Uma nota do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), publicada no último 16 de abril, anunciou o inédito “Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil”. Com R$ 1 bilhão a serem investidos em cinco anos, a iniciativa visa incentivar o retorno de pesquisadores brasileiros que atuam no exterior, e o estabelecimento de parcerias internacionais de pesquisadores do país com pesquisadores brasileiros em outros países. Após a publicação da nota, o que se viu nas redes sociais foi uma onda de críticas – muitas, dirigidas à repatriação, são justas e merecidas, mas aquelas direcionadas ao Conselho, nem tanto.
A principal ação para fixar no Brasil os pesquisadores eventualmente “repatriados” prevê um investimento de R$ 800 milhões para custeio de bolsas, auxílios e aquisição de equipamentos – nada disso, porém, garante a abertura de vagas em universidades após o encerramento do período de bolsa: trata-se apenas de uma mudança geográfica das incertezas de continuidade da carreira do pesquisador, e para uma região, diga-se de passagem, menos promissora do que a Europa, por exemplo, onde recebe-se em euro e tem-se a possibilidade de passar décadas transitando entre países e obtendo bolsas.
Tendo em vista a perda de bons pesquisadores pela Academia nacional, o vultoso investimento é inadequado principalmente por não atacar a causa principal do problema. A maioria dos pesquisadores pós-doutores que sai do país tem como principal motivo a extrema dificuldade de encontrar posição permanente no Brasil. Este problema, obviamente, não será resolvido com o oferecimento de bolsas temporárias e insumos para pesquisa, e muito menos para estabelecer parcerias com pesquisadores baseados no Brasil (coisa que já deve existir).
É evidente que a ciência no país precisa de mais investimentos. Vivenciar o dia a dia de pesquisadores que atuam principalmente na área experimental, e que, portanto, necessitam de grandes equipamentos e insumos para executar suas pesquisas, é assistir a uma sucessão de frustrações causadas por escassez de recursos – tudo isto atrelado a uma burocracia infernal. Esses problemas, presentes no Brasil desde 1500, são fatores relevantes para a saída de pesquisadores do país. O novo programa ataca questões conjunturais e nada faz para resolver as distorções estruturais que estão na raiz dos problemas que se propõe a solucionar.
As críticas, porém, não devem ser derramadas sobre o CNPq. O dinheiro destinado ao programa de repatriação é proveniente do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que estabelece a destinação da verba, conforme definido no item 5 dos dez programas de investimento, aprovado em 2023: “Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil: Programa integrado de repatriação de talentos científicos, tecnológicos e inovadores a serem fixados em ICTs e empresas nacionais para desenvolvimento de projetos focados em programas estratégicos nacionais, no desenvolvimento industrial em áreas prioritárias e na redução de assimetrias no Sistema Nