Em junho deste ano, Chico Buarque comemorou seus 80 anos de vida. Desde seu primeiro grande sucesso, A Banda, em 1966, até os dias de hoje foram algumas dezenas de álbuns, prêmios e inúmeras composições que marcaram a cultura brasileira e consolidaram o compositor carioca como um dos maiores artistas populares do país. Como forma de celebrar sua obra e explorar a complexidade de suas músicas, o podcast Prato do Dia conversou com André Simões, jornalista e autor do livro Chico Buarque em 80 canções.
Embora a produção artística do compositor também inclua contribuições importantes na dramaturgia e na literatura, o livro lançado pela Editora 34 foca exclusivamente no cancioneiro do artista. “Eu tento enfocar as canções como, no mínimo, uma integração entre música e letra, mas eu busco integrar questões de arranjo, intepretação, recepção, contexto histórico. E para que ninguém possa me acusar de não ser pretensioso, eu ainda tentei colocar tudo isso em uma linguagem fluida”, afirma o autor.
Ao observar a obra de Chico Buarque como um todo, Simões comenta que é possível separá-la em três fases. A primeira seria relativa ao começo da carreira até os anos 1970, a segunda sendo a produção durante o período ditatorial do Brasil e por fim a fase pós ditadura e mais recente, com trabalhos mais esparsos.
Olê, Olá, o Chico veio lá
Francisco Buarque de Hollanda, ou apenas Chico Buarque, é compositor, cantor, ator, dramaturgo e escritor. Nascido no Rio de Janeiro, em 1944, é filho do historiador e jornalista, Sérgio Buarque de Hollanda, e da pintora e pianista Maria Amélia Cesário Alvim.
Passou parte da adolescência na Europa, e foi na Itália que nasceu sua primeira composição, quando tinha apenas 15 anos, a Canção dos Olhos. Em 1963, surge outra música nomeada Tem Mais Samba, que está presente no seu primeiro disco. Na época suas grandes inspirações eram o samba e as marchinhas de carnaval, mas artistas como João Gilberto, Ataulfo Alves e Noel Rosa também surgiam como uma referência.
Sua estreia oficial na música aconteceu em 1966, três anos depois de largar o curso de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na USP. Seu primeiro álbum se chamou Chico Buarque de Hollanda e logo na estreia trouxe canções que logo se tornaram clássicos da música popular brasileira, como Pedro Pedreiro, Olê, Olá, Ela e sua Janela e A Banda.
“Estava à toa na vida/ O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor/ A minha gente sofrida/ Despediu-se da dor/ Pra ver a banda passar”. Esses versos de A Banda levaram Buarque a ser premiado no II Festival da Música Popular Brasileira, organizado pela TV Record, e foi durante esse evento que a sua figura passou a ser mais conhecida na mídia e pelo público.
“Do começo da carreira até o álbum Construção é uma fase de maior lirismo, especialmente um lirismo nostálgico”, explica Simões. Para Adélia Bezerra de Meneses, crítica literária que publicou três livros sobre Chico Buarque, esse conceito se manifesta com a recusa do presente opressor e a busca por um passado, podendo ser pessoal, como a infância vista em João e Maria, ou coletivo, de uma sociedade pré-industrial vista em A Banda. O cotidiano é outro tema regular dentro dos oito discos pertencentes à essa primeira fase.
Cálice perante a ditadura
“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir/ A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir/ Por me deixar respirar, por me deixar existir/ Deus lhe pague”. Dessa forma se inicia Construção, o nono disco de Chico Buarque, que segundo Simões representa um novo capítulo na carreira do músico.
O álbum possui letras que abordam o cotidiano com críticas ao período ditatorial que o Brasil enfrentava, principalmente após a promulgação do AI-5 em 1968, que forçou Chico a se exilar na Itália por 14 meses. Cordão, Samba de Orly e a faixa de abertura, Deus lhe Pague, são exemplos de canções que abordam esses temas. As melodias do álbum também impulsionaram os versos, já que eram ritmadas com o objetivo de remeterem a uma construção de fato.
A produção de Chico Buarque também ficou marcada por parcerias de sucesso com renomados artistas da música popular brasileira, como Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Toquinho. Simões afirma que as parcerias eram muito respeitosas, em que cada participante contribuía com a sua especialidade. “No caso de Valsinha, Vinicius, que era um melodista muito bom, fez a valsa e deu para o Chico Buarque letrar”, explica.
Além de Construção, Buarque produziu praticamente um disco por ano durante o período da ditadura militar, entre eles se destacam Sinal Fechado, Meus Caros Amigos e Ópera do Malandro. O compositor também escreveu hinos de luta contra a opressão da época, o que fez enfrentar muita censura na época, alguns exemplos são Apesar de Você, Geni e o Zepelim e Cálice, que são reverenciadas até hoje.
Chico e suas artes Paratodos
O final da ditadura militar, em 1989, também é um ponto de virada para o compositor carioca. “Nessa época, a produção discográfica dele passou a se tornar mais esparsa, porque passou a alternar as canções com a literatura. Se antes ele lançava álbum todo ano, agora lança de cinco em cinco anos”, explica Simões.
Apesar dos hiatos mais longos, a produção musical dele continuou pungente. Nesse período se destacam os discos Paratodos, em que o cantor reflete sobre suas origens, Cambaio, Carioca, Chico e Caravanas, sendo que esses quatro últimos foram indicados e, muitos deles, venceram algumas categorias no Grammy Latino. Sua empreitada na literatura também rendeu frutos, já que seus livros Estorvo, Budapeste, Leite Derramado e O Irmão Alemão renderam premiações na maior premiação da literatura brasileira, o Prêmio Jabuti.
Embora tenha recebido muitos prêmios e tenha seu talento reconhecido, é nesse período que Buarque se afasta um pouco dos holofotes da grande mídia. “Nessa última fase, o Chico fala que tem músicas menos ‘orelháveis’, ou seja, são mais difíceis de assimilar. Além disso, coincide com o período em que a MPB, da qual ele faz parte, não tem tanto espaço comercial quanto tinha até 1985. O rock nacional se tornou muito popular e a MPB foi associada a um público mais maduro”, relata Simões. Porém, o autor reforça que a influência das composições de Buarque são uma influência e inspiração até hoje.
A entrevista completa com André Simões sobre os 80 anos de Chico Buarque pode ser acessada na plataforma Podcast Unesp, no player abaixo ou no tocador de podcast da sua preferência.