Uma década sem a alegria e a voz de Jair Rodrigues

Há dez anos, o Brasil perdia o intérprete de Disparada, O Morro não tem vez, Festa para um rei negro e outros clássicos da MPB. Podcast Unesp recupera entrevista exclusiva com o artista, famoso por suas interpretações energéticas e voz potente, e que hoje é reconhecido entre os pioneiros do rap nacional.

Jair Rodrigues de Oliveira nasceu em Igarapava, no interior de São Paulo, em 6 de fevereiro de 1939. Desde pequeno foi levado a buscar trabalho e passou por diversas profissões, incluindo engraxate, mecânico e pedreiro. Em paralelo, porém, trabalhava para concretizar seus sonhos. Em 1954, mudou-se para a cidade de São Carlos, engajando-se no meio artístico e começando a atuar como crooner. No início da década de 60, foi tentar o sucesso na capital paulista e acabou por participar de programas de calouros na televisão. Em 1963 saiu seu primeiro álbum, O Samba Como Ele É, que trouxe a antológica canção O Morro Não Tem Vez, parceria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

O álbum lhe rendeu um pouco de visibilidade, mas foi cantando em boates, que ele conseguiu se projetar e gravar o seu segundo LP, Vou de Samba com Você, em 1964. Neste ano, estourou seu primeiro grande sucesso: o samba Deixa Isso Pra Lá, que, com seus versos mais declamados do que cantados se tornou um de seus principais sucessos. A faixa ganhou popularidade também graças à coreografia animada que ele executava nos palcos, e, já no século 21, seria popular entre os artistas de Hip Hop do Brasil, que celebraram Jair como pioneiro do Rap nacional.

Em 1965, ele se tornou apresentador de “O Fino da Bossa”, programa da TV Record, em parceria com Elis Regina. Em 1966, o cantor ganhou ainda mais sucesso ao participar do II Festival da Música Popular Brasileira, defendendo a canção Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros. À época, Jair surpreendeu o público com uma linda interpretação da canção ao lado do Trio Marayá e do Trio Novo. O resultado foi o primeiro lugar, empatando com outro clássico, A Banda, de Chico Buarque. Na verdade, o júri havia escolhido, interpretada por Nara Leão, como vencedora. Porém, Chico não aceitou o resultado, Considerava a composição apresentada por Jair melhor do que a sua, e reconhecia também a torcida popular por Disparada. No fim, o júri decretou empate técnico dos dois artistas.

A vitória catapultou sua carreira. Nesse período, o artista realizou turnês pela Europa, Estados Unidos e Japão, e manteve esse alto grau de reconhecimento por muitos anos. No samba, gravou outra canção icônica, samba-enredo Festa para um Rei Negro, da Acadêmicos do Salgueiro, em 1971. Mas também se firmou como intérprete de sucessos sertanejos, como O Menino da Porteira, Boi da Cara Preta e Majestade o Sabiá. Sua carreira perdurou por 50 anos, e e lhe valeu incontáveis premiações,

Nas décadas seguintes, naturalmente sua produção artística diminuiu de ritmo. No total, porém, sua obra comporta quase 50 lançamentos, entre álbuns e DVDs, reflexo do carinho que conquistou junto ao público que se encantava por performances de palco reconhecidamente energéticas e que exibiam uma alegria contagiante.

Jair Rodrigues morreu repentinamente na sauna de sua casa, em Cotia, na Grande São Paulo, em decorrência de um infarto agudo do miocárdio. O cantor era casado com Claudine Mello, com quem teve os filhos Jair Oliveira e Luciana Mello, ambos cantores.


Seguem-se abaixo excertos de entrevista exclusiva de Jair Rodrigues para o Podcast Unesp realizada em 2013.

Podcast Unesp: Jair, como ocorreu sua relação com a música?

Jair Rodrigues: Olha, foi desde menino. A minha mãe sempre me apoiou, mas eu costumo dizer que tudo que a gente aprende artisticamente na vida, como cantar, tocar violão ou pintar, dentre outras habilidades, são dons divinos. Por que? Ninguém constrói uma trajetória à toa, sem determinação e sapiência para seguir seus respectivos caminhos. No meu caso, já são 54 anos de carreira. Ressalto o apoio da minha mãe, que dizia que, se eu levasse a sério, me tornaria um grande cantor.

Então, já pensando nisso, aos 14 anos mudei de Igarapava, minha terra natal, para a cidade de São Carlos. Com 17 anos comecei a cantar na noite.
Fiz um teste e comecei a me apresentar num restaurante e me tornei profissional. Por volta dos 20 anos vim para São Paulo em busca de novas oportunidades. Comecei a cantar na noite paulistana e conheci uma dupla chamada Venâncio e Corumbá, dois pernambucanos considerados os melhores repentistas do Brasil na época, e que também eram empresários.

