emaranhada de Kiko Dinucci

Cantor, compositor e instrumentista de Guarulhos veio do punk rock para o samba, participou de grupos importantes, como o Metá Metá, e tem colhido elogios e prêmios com álbuns lançados nos últimos anos.


O cantor, compositor e instrumentista guarulhense Cristiano Dinucci, cujo nome artístico é Kiko Dinucci, nasceu em 1977, numa casa em que não havia músicos. A história familiar, porém, registrava alguns antepassados que atuaram nas artes. “Se não me engano, o avô do meu avô, por parte de pai, era regente, arranjador, alguma coisa assim, no século 19. Acho que puxei esses ancestrais mais distantes. Estou pesquisando essa história”, conta. Mas a música chegava em casa pelo rádio, pela TV e pelos discos da mãe. “Minha mãe tinha discos do Roberto Carlos, Alcione, Beth Carvalho, Queen, trilhas de novelas dos anos 1970… Era bem variado. Mas a minha primeira paixão musical foi Michael Jackson. Quando ouvi Thriller, pirei naquele artista que cantava, dançava e tudo o mais”, diz.


Mais tarde, ficou fascinado quando viu um vizinho tocando a introdução de uma música da banda Ira!. “Não imaginava que fosse possível, que qualquer pessoa podia pegar um instrumento e tocar músicas. Aquela coisa de você se apropriar da canção de um artista, e tocar do seu jeito, me fascinou”, diz. Ele pediu e ganhou da mãe um violão, e foi  “tentando me virar. Cheguei a fazer aula numa igreja evangélica, mas foi uma péssima experiência, que me desanimou”. No final dos anos 1980, começou a ouvir o gênero Heavy-Metal. “Ressuscitei meu violão, que estava todo estourado, e comecei a tentar tirar as músicas. Como não conseguia, comecei a criar uma sonoridade minha, uma afinação diferente. Nos anos 1990, tive bandas de punk, e comecei a tocar de forma despretensiosa.”

Na mesma década, se aproximou também do samba e das religiões afro-brasileiras, e os dois passaram, aos poucos, a nortear os seus caminhos. “Vi no samba situações que me chamaram a atenção. Enxerguei nele uma música transgressora e marginalizada diante da MPB. Por exemplo, quando escutei Nelson Cavaquinho, achei muito punk seu jeito de tocar e cantar, e sua atitude”, diz. Ao explorar esse repertório, sua produção musical começou a ganhar camadas de brasilidade, e abriu caminho para o encontro com a religiosidade de matriz afro. “Na verdade, a vivência natural nesses espaços começou a influenciar a minha música”, relata.

Em 2006, começou a apresentar seu trabalho autoral no Ó do Borogodó, um famoso bar de São Paulo. “Nessa fase, meu trabalho começou a ficar mais profissional. Saía para tocar, ganhava meu dinheirinho, as pessoas iam lá para escutar as minhas músicas… Ali foi o pontapé inicial”, diz. Na sequência, começou a produzir e a gravar o álbum Padê, ao lado da cantora e professora fluminense Juçara Marçal, que se tornou uma importante parceira musical.


Em 2008 lançou seu primeiro álbum de samba-punk, Pastiche Nagô, com o nome artístico de Kiko Dinucci e Bando Afromacarrônico. Em 2011, fundou os grupos Metá Metá (juntamente com Juçara Marçal e Thiago França) e Passo Torto, este com Romulo Fróes, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral (mais tarde, o grupo teve a participação da cantora Ná Ozzetti).

Desde 2007, gravou mais de uma dezena de álbuns, tanto como artista solo quanto em grupos como o Metá Metá. Com eles, veio o reconhecimento. Seu álbum de 2017 Cortes Curtos, que trouxe 15 faixas explorando o estilo “samba sujo”, com fortes influências do rock, do punk e do pós-punk, entrou para a lista dos melhores lançamentos do ano elaborado pela revista Rolling Stone Brasil. Seu mais recente álbum, Rastilho, de 2020, foi considerado o melhor disco do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte. E o terceiro álbum solo de Juçara Marçal, Delta Estácio Blues, de 2021, que teve sua produção musical assinada por Kiko foi o vencedor do Prêmio Multishow na categoria “Produtor do Ano”. Em 2022, Kiko e Juçara protagonizaram uma turnê por quatorze países na Europa.

Ao longo de sua trajetória, Kiko Dinucci tocou e colaborou com importantes nomes da música brasileira, como Elza Soares, Jards Macalé, Tom Zé, Criolo e Marcelo D2, para citar alguns.

Com uma obra que viaja do punk ao samba, trouxe para seus versos e letras o universo dos orixás e dos terreiros de candomblé, sem deixar de cantar a vida dos personagens das metrópoles e suas mazelas.

“Acho que a minha obra é uma arte brasileira. Aliás, é mais uma música dentro do mar da música popular brasileira. Assim como existem Noel Rosa, Chico Buarque, Djavan, Sepultura e tantos outros, existe a minha música. Não tem uma definição específica. Parece rock, mas não é, parece samba, mas não é. Enfim, estou no meio de imenso emaranhado de sonoridades feitas no Brasil”, diz.

Confira abaixo a entrevista completa ao Podcast MPB Unesp.

Foto acima – crédito: Aline Belford.