Proibição de acesso ao X no Brasil pelo STF remete a abordagem da União Europeia que regulamenta redes sociais, diz pesquisador da Unesp

Para Danilo Rothenberg, conflito entre Supremo Tribunal Federal e a Big Tech expressa a necessidade, já identificada pelo bloco europeu, de encontrar equilíbrio entre a livre operação das empresas de tecnologia e a necessidade de preservar autonomia dos países, de modo a prevenir distorções como interferências externas na política e disseminação de discursos de ódio. “É preciso que o Congresso Nacional tome a iniciativa de legislar sobre esse tema”, diz.

Desde que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decretou a proibição de acesso à rede social X, antigo twitter, no último dia 30/09, o país tem vivido um turbilhão politico que envolve os poderes judiciário e legislativo, tendo como pano de fundo a discussão sobre o direito à liberdade de expressão nas sociedades democráticas e os limites a esse direito que podem ser estabelecidos no universo digital.

Num dos mais recentes desdobramentos deste turbilhão, a Polícia Federal (PF), o STF e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foram alvo de ataques cibernéticos que geraram instabilidade em seus sistemas entre quinta, 29/08 e terça, 2/09. As ações, reivindicadas por um grupo hacker, começaram após o bloqueio determinado pelo ministro do STF. Segundo a Anatel, órgão responsável por regular o setor de telecomunicações no país, os ataques já eram esperados.

Em nota, o Supremo informou que seus sistemas ficaram inoperantes por menos de 10 minutos na sexta-feira, 30/09. A equipe técnica do tribunal agiu rapidamente, retirando os serviços do ar e implantando novas camadas de segurança, de modo que todos os acessos foram normalizados e não houve prejuízo operacional ao Tribunal. Já a rede interna da Polícia Federal ficou fora do ar durante a tarde de terça, 3/09, porém já conta com os serviços restabelecidos.

Danilo Rothberg, professor especialista em sociologia da comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, campus de Bauru, vem desenvolvendo pesquisas analisando os embates entre as BigTechs e governos de diferentes nações pelo mundo.

“Desde que adquiriu a X, em 2022, Elon Musk tem promovido uma visão específica do que ele considera liberdade de expressão. Para ele, a moderação de conteúdo nas mídias sociais deve ser mínima. Essa perspectiva vai contra o entendimento, que está sendo adotado em grande parte do planeta, de que é necessário alguma regularização”, diz. Segundo o docente, discursos de ódio estão entremeados na ampla gama de opiniões que constantemente são publicadas nas redes sociais e, por vezes, levam a incitação da desobediência contra as instituições democráticas.

Um exemplo da abertura para estes discursos é o dos perfis que disseminam conteúdos falsos no X. Após o 8 de janeiro de 2023, o STF intensificou as investigações sobre a disseminação de fake news e conteúdos golpistas, o que levou Moraes a ordenar o bloqueio de diversos perfis associados a usuários acusados de atentar contra a democracia brasileira. Elon Musk se negou a retirar os perfis do ar, cravando o primeiro ato de desobediência contra o Supremo.

“É perfeitamente normal que mídias sociais tenham sido chamadas a remover conteúdos e banir contas que promovem desinformação, discursos de ódio e incitação a ataques de violência contra as instituições democráticas. Essas manifestações já vêm sendo sujeitas a interdição pelas leis, particularmente na União Europeia”, diz Rothberg. “No entanto, o X tem tido uma visão diferente, e recuperou contas que tinham sido banidas dentro desse contexto”, completa.

Segundo Rothberg, o conflito no Brasil entre o Supremo Tribunal Federal e o X surge do choque entre essas duas visões. “Primeiro, é preciso dizer que o embate não é entre Moraes e Musk, mas sim entre o STF e uma empresa, a qual deve obediência aos princípios regulatórios do país. O conflito se estende entre o Supremo e a iniciativa privada, no contexto de um embate entre liberdade econômica e regulação de mercado, que é um dos dilemas centrais na formulação de políticas econômicas. O cenário envolve uma tensão entre permitir que o mercado opere livremente e a necessidade de intervenção do poder público para garantir resultados justos e equilibrados.”

Para o professor, os benefícios esperados da liberdade econômica envolvem a promoção de inovação, a eficiência dos mercados, o crescimento econômico e a distribuição de recursos baseada nas preferências dos consumidores. Ainda assim, a liberdade econômica também pode gerar resultados problemáticos, como a concentração de poder econômico, a exploração do trabalho e a adoção de práticas comerciais prejudiciais à livre concorrência. “Sempre há uma ressalva de que a liberdade econômica não pode ser absoluta. O poder público deve impor controles em benefício da maior parte da sociedade e da maioria dos consumidores”, diz.

A regulação de mercado, nesse caso, envolve intervenções do poder público para corrigir o que se considera como falhas. Estas são falhas inerentes aos mercados e, para Rothberg, é preciso proteger o interesse público dessas imperfeições que fazem parte do sistema capitalista. Entre os princípios da regulação de mercado, o pesquisador destaca a garantia da competição justa entre as empresas, a proteção de consumidores, de usuários, de trabalhadores e do meio ambiente, além da prevenção contra monopólios. “O conflito entre o STF e a iniciativa privada surge exatamente quando se busca encontrar um equilíbrio, nas redes sociais, entre a permissão para que os mercados operem livremente, maximizando a eficiência, e necessidade de atuação do poder público a fim de preservar a autonomia dos países e prevenir excessos que possam prejudicar o bem-estar social”, diz o pesquisador.

O especialista diz que o Brasil segue como referência leis de regulação da mídia digital aplicadas na União Europeia. Para ele, a visão pessoal de Musk sobre liberdade de expressão tem criado tensões entre empresas e os governos em várias partes do planeta.

“Por exemplo, o embate entre o STF e o X também pode ser entendido à luz da regulação das plataformas digitais, conforme as leis na União Europeia. A lei específica se chama Digital Services Act ou DSA. A DSA é uma legislação europeia que estabeleceu novas regras, determinando, por exemplo, a responsabilidade das plataformas no âmbito da legislação europeia. A obrigação das plataformas digitais é fornecer relatórios periódicos para gerar transparência sobre suas políticas de moderação de conteúdo e o impacto que essas políticas têm sobre o que é publicado na rede”, diz.

Rothberg acrescenta que as mídias sociais precisam cooperar com autoridades nacionais para a remoção de conteúdos ilegais, incluindo o fornecimento de dados sobre usuários. “Em síntese, está em questão o próprio conceito de soberania nacional na regulação de mídias sociais, porque as tecnologias digitais podem ser usadas para interferir em eleições e políticas internas de outros países. É preciso que existam políticas nacionais para monitorar e combater essa interferência. Seria necessário que o Brasil, a exemplo de outros países, determinasse que o Congresso Nacional assumisse a proeminência e produzisse legislação adequada sobre as matérias e a regulação de mídias sociais”, diz.

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