Fui ao escritório deles, e eles começaram a tomar conta de mim. Me davam muitos conselhos, indicavam músicas, às vezes cantavam comigo, me ensinavam a pronunciar as palavras corretamente, a encaixar as frases nas melodias e outras questões fundamentais para eu poder cantar bem. Eles foram uma espécie de mentores para mim.


Podcast Unesp: Em qual momento o negócio começou a ganhar dimensões mais profissionais?

Jair Rodrigues: Cantando na noite. Eu cantava em várias casas. Havia uma boate chamada Asteca que ficava ali na Praça da República onde apareciam muitos artistas: meu ídolo Agostinho dos Santos, Silvio Caldas, Ataulfo Alves, Noite Ilustrada e muitos outros. Comecei a frequentar a noite, e eles começaram a prestar atenção em mim. Nesse cenário, tive a oportunidade de aprender e ganhar orientações desses excelentes artistas, que apontavam caminhos para que eu seguisse cantando. Além disso, eu também cantava em rádios, o que ajudou a popularizar meu trabalho.


Podcast Unesp: Jair, você criou uma grande amizade e parceria com a Elis Regina, como você a conheceu?

Jair Rodrigues: Eu conheci a Elis no finalzinho de 1964, quando eu estava fazendo grande sucesso com a música Deixa Isso Pra Lá. Eu viajava muito para o Rio de Janeiro. Numa dessas idas, eu fui lá no famoso Beco das Garrafas, que era frequentado por artistas como Jorge Ben Jor, Simonal, Ciro Monteiro, Elizeth Cardoso e muitos outros. Na verdade, lá era um reduto de artistas, e eu fui dar uma canja.

Quando eu estava saindo, entrou a Elis, para cantar também. Aí ficamos nos olhando. A gente brincou um com outro meio de longe, mas eu retornei para São Paulo. Já em março de 1965, eu fui participar do programa do Airton Rodrigues, “Almoço com as Estrelas” na TV Tupi, que era apresentado por ele e pela Lolita Rodrigues, que era a mulher dele. Quando eu entrei no camarim, dei de cara com a Elis. Aí ela disse: “Poxa, aquele dia você foi embora, eu queria te dar um abraço, dizer que sou sua fã, você pode me dar um autógrafo?”. Aí eu falei: “Então empatou, me dá um autógrafo também”.

Assim fizemos, ficamos batendo papo, nos tornamos grandes amigos e até pareciamos namorados. Ela já tinha vencido um festival com a canção Arrastão, conhecida como Pimentinha. Aí, o próprio Airton brincou com a gente e pediu para que eu cantasse uma música para ela, e vice-versa. Em 8 de abril de 1965, fui me apresentar no Teatro Paramount. Quando cheguei lá, encontrei a Elis, que também ia se apresentar. Aí fomos nós dois, acompanhados do Jambo Trio, e fizemos um pout pourri de sambas. A Elis era contratada da Philips, que lançou essa gravação e vendeu milhares de cópias. Logo em seguida fomos contratados pela TV Record que nos deu o programa “O Fino da Bossa” para apresentarmos. Enfim, foi uma parceria sensacional.

Podcast Unesp: Jair, após tantos anos de carreira artística, tem alguma passagem que você considera fundamental?


Jair Rodrigues: Vou citar uma lembrança de 2007, quando o apresentador José Maurício Machline, que era diretor do Prêmio Tim de Música Brasileira, me chamou para receber uma homenagem à minha trajetória artística lá no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Foi uma fase em que eu andava meio reflexivo sobre a minha carreira: se eu realmente era um artista com uma obra relevante, que poderia deixar um legado. A partir daquele momento, percebi que não seria esquecido pelo público, e desde então, comecei a receber inúmeras homenagens. Lembro também de uma outra oportunidade na Catedral de Nossa Senhora Aparecida, quando encerrei uma missa cantando Romaria, de Renato Teixeira. Recebi homenagens na Alemanha, Suíça, Suécia, França, Itália, entre outros países. Costumo dizer que, se eu não for o homem mais feliz deste mundo, sou um deles. Porque consegui criar uma família maravilhosa, com amor, carinho, um casamento de 39 anos, filhos abençoados… E que seguiram na música e construíram suas carreiras com muita garra e honestamente, tanto o Jair de Oliveira quanto a Luciana Mello. Enfim, tudo isso não tem preço.

Ouça abaixo a íntegra do programa Podcast Unesp.