Entre os dias 30 de setembro e 4 de outubro, a Unesp sediou o evento Key Technologies in Bioeconomy 2024, que recebeu cerca de 50 pesquisadores brasileiros e estrangeiros em sessões realizadas na Reitoria da Universidade, em São Paulo, e em Ubatuba, no litoral norte do estado. O evento foi organizado conjuntamente pelas Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pró-Reitoria de Pesquisa e Assessoria de Relações Externas da Unesp.
Além de apresentações dos projetos de pesquisa, palestras sobre oportunidades de financiamentos e captação de recursos e sessões de alinhamento para prospecção de colaborações científicas, os participantes visitaram as instalações do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o maior investimento nacional em ciência da história do Brasil, localizado em Campinas.
O evento organizado pela Unesp marca o quarto encontro presencial de cientistas de um consórcio científico criado em 2019 chamado Aliança Global em Bioeconomia. Além da Unesp, o grupo inclui a Universidade Técnica de Munique (TUM), a Universidade de Queensland, da Austrália, e a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU), que ingressou na aliança no ano passado. A Unesp havia sediado o primeiro encontro do grupo, em 2019.
“Existe uma grande discussão hoje sobre como as nações industrializadas, que são as maiores emissoras de gases do efeito estufa, devem financiar a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. A bioeconomia tem potencial de receber parte desses investimentos de mitigação, assim como as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de tecnologias nessa área”, aponta a professora Dulce Helena Siqueira Silva, assessora da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Unesp.
Brasil lidera debate sobre bioeconomia no G20
No início de setembro, após nove meses de debates no âmbito do G20, fórum que reúne as principais economias do mundo, o Brasil conseguiu alcançar um consenso entre todas as nações para aprovar um documento que estabelece 10 princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia. O acordo assinado pelos representantes das principais nações do planeta associa as atividades identificadas sob o termo bioeconomia a uma série de premissas, como a promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo, conservação da biodiversidade, promoção da equidade, da inclusão social e da igualdade de gênero, o uso eficiente dos recursos biológicos e incentivo à criação de modelos de negócios sustentáveis e a geração de empregos dignos, entre outros pontos.
A expectativa é que o novo documento, ao estabelecer pela primeira vez contornos para o conceito de bioeconomia em um fórum internacional, possa servir de base para as próximas discussões sobre o tema, norteando, por exemplo, o desenho de políticas públicas, investimentos internacionais, discussões diplomáticas, práticas comerciais ou fomento a projetos de pesquisas para a transição rumo a uma economia global mais sustentável e inclusiva.
No primeiro dia de evento, os pesquisadores presentes na sala do Conselho Universitário da Unesp celebraram o documento aprovado no G20, ganhando destaque na fala do principal palestrante do encontro, o veterano Christian Patermann, tido como “pai” da Bioeconomia na Europa [ver box], que destacou o ineditismo da discussão do tema bioeconomia em fóruns globais.
Atual presidente da Aliança Global para a Bioeconomia, o pesquisador Volker Sieber destacou que o acordo tem o potencial de estimular a bioeconomia de diferentes formas. “Acredito que o documento pode mudar o foco das políticas e da estratégia de desenvolvimento”, afirma o cientista da TUM, que vê o Brasil como um hotspot da bioeconomia em virtude de sua imensa biodiversidade. “A presença de empresas atuando nessa área vai demandar pesquisas e criação de metodologias que, no fim das contas, podem aumentar a capacidade das universidades de entregar novas tecnologias. Ao mesmo tempo, os governos parecem também comprometidos em assumir os compromissos estabelecidos nesta declaração. Acredito que todos esses fatores devem impulsionar as atividades em bioeconomia.”
As atividades do primeiro dia incluíram uma série de apresentações por parte dos pesquisadores presentes. Em sua maior parte, as falas trouxeram exemplos de iniciativas e colaborações de impacto em bioeconomia.
Um dos palestrantes foi o dinamarquês Andreas Worberg, que falou sobre a sua experiência na colaboração com a indústria à frente do DTU Biosustain, um centro financiado pela Novo Nordisk Foundation, especializado no desenvolvimento de soluções para processos industriais mais sustentáveis a partir de diferentes áreas de pesquisa. Outra experiência da Dinamarca foi apresentada por André Pick, CEO da startup CASCAT, que atua no desenvolvimento de tecnologias baseadas em reações químicas e enzimáticas para tornar processos químicos mais sustentáveis e eficientes.
O docente Guilherme Bueno, ligado ao Centro de Aquicultura da Unesp, apresentou a iniciativa Aquários de Ideias, a primeira incubadora de empresas de base tecnológica e científica localizada na região do Vale do Ribeira, na cidade de Registro, e que recentemente foi incluída na rede API (Ambiente Paulista de Inovação) ao lado de mais de 20 outras instituições voltadas para o empreendedorismo e a inovação. Durante esta apresentação, coube ao egresso da Unesp Danilo Proença apresentar a experiência da Biomonetize, uma startup sediada na incubadora que oferece soluções para empreendedores da indústria do pescado e agricultores, duas das principais atividades econômicas da região, na valorização e monetização de serviços ambientais.
O encontro na sala do Conselho Universitário também ofereceu aos participantes oportunidade para conhecer as possibilidades para financiamento de projetos de pesquisa no estado de São Paulo. Nesta linha, a atuação da Fapesp foi apresentada pelo professor Carlos Graeff, coordenador de Programas Estratégicos e Infraestrutura da agência estadual. Graeff falou sobre os diferentes programas de fomento à pesquisa da agência, que anualmente recebe 1% da arrecadação tributária do estado para o financiamento de bolsas e projetos de pesquisa. o que a coloca como uma das principais fontes de recursos para este fim no país.
Outra iniciativa capaz de incentivar as pesquisas em bioeconomia foi o anúncio, por parte da Novo Nordisk Foundation, de um prêmio de €$ 15 mil para trabalhos que abordam a bioeconomia a ser oferecido diretamente para o pesquisador, além de outros €$ 100 mil que deverão ser investidos no apoio e na continuidade do projeto premiado. “A intenção do prêmio é chamar a atenção para as oportunidades oferecidas pela biotecnologia e bioeconomia para a sustentabilidade global e para o trabalho desta Aliança Global em Bioeconomia”, destacou Torben Borchert, diretor científico da fundação dinamarquesa. A princípio, o prêmio deve ser concedido ao longo de três anos, entre 2025 e 2027, e vai contemplar projetos que desenvolvam ou aprimorem processos e conceitos na área de bioeconomia que tratem de temas como tecnologias para descarbonização, soluções sustentáveis inovadoras, entre outros.
Ao longo da semana, os pesquisadores das diferentes instituições que formam a Aliança Global em Bioeconomia apresentaram seus projetos em diferentes áreas da bioeconomia, como agricultura e produção de alimentos sustentável, uso de recursos naturais para atender a diferentes demandas da sociedade, valorização de resíduos, estratégias para descarbonização, sistemas livres de células e mineração sustentável.
Para o pesquisador Rodrigo Costa Marques, o encontro reforçou a impressão de que o Brasil é reconhecido como um parceiro mundialmente estratégico pela capacidade de contribuir no combate às mudanças climáticas. Pesquisador da área de biocombustíveis no campus da Unesp, em Araraquara, Marques destacou a quantidade de trabalhos que buscam inovações tecnológicas para a redução da dependência da indústria petroquímica. “O que fica muito evidente ao final deste encontro é que a bioeconomia não deve ficar restrita à solução de problemas ambientais. A bioeconomia é uma oportunidade para o desenvolvimento a partir de novas tecnologias que estão na fronteira do conhecimento.”
Summer School em bioeconomia
Em outra iniciativa relacionada ao encontro, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação, juntamente com a Pró-Reitoria de Pesquisa e a Assessoria de Relações Externas, organizou, na última semana, a Summer School em Bioeconomia que, além de 20 doutorandos de programas da Unesp, recebeu também cinco doutorandos da Universidade Técnica de Munique, uma das instituições que integram a Aliança Global em Bioeconomia. A programação de atividades incluiu palestras com pesquisadores das duas instituições, visitas a laboratórios e a uma grande usina produtora de etanol localizada no oeste paulista. As atividades ocorreram em três campi da Unesp, onde os alunos foram recebidos no Instituto de Química de Araraquara, no Instituto de Pesquisa em Bioenergia e no Instituto de Biociências, em Rio Claro, e no Instituto de Ciência e Tecnologia, de São José dos Campos.
PAI DA BIOECONOMIA FOI KEYNOTE SPEAKER
Considerado o pai da Bioeconomia na Europa, o professor Christian Patermann abriu as atividades do Key Technologies in Bioeconomy 2024. Ao longo de sua trajetória profissional e acadêmica, Patermann ocupou diversos cargos relacionados à política científica e tecnológica no âmbito da Comissão Europeia, com destaque para sua atuação como diretor de Biotecnologia, Agricultura e Investigação Alimentar e diretor de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Durante esse período foi responsável pela elaboração do novo conceito de Bioeconomia Baseada no Conhecimento, um conceito pioneiro que envolve a aplicação das Ciências Naturais para criar novos produtos, mais sustentáveis e competitivos.
Logo no início da sua fala, o professor frisou o impacto da aprovação pelo G20 do documento que estabelece princípios da bioeconomia. “A assinatura deste acordo simboliza um grande marco para a bioeconomia em todo o mundo e um momento especial para nós, que atuamos neste tópico há mais de 25 anos”, celebrou o especialista, lembrando ainda que a temática vem sendo discutida em outros fóruns internacionais, como o G7,que reúne as sete principais economias do mundo, e a FAO, órgão da ONU voltado para a Alimentação e Agricultura.
Ao longo da apresentação, Patermann destacou alguns dos pontos positivos do uso de recursos biológicos como base para a bioeconomia, como suas propriedades renováveis, a baixa emissão de carbono, em alguns casos até mesmo a capacidade de capturar o elemento da atmosfera, sua capacidade de agregar valor às cadeias produtivas, entre outros pontos. O professor mencionou ainda a permeabilidade da bioeconomia à integração com outras tecnologias como a Inteligência Artificial e, no caso específico do Brasil, cita o esforço em incorporar o conhecimento das comunidades tradicionais.