Crescimento do apoio à Palestina nos EUA coloca administração Joe Biden em cenário delicado poucos meses antes de concorrer a reeleição presidencial

Atual presidente está sendo constrangido a dar alguma resposta política aos protestos contra a invasão da faixa de Gaza por Israel que irrompem em universidades. Mas racha no partido democrata, cuja ala progressista demanda gestos maiores à causa palestina, é que pode gerar mais danos ao projeto do segundo mandato, avalia especialista em relações internacionais.

Desde o início do conflito mais recente entre Israel e Palestina, iniciado pela invasão do território israelense por militantes do Hamas via terra, mar e ar, em 7 de outubro de 2023, o número de baixas palestinas já alcançou as dezenas de milhares, principalmente de civis. Apesar das pressões externas por um cessar fogo, exercidas por outras nações e organizações multinacionais, e dos rumores de que o Hamas teria aceito uma proposta nesse sentido, ambas as partes ainda não chegaram a um acordo oficial.

A eclosão da guerra detonou controvérsias e conflitos políticos em diferentes pontos do mundo. É nos EUA, no entanto, que estas tensões se manifestam com mais intensidade nas últimas semanas, na forma de protestos de estudantes universitários e de ativistas que se opõem ao apoio americano à guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza.

Estudantes de todo o país reuniram-se ou acamparam em dezenas de universidades para protestar contra a guerra israelense em Gaza, e exigir que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pressione o governo israelense a cessar os ataques. Parte dos manifestantes exige também que suas escolas deixem de investir em empresas que apoiam o governo de Israel, tais como fornecedores de armas. Em um único protesto na Universidade da Virgínia, ocorrido no último fim de semana, ao menos 25 manifestantes pró-Palestina foram presos, e seu acampamento foi desmontado pelas forças de segurança. Já entre os gestores da universidade existe uma preocupação com o potencial crescimento do antissemitismo entre os ativistas.

Esse quadro coloca o governo Joe Biden em uma situação delicada, enfrentando o desafio de reduzir as tensões internas. E como agravante há o contexto pré-eleitoral norte-americano, e a possibilidade de que o candidato de oposição, o ex-presidente Donald Trump, possa ganhar espaço.

Neusa Maria Pereira Bojikian, especialista em política econômica e internacional dos EUA, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas ligado ao IPPRI – Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp e pesquisadora e integrante da coordenação do INCT-INEU, analisa os desafios enfrentados pela administração Joe Biden para manter sua tradicional relação diplomática com Israel, e ao mesmo tempo oferecer uma respostas aos protestos pró-Palestina organizados em diferentes universidades no país.

Bojikian lembra o caráter histórico da aliança entre Estados Unidos e Israel. Os americanos fornecem regularmente ajuda militar, econômica e diplomática para a nação do oriente médio, independentemente de qual seja o partido que ocupe a Casa Branca. O próprio Biden reafirmou esse compromisso logo que chegou à presidência. Após o ataque do Hamas, em 7 de outubro, o presidente americano condenou de forma bastante veemente a ação, e destacou o direito de Israel a se defender.

“A resposta muito violenta de Israel até agora resultou em um número alarmante de vítimas civis nos territórios palestinos. Inclusive mortes de crianças, mulheres, idosos, médicos e agentes de saúde de modo geral, além de outros funcionários de organizações internacionais. E Israel ainda ameaça empregar mais violência e invadir a cidade de Rafah. A região abriga um contingente enorme de civis palestinos que foram até lá fugindo de áreas já destruídas”, diz.

A violência da resposta israelense agitou toda a comunidade internacional e levou a condenações veementes. O secretário geral da ONU, António Guterres, chegou a se posicionar e declarar que uma ofensiva em Rafah representaria uma escalada intolerável da crise no território palestino. “E a gente está vendo as pressões internas nos EUA. Diante de tudo isso, o governo Biden começa a se ver em apuros, precisando se mobilizar. Vemos autoridades do governo, como o secretário de Estado Antony Blinken, e outros altos funcionários, se movimentando para tentar algum tipo de redução das tensões. Eles estão costurando entendimentos entre líderes israelenses, palestinos e de outros países do Oriente Médio”, diz.

A pesquisadora ressalta o dilema enfrentado por Biden para manter o apoio tradicional a Israel e responder às preocupações crescentes com a violência do governo israelense. “No calor dessas pressões, há parte da sociedade civil dos Estados Unidos e grupos de interesse que são fortes e defendem uma posição firme de apoio a Tel Aviv. A guerra ainda afeta as relações diplomáticas com outros países da região do Oriente Médio”, diz Bojikian. Para tornar o quadro ainda mais complexo, Biden precisa levar em conta as reações de outras nações, como Egito, Jordânia e os países do Golfo, além das grandes potências Rússia e China.


Quanto às manifestações que tomaram algumas universidades norte-americanas, a pesquisadora do INCT-INEU avalia que, embora tenham causado bastante repercussão, em linhas gerais têm se mostrado pacíficas. “Há ações educativas: alguns grupos estão promovendo palestras, mesas de discussão e exibições de filmes para levar ao conhecimento da comunidade a situação na Palestina e a história do conflito Israel-Palestina”, diz. Por outro lado, organizações estudantis estão pedindo que as suas universidades pressionem as empresas que mantêm vínculos com Israel nesse conflito, demandando um boicote de investimentos.

“Sabemos que as universidades privadas possuem recursos e os empregam em fundos de investimento. Por isso os manifestantes estão exigindo que haja alguma ação pelo aspecto econômico”, diz. As respostas por parte das direções das universidades têm sido variada. Algumas instituições solicitaram oficialmente calma e a manutenção da ordem. Outras não manifestaram seu ponto de vista. “A gente viu também universidades que têm tolerado o uso da força contra os estudantes. E houve o caso da Universidade de Columbia, em Nova York, em que a reitoria se manifestou dizendo que havia excessos ocorrendo, incluindo elementos de antissemitismo. Isso é muito grave e precisa ser apurado”, diz.

A pesquisadora enfatiza o momento crucial em que as manifestações ocorrem, e diz que Biden precisa rapidamente encontrar meios para lidar com toda a situação, mesmo que, talvez, os protestos não impactem diretamente as eleições. Ela avalia que uma maior complicação para a ambicionada reeleição de Biden pode vir de um racha que existe dentro do próprio Partido Democrata.

“Esse é um ponto bem sensível. Enquanto alguns membros assumem uma postura bastante firme e determinada de apoio a Israel, a chamada ala progressista do partido pressiona por uma condenação à resposta militar de Israel e um apoio mais enfático à causa palestina”, diz. Os republicanos mantêm a postura de apoio incondicional a Israel quando condenam os ataques do Hamas e afirmam que Israel está exercendo seu direito de defesa. “Essa posição é uma constante no partido. Muitos republicanos importantes, incluindo o ex-presidente Donald Trump e senadores de estados mais conservadores se manifestaram assim. Me refiro a Carolina do Sul, Texas, Flórida… Eles têm sido fortes defensores de um maior apoio a Israel, enfatizando a importância estratégica e defendendo políticas para fortalecer ainda mais o relacionamento bilateral, alegando que se trata de um objetivo de segurança nacional. Desta forma, conseguem convencer os seus apoiadores, e sustentam que o governo Biden falhou irremediavelmente nessa questão.”

Ouça a íntegra da entrevista no Podcast Unesp.

Protestos na Universidade Columbia, em Nova York, em 22 de abril. Créditos: SWinxy/ Wikimedia Commons