O cultivo de café arábica (Coffea arabica L.), o mais produzido no Brasil, deverá ser fortemente impactado pelas mudanças climáticas nas próximas décadas. Segundo projeções feitas por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e dos institutos federais do Mato Grosso do Sul e do Sul de Minas, o país deverá perder mais de 50% das áreas propícias ao cultivo do grão até 2080 em cenários climáticos mais e menos extremos.
Eles se baseiam em conjunturas climáticas globais formuladas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — da mais otimista (RCP2.6) à mais pessimista (RCP8.5) — para simular o crescimento e a produtividade do café arábica em diferentes regiões do país e identificar as áreas que permanecerão aptas para seu cultivo e aquelas que se tornarão inaptas entre os anos de 2041 e 2060 e de 2061 e 2080.
No cenário climático mais otimista, as emissões de gases de efeito estufa diminuem para zero por volta de 2075 e se tornam negativas depois disso. No mais pessimista, as emissões não param de aumentar até o fim deste século, de modo que a temperatura média da atmosfera do planeta será, em 2100, cerca de 4 graus Celsius (°C) maior do que a atual.
Atualmente, 8,72% do território brasileiro — o equivalente a 740.892 quilômetros quadrados (km²) — encontra-se apto para o cultivo de café arábica nos estados da Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. Mais 5,1% do território podem se tornar propícios para o cultivo do grão se for adotada uma metodologia adequada de irrigação. No entanto, o que os estudos sugerem é que o mais provável é que a área adequada para essa cultura em território brasileiro diminua nas próximas décadas — e de forma expressiva.
“O café é muito suscetível ao clima e pode apresentar produtividades altas ou baixas dependendo da temperatura do ar e das chuvas durante seu ciclo de produção”, explica o engenheiro agrônomo Glauco de Souza Rolim, pesquisador do Departamento de Ciências Exatas da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, campus Jaboticabal, e um dos autores de um artigo publicado em novembro de 2023 na revista científica Environment, Development and Sustainability apresentando os resultados das simulações.
Se a temperatura média anual em determinada região for menor que 15 °C, ela automaticamente se torna inapta para a produção de café devido ao frio. A exposição a temperaturas acima de 30 °C também tende a causar problemas no grão. “O mesmo acontece em áreas com déficit hídrico anual superior a 1.500 milímetros”, afirma o pesquisador. O café arábica, com seu sabor rico e frutado, é o grão preferido de muitas fazendas especializadas de pequenos produtores, sendo o tipo de café mais produzido no Brasil — e também um dos mais sensíveis às variações de clima e temperatura.
As simulações conduzidas por Rolim e seus colegas constataram que, partindo-se do cenário mais otimista de mudança climática proposto pelo IPCC, o percentual de áreas aptas para a produção de café arábica no Brasil cairia para menos da metade, indo de 8,7% para 3,7% no período entre os anos de 2041 e 2060. No cenário mais pessimista, esse percentual seria reduzido para 3,8%.
Porém, quando se leva em consideração um horizonte temporal mais dilatado, estendendo-se entre os anos de 2061 e 2080, os resultados são ainda mais rigorosos. Nesse caso, a área propícia para a produção de café cairia de 8,7% para 5,4% no cenário mais otimista e para 0% no mais pessimista. “Nossa análise mostra uma redução média de 50% em áreas adequadas para o cultivo de café em quase todos os cenários”, diz Rolim (veja artes a seguir).
Os estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, três dos maiores produtores brasileiros, seriam os mais afetados. Somente o estado de São Paulo, terceiro maior produtor de café arábica no país, já perdeu mais da metade de suas lavouras nas últimas três décadas, de acordo com um estudo publicado em 2019 na revista Coffee Science.
Apenas em 2024, a região Sudeste foi afetada por quatro ondas de calor. Os termômetros em algumas partes do estado de Minas Gerais bateram cerca de 3 °C ou 4 °C acima do normal. As chuvas em dezembro, janeiro e fevereiro — período usual de maior precipitação — ficaram aproximadamente 10% abaixo do normal. Não por acaso, de acordo com boletim da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as exportações de café brasileiro entre janeiro e novembro diminuíram 4,1% em comparação com o ano anterior.
A maioria dos cenários climáticos futuros indica um aumento na temperatura média do ar, na evapotranspiração potencial e no déficit hídrico, além da diminuição na precipitação média, no armazenamento de água no solo e no excedente de água.
Alguns estudos sugerem que a quantidade de dias com temperatura acima de 34 °C entre os meses de setembro e outubro no Brasil vai aumentar até meados do século. Esse é o período do ano mais crítico para a produção do café no país, pois é quando acontece a floração do grão. “Nossos achados reforçam a importância de estratégias de adaptação para salvaguardar a produção cafeeira do Brasil nos próximos anos”, destaca o pesquisador.
Essa mudança no mapa da produção cafeeira nacional poderá ter sérios impactos econômicos e sociais. O Brasil responde atualmente por cerca de 33% da produção mundial e 26% das exportações para 152 países, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). O país produz aproximadamente 49,3 milhões de sacas em 2,1 milhões de hectares. Sua cadeia produtiva é responsável pela geração de mais de 8 milhões de empregos, com cerca de 287 mil cafeicultores, a maioria de pequeno porte.
Imagem acima: Plantação de Café na Embrapa Cerrado. Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil