Projeto de pesquisa coordenado por docente da Unesp e selecionado para o programa Pró-Defesa V inicia atividades

Intitulada ‘Defesa, Tecnologia e Estudos de Futuro’, iniciativa receberá apoio de R$ 1,4 milhão, ao longo de quatro anos, e envolverá também colaboradores da Universidade da Força Aérea, de três universidades civis e de 11 instituições de ensino internacionais.

Uma cerimônia realizada no último dia 9 de outubro marcou o início das atividades do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional, também chamado de Pró-Defesa V. O Pró-Defesa V é uma iniciativa do governo federal destinada a fomentar a cooperação entre instituições civis e militares para implementação de projetos na área de defesa, que abrange ensino, produção de pesquisas científicas e tecnológicas e formação de recursos humanos qualificados. Dentre as 15 propostas selecionadas para integrar o programa está o projeto Defesa, Tecnologia e Estudos de Futuro, que tem como coordenador Hector Saint-Pierre, docente do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais.

O projeto se propõe a analisar os possíveis obstáculos que, até agora, impediram o Brasil de alcançar autonomia nos sistemas complexos de defesa nos setores nuclear, cibernético e espacial, e terá duração de quatro anos. O orçamento, de aproximadamente R$ 1,4 milhão, será empregado para o custeio de despesas de pesquisa e bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Além da coordenação da Unesp, a iniciativa contará com a colaboração da Universidade de Goiás, Unicamp, PUC de Minas Gerais, Universidade da Força Aérea e mais 11 instituições de ensino internacionais, que incluem países como Argentina, Austrália, Colômbia, Portugal, Espanha, França e Itália. A intenção é que seja criada uma rede de pesquisadores focados na área da defesa nacional.

O projeto surge em meio a um contexto de grande instabilidade no cenário geopolítico internacional, no qual se destacam a guerra no leste europeu travada entre Rússia e  Ucrânia, esta última apoiada pela Otan,  o conflito entre Israel e Palestina no Oriente Médio e a disputa ideológica e tecnológica que opõe Estados Unidos e China. Saint-Pierre diz que essa conjuntura altamente tensionada leva as grandes potências a empregar seus canais de influência sobre o sul global para obrigar os países emergentes a se alinharem com algum dos lados em disputa. Adotar uma posição de grande compromisso e alinhamento, porém, pode se revelar uma estratégia desfavorável, do ponto de vista econômico e político. Para que os países emergentes possam se desvencilhar das pressões para se alinharem com qualquer lado, é fundamental que atinjam um status de autonomia no campo da defesa nacional. “A neutralidade não é para países fracos”, diz o docente.

O coordenador explica que o projeto irá pensar de forma crítica as tecnologias disponíveis no campo da defesa, desde sua concepção até a utilização, bem como os impactos que elas exercem sobre a sociedade e a possibilidade de projeção de poder na arena internacional. Um exemplo de ponto a ser analisado é a possibilidade de que a aquisição de uma dada tecnologia, ao mesmo tempo que atenda a uma necessidade no campo da defesa, possa comprometer a autonomia de tomada de decisões militares. “Incorporar uma tecnologia é, também, integrar uma certa estruturação sociológica nas forças. Pois essa tecnologia vai depender da oferta de serviços de manutenção, que podem demandar peças disponíveis apenas no estrangeiro, e o uso dessa tecnologia vai envolver a aceitação e a aprovação de instâncias internas e externas”, diz o docente.

Outra possibilidade que se abre a partir do estudo dos sistemas complexos de defesa atuais, ou seja, dos conjuntos de dispositivos, softwares, armamentos e veículos que interagem entre si para criar uma rede de proteção, é a de projetar cenários futuros, e elaborar possíveis medidas e estratégias a serem postas em prática para construir um aparato de defesa mais robusto.

Essa metodologia, conhecida como ‘estudos do futuro’, ainda é pouco aplicada na academia, e a Unesp está na vanguarda da sua utilização. Ela compreende etapas de planejamento, desenho de estratégias e esboço de cenários prospectivos e projetivos. “O estudo do futuro envolve aprimorar conceitos que permitam aprender, não o futuro, mas a operar levando o futuro em consideração, futuro que, em algum momento, será o presente. É necessário saber operar o presente para gerar um futuro”, diz Saint-Pierre. “Procuramos conseguir liberdade decisória e de ação estratégica para aumentar o grau da autonomia nas decisões.”

Saint-Pierre ressalta que a Unesp tem um histórico de pesquisa na área da segurança nacional. “O programa Pró-Defesa I ajudou a estruturar o programa de pós-graduação em relações internacionais San Tiago Dantas. Nós abrimos uma área chamada Paz, defesa e segurança internacional, que também foi a primeira pós-graduação do Brasil desse ramo”, diz. Por meio da atuação desses pesquisadores, também foi possível elaborar o Dicionário de defesa e segurança, publicado em 2018 pela Editora Unesp, e que, segundo o docente, deverá ser atualizado a partir do trabalho desenvolvido nessa nova fase do Pró-Defesa V.

Imagem acima: Denise Pires de Carvalho, presidente da Capes, fala durante a cerimônia de inícios das atividades do programa Pró-Defesa V na Escola Superior de Defesa, em Brasília.