A luta antimanicomial no Brasil: o desafio da superação da exclusão e do preconceito

Em entrevista ao podcast Prato do Dia, o psicólogo Osvaldo Gradella Júnior retoma a história do movimento pela reforma psiquiátrica no Brasil, e sua busca por desmontar a crença equivocada de que pessoas em sofrimento psíquico necessariamente oferecem perigo à sociedade, o que justificaria sua internação compulsória. “Se criamos um sentido para a vida do paciente, ele consegue se reorganizar”, diz.

A luta antimanicomial no Brasil é um movimento social e político que busca transformar o modelo de tratamento de pessoas com transtornos mentais, promovendo a desinstitucionalização dos indivíduos e a garantia de seus direitos humanos. As primeiras mobilizações remontam à década de 1970 tendo como alvo o modelo manicomial tradicional. Este modelo se baseava na internação de pacientes em grandes hospitais psiquiátricos, onde eram isolados a partir de uma visão médica, então hegemônica, que tratava a loucura como algo a ser contido e isolado da sociedade, em vez de compreendida como parte da diversidade humana.

Neste episódio do podcast Prato do Dia, produzido pela Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, o psicólogo Osvaldo Gradella Júnior, docente da Faculdade de Ciências da Unesp, campus de Bauru, retoma a história da luta antimanicomial e apresenta o movimento em perspectiva. Para lutar contra o preconceito, explica, é necessário combater o mito de que pacientes com transtornos mentais são perigosos. “Que a gente consiga acabar com aquela ideia disseminada da periculosidade. Isso não é uma verdade absoluta. A periculosidade aparece em todas as circunstâncias, em todos os seres humanos, não é exclusividade de alguém em sofrimento”, diz.

Após o processo de redemocratização do Brasil e a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), baseado na Constituição Federal de 1988, as políticas antimanicomiais ganharam força. Foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), a principal referência para o tratamento psiquiátrico no SUS. Os CAPS contam com equipes compostas por profissionais de diferentes áreas, como psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiros, e oferecem diversos tipos de atividades terapêuticas e de suporte, como grupos de acolhimento, oficinas, acompanhamento medicamentoso, atendimento psicológico individual e atenção domiciliar. Em 2001, foi aprovada a Lei 10.216/01, com base nos princípios da reforma psiquiátrica. A legislação estabelece diretrizes para a reestruturação do sistema de saúde mental com foco na desinstitucionalização, na promoção da autonomia dos pacientes e na garantia de seus direitos fundamentais, além de ter sido responsável pelo fechamento gradual de manicômios e hospícios.

Para Osvaldo Gradella Júnior, apesar do avanço na legislação, a visão médica enraizada na sociedade, que dialoga com o senso comum, ainda valoriza a prática da internação compulsória. “As pessoas ainda têm medo porque, na realidade, quando você fala do sujeito em sofrimento psíquico, ele se parece com o sujeito da irracionalidade, e que você não sabe o que ele vai fazer”, diz. Ele critica abordagens como a prescrição de medicamentos de uso psiquiátrico que não segue critérios claros. “O médico prescreve uma lista imensa de coisas e não explica. Por que você toma o A? Por que você toma o B? O que faz o A? O que faz o B? Saber disso é um direito do sujeito. Mas, como ele é irracional, não se explica nada. Essa é a relação inicial da violência: submeter o sujeito a esse tratamento.”

O tratamento humanizado no campo da psiquiatria, explica o docente, considera o paciente em sua integralidade, levando em conta não apenas os aspectos biológicos, mas também os psicológicos, sociais e culturais que influenciam sua saúde mental, fortalecendo os princípios éticos e os valores humanos que devem guiar a prática clínica. “Se você cria um espaço para ele (paciente), um sentido para a vida dele, ele se reorganiza. Um dia pode acontecer (uma crise) de novo, ninguém está livre desse processo. Mas isso não implica que eu tenha que isolá-lo, excluí-lo da vida. Por que excluir da vida?”, questiona o docente.

Ele comentou também o triste histórico do Hospital Colônia de Barbacena, abordado em dois filmes, “Em nome da Razão” e “Holocausto brasileiro”, em que os internos eram abrigados em condições terríveis, e que chegou a ser comparado a um campo de concentração. ” Era pior do que apenas os maus-tratos. Depois que os internos morriam, partes de seus corpos eram comercializados para faculdades de medicina. Havia até um livro que registrava os preços das partes dos corpos”, diz. “Ainda bem que o Hospital de Barbacena fechou. Porém, o pensamento que se mantinha em Barbacena não fechou”, diz.

O podcast Prato do Dia é uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) da Unesp. Você pode ouvir a íntegra da entrevista com o professor Osvaldo Gradella Júnior, da Faculdade de Ciências do campus de Bauru da Unesp, na plataforma Podcast Unesp, no player abaixo ou no tocador de podcast de sua escolha.