Edgard Scandurra celebra os 35 anos de “Amigos Invisíveis”, seu primeiro trabalho solo

Famoso como guitarrista da banda Ira!, músico paulistano explica processo de composição e gravação de álbum, no qual tocou todos instrumentos, e que recebeu elogios até de Pete Towshend, o cérebro por trás do The Who.

Conhecido por sua sonoridade diferenciada, autêntica e repleta de peculiaridades, o álbum Amigos Invisíveis, primeiro disco solo do compositor e guitarrista Edgard Scandurra, está comemorando seus 35 anos.

Gravado no lendário estúdio carioca Nas Nuvens, sob a produção de Paulo Junqueiro (atual presidente da Sony Music Brasil), Amigos Invisíveis foi lançado em 1989, quando Scandurra era um dos mais celebrados músicos do rock Brasil pilotando as guitarras do Ira!. Muito bem recebido pela crítica musical da época, o trabalho destacou o lado multi-instrumentista do músico, que gravou as partes de guitarra, violão, baixo, sintetizador, violino, bateria, metalofone, percussão e voz nas doze faixas que compõem o LP. A exceção foi o piano da faixa Abraços e Brigas, que ficou a cargo da sua esposa à época, Taciana Barros (que integrou a Gang 90 e As Absurdettes).

“Na verdade, o álbum é resultado de uma série de elementos”, conta Scandurra. Ele lembra que a busca por sonoridades, timbres e desafios artísticos particulares sempre foi uma característica de sua carreira. “Nessa época, o Ira! já havia gravado três discos (Mudança de Comportamento, Vivendo e Não Aprendendo e Psicoacústica). A gente vinha de uma carga grande de gravações, shows, viagens. Não tínhamos mais tempo para projetos paralelos. Mas, mesmo antes que eu ficasse somente no Ira!, sempre gostei de tocar com muita gente, com outras bandas. Sentia saudades de, por exemplo, tocar bateria com as Mercenárias, ou de levar a guitarra para cima e para baixo para fazer um som com bandas como Smack e Cabine C, entre outros amigos. Inclusive, isso é relatado em algumas letras”, diz.

O bom momento do Ira! dentro da gravadora Warner favorecia a possibilidade de lançar um trabalho solo. “Naquele período estávamos com um conceito muito bom na Warner. Eles eram só sorrisos. O Vivendo e Não Aprendendo conquistou um Disco de Ouro. O Psicoacústica não foi sucesso de vendas, mas sim de crítica. Era um momento muito propício para reivindicar um trabalho autoral e um som mais experimental. Apresentei a ideia para o André Midani (à época presidente da Warner Brasil) quando a gente estava discutindo um novo contrato. O Midani era um cara cordial e visionário. Não limitava ninguém, não podava suas possibilidades artísticas, ao contrário, era um incentivador. Tivemos uma reunião, propus a ideia do disco e ele aceitou na hora. Chamou a gravadora, disse o que iria acontecer e assim as coisas se desenrolaram”, relata.

Durante a produção e a gravação do álbum, Scandurra contou com a importante parceria de Paulo Junqueiro. Português que veio ao Brasil para atuar como engenheiro de som, ele depois se tornou uma referência na indústria fonográfica brasileira. Junqueira havia atuado em dois discos do Ira! e aceitou o desafio de ser co-produtor do solo.

“Eu estava numa fase modernista muito forte, muitas influências dos anos sessenta, cuja estética pegou em cheio no repertório. Amigos Invisíveis é um disco bem Mod, vamos dizer assim. A gente fez algumas demos, e gravamos algumas coisas que foram utilizadas para o disco. Foi um processo muito bacana, porque ali resgatei para valer minha vontade de tocar bateria, de cantar um repertório de músicas que existiam lá no grupo “Subúrbio”, além de executar instrumentos que eu não tocava tão bem. Como um violino por exemplo, algo bem desafiador. E, no final das contas, ficaram bem gravados”, diz. Scandurra relata ter descoberto posteriormente que sua atuação como multi-instrumentista no álbum lhe valeu uma menção no Guinness World Records (antes conhecido como Guinness Book of Records, lançado em português como Livro Guinness dos Recordes).

Um amigo de infância

O título do álbum, Amigos Invisíveis, surgiu de diferentes elementos. Quando criança, Scandurra brincava com um amigo invisível. “Ele era baterista, inclusive, e eu relatava essas brincadeiras aos meus pais. E o título também tem a ver com o fato de que toquei todos os instrumentos do álbum contando apenas com a ajuda imaginária de meus ídolos e influências”, diz.

As doze faixas falam de questões sociais, políticas e românticas, temas que moldaram a carreira artística de Edgard. Mas, devido às influências da estética modernista, apelidada por ele de tropical mod, a obra também foi registrou elementos que permeavam sua vida naquele momento, e outros que vieram pela intuição. “Apesar do álbum ter todas essas conexões, creio que foi uma coisa intuitiva, porque não me dei conta disso. Posso dizer que a temática, as letras, os caminhos que culminaram nesse disco estavam no ar, criados por grupos e tribos que se influenciam e identificam com determinadas culturas e estéticas. No meu caso, tem muito a questão das bandas inglesas, desde a sonoridade até a elegância no modo como se vestiam. Além disso, foi uma fase de amadurecimento político, social e pessoal, como cidadão e como pai”, diz.

O trabalho conserva registros importantes para a sua carreira como Minha Mente Ainda é a Mesma  e Amor em B.D. As faixas Abraços e Brigas, Culto de Amor e Vou Me Entregar Como Nunca foram escritas em parceria com Taciana Barros, e as duas primeiras seriam regravadas pelo Ira! em momentos distintos. O trabalho também consta com faixas instrumentais, como Bem-vindo Daniel, dedicada ao primeiro filho de Edgard, justamente com Taciana.

O disco ainda traz duas covers: uma é de Our Love Was, lançada no álbum The Who Sell Out, de 1967, do grupo britânico The Who. A outra é uma releitura da emblemática Gritos na Multidão, do próprio Ira!, a qual apareceu primeiro no disco Vivendo e Não Aprendendo.

“O disco foi muito bem recebido. Recebeu ótimas críticas, produzimos lindos videoclipes e trouxe realizações pessoais das quais tenho muito orgulho. Por exemplo, a minha versão de Our Love Was passou pelo crivo particular de Pete Townshend, guitarrista do The Who que compôs a música, e que é uma grande referência musical para mim. As pessoas diziam que ele era um cara muito exigente e rígido com suas versões. Esse feedback me trouxe uma grande realização. Neste ano, estou conseguindo fazer alguns shows para celebrar esta importante obra da minha trajetória.”

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.

Imagem acima: Edgard Scandurra em apresentação do álbum. Crédito: divulgação.