Rolando Castello Júnior e a vibrante jornada da Patrulha do Espaço

Ele superou uma limitação física surgida na infância para se tornar um baterista reconhecido e uma figura atuante no rock brasileiro desde os anos 1970, que conquistou admiradores até em outros países da América Latina.

Habilidade, superação física e paixão pela música são algumas características que marcam a trajetória do baterista e percussionista Rolando Castello Júnior. Nascido na cidade de São Paulo em 13 de abril de 1953, Rolando é reconhecido como referência do instrumento no rock BR, tendo sido eleito pela revista Roadie Crew em 2015 como o terceiro  melhor baterista brasileiro de todos os tempos.

Desde a infância, Rolando sempre teve interesse pela música e buscou caminhos e possibilidades para adentrar o universo musical. “Sou descendente de italianos e ouvia muito a música italiana na casa dos meus avós e dos tios do meu pai. Minha mãe tocava um pouco de piano em casa, e minha irmã tentou tocar violão. Até aquele momento, minha relação com a música se resumia a isso. Por volta dos 13 anos, fui a uma festinha de um amigo da escola e descobri os Beatles. Na época, dizia-se que a banda havia vendido um milhão de cópias de discos. Para um moleque, falar de coisas tão grandiosas era um negócio absurdo. Quando coloquei o compacto na vitrola, ouvi mais de cem vezes. Nem desci mais para brincar, pirei”, lembra.

Meses depois, Rolando assistiu, no programa de TV Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, uma apresentação da banda argentina Beat Boys. O visual dos músicos, diferente daquele apresentado pelas bandas de rock brasileira, e semelhante ao dos grupos ingleses, chamou sua atenção, assim como o fato de que os argentinos apresentaram uma canção, Day Tripper, que ele não conhecia. “Posteriormente, conversei com uma colega que também havia assistido ao programa. Ela disse que aquela música era dos Beatles e não deu outra: no dia seguinte fui comprar o compacto e me deu uma vontade louca de tocar um instrumento. Na minha rua, ficava o Conservatório Caio Gomes. Fui até lá, me matriculei e comecei a aprender bateria com o professor Chumbinho, muito conhecido entre os músicos da Bossa Nova. Assim começou a minha relação com a bateria”, diz.

Não foi um início sem obstáculos. Rolando teve poliomielite na infância, e a doença deixou sequelas. Mas sua paixão pela música o impulsionou, amparada por sua persistência e sua habilidade natural. “Aos dois anos tive poliomielite, e houve consequências físicas no braço direito. Primeiro, tentei tocar violão, mas achei um pouco difícil devido a essa questão. Depois, quando comecei a estudar bateria com o professor Chumbinho, ele me orientou a encontrar alguma forma para segurar as baquetas. Segurei a baqueta entre o dedo indicador e o dedo do lado, e assim achei meu jeito de tocar”, diz. Ele diz que o professor foi fundamental para sua trajetória. “Se fosse outro professor, mais ignorante ou menos civilizado, talvez eu não tivesse oportunidade para aprender bateria e me tornar músico.”

Experiências pela América Latina

Na ativa desde a segunda metade dos anos 1960, Rolando teve a oportunidade de vivenciar outras culturas e estilos musicais. Essa experiência, acompanhando músicos na Argentina e no México, abriu portas para que se tornasse profissional.

“Inicialmente, fui para o México a contragosto, devido ao trabalho do meu pai. Mas, no final das contas acabei me dando bem. Devido a proximidade do México com os EUA, lá havia instrumentos de qualidade maior, e  mais opções, muitos discos. E também muitos  lançamentos chegavam lá antes, como Jimi Hendrix. No Brasil, havia poucas opções de marcas de instrumentos, a qualidade era inferior, os lançamentos dos grandes músicos demoravam muito pra chegar. Quando trouxe meus novos instrumentos para cá, já foi um diferencial, que se somou ao meu estilo”, lembra. “Eu digo que, na escola de música, fiz o primário no Brasil e me graduei no México.”


Em 1974, de volta ao país, Rolando foi chamado para ser baterista do grupo Made in Brazil, e gravou para o primeiro álbum da banda. “Nessa época o Made já tocava músicas próprias. Eu conhecia e curtia o som deles, então, me convidaram para entrar na banda. Foi uma época muito legal, você recebia uma grana para tocar quando entrava numa gravadora. Hoje a gente tem que pagar!”, diz. Gravaram o primeiro álbum, e durante dois anos se apresentou junto com o grupo em shows e programas de TV. Porém, Rolando gostava muito de rock progressivo e queria perseguir um trabalho nesse estilo. Já os demais integrantes se mostravam fiéis ao rock mais tradicional. O baterista decidiu sair em busca de novos rumos.

Em 1977 foi para a Argentina. Lá, junto com o guitarrista Norberto Pappo Napolitano, formou uma das mais emblemáticas bandas portenhas, o Aeroblus, até hoje reverenciada e homenageada pelos roqueiros hermanos. Aeroblus, de 1977, o único disco que gravaram, foi um marco do rock dos anos 1970, e abriu caminho para uma série de bandas pesadas latino-americanas. “Tocar e conviver com o Pappo foi uma experiência sensacional. Era um cara diferenciado na guitarra e um artista que influenciou tanto o rock na Argentina quanto em toda a América Latina. O álbum do Aeroblues é um espetáculo e outra referência do rock, tenho muito orgulho”, diz.

A Patrulha do Espaço decola

No mesmo ano, voltou para terras tupiniquins e foi convidado por Arnaldo Baptista, o célebre fundador dos Mutantes, para integrar um novo grupo, a Patrulha do Espaço. O convite unia o útil ao muito agradável, pois Arnaldo era um artista renomado e desenvolvia um trabalho com foco no rock progressivo que fazia a cabeça de Rolando. O nome Patrulha do Espaço vinha de uma faixa do disco solo de Arnaldo, Lóki. O grupo estreou no 1° Concerto Latino Americano de Rock, no Ginásio Ibirapuera em São Paulo, em setembro de 1977, e logo tornou-se uma das principais expressões do rock paulistano e brasileiro.

Com a saída de Arnaldo Baptista, em maio de 1978, a banda passou a contar com a participação de Percy Weiss nos vocais e gravou seu álbum de estreia, que foi um dos primeiros discos independente de rock do país. Conhecido como Disco Preto, cravou dois hits dentre as oito faixas: Arrepiado e Vamos Curtir uma Juntos .


“A fundação da banda Patrulha do Espaço foi um convite irrecusável feito pelo Arnaldo. Eu era fã do cara, a proposta sonora era muito boa, e tivemos um início muito promissor. Mas o Arnaldo era um cara difícil de trabalhar profissionalmente. Infelizmente, ou felizmente, ele ficou apenas 9 meses no grupo. Digo isso, porque logo que ele saiu chegou o Percy que foi muito importante na trajetória da banda”, conta o baterista.

Em abril de 1979, o grupo fez seu último show com a formação que continha Percy, no teatro Pixinguinha. De 1979 a 1985, a banda consolidou-se como o primeiro trio de hard rock brasileiro, realizando centenas de shows. Durante esse período, gravaram três álbuns e um EP, contendo canções como Columbia, Festa do Rock e Não Tenha Medo. Em 1983, a Patrulha abriu um show para a banda Van Halen em São Paulo, e recebeu elogios pessoais de Eddie Van Halen. “Na verdade, eles fecharam para nós (risos). O Eddie foi muito legal com a gente, não apenas elogiou, mas sugeriu a nossa participação”, diz.

Posteriormente, a banda contou com a participação de Pappo, o guitarrista argentino, o que resultou na gravação do álbum Patrulha 85. Lançado em 1985, foi editado inclusive na Argentina, e trouxe como destaque as canções Olho Animal e Robot.

Já em 1992 lançaram o álbum Primus Inter Pares, uma homenagem póstuma ao baixista Sergio Santana. Após esse álbum, a banda deu uma nova pausa. Rolando Castello Júnior continuou suas atividades como produtor de eventos culturais, oficineiro, palestrante e produtor musical. Em 1997 e 1998, foram lançados os três primeiros volumes da série de compilações Dossiê, que contou cronologicamente a história da banda e trouxe o registro de sua obra em formato CD.

A volta da Patrulha do Espaço às atividades musicais ocorreu no início de 1999. Rolando juntou-se aos veteranos Luiz Domingues (baixo e voz, ex-Língua de Trapo e A Chave do Sol), Rodrigo Hid (guitarra, voz e teclados, ex-Sidharta) e Marcello Schevano (guitarra, voz, teclados e flauta, ex-Sidharta). A virada veio com o álbum Chronophagia, em 2000, que foi bastante elogiado pela mídia especializada, o que se revertou em muitos convites para shows. Nessa fase, a banda celebrava suas próprias raízes sessenta-setentistas, o que se refletia não só na sonoridade do novo material composto, mas também na produção dos shows, no visual dos componentes e nas ambientações. Com a nova formação, a banda incorporou mais de 15 músicas inéditas ao seu repertório, reencontrou sua veia criativa e voltou a formar na linha de frente do rock brasileiro.

O quarto volume da série Dossiê veio em 2001, trazendo um book ilustrado e assinado pelo próprio Rolando. Nesse volume, já constava o início da história dessa formação, com a inclusão de algumas músicas gravadas ao vivo dessa fase, como faixas bônus. No ano de 2003, a banda lança .ComPactO, um EP com músicas inéditas. O título do álbum evocava a modernidade da era da internet (PontoCom), num trocadilho com a palavra “compacto”, aludindo ao velho formato dos compactos (singles) de vinil. A capa exibe o formato de um velho compacto de vinil. Em 2004, um novo álbum de inéditas foi lançado com o nome Missão na Área 13.

Em 2009, fizeram uma turnê nacional e internacional que passou por festivais como a Virada Cultural em São Paulo, o Camping & Rock em Minas Gerais, o Psicodália e o Rural Rock Fest em Santa Catarina, o Goiânia Noise em Goiás e o Ferrock no Distrito Federal, e também por teatros e casas de rock do país. Em 2011, a banda emplacou uma canção na trilha sonora do documentário “Brasil Heavy Metal”, e três anos depois lançou um CD com o registro de uma apresentação ao vivo em Buenos Aires.

Além da atuação como músico de banda, Rolando foi pioneiro em inúmeras atividades dentro da cena rock brasileira, da produção musical ao ensino musical. Nesta seara, destaca-se sua atuação para implementar no Brasil o conceito de Workshop Tour, tendo realizado inúmeras turnês para prestigiadas marcas internacionais e nacionais.

A Patrulha do Espaço segue em plena atividade com diversos trabalhos. Dentre eles, o show do clássico disco Compacto, lançado em CD e e em Vinil, remixados e remasterizados a partir das fitas originais analógicas, que reuniu membros clássicos da formação e contou com a participação de convidados. “Entre idas e vindas, a banda se tornou uma referência do rock nacional. Claro, roemos o osso desse cenário: não fomos uma banda com grande divulgação na mídia. Mas sempre muito gratificante, pela nossa história, pela nossa luta como banda independente. Estamos aí até hoje, influenciando novas gerações” diz Rollando.

Confira a entrevista completa com Rolando Castello Júnior no Podcast MPB Unesp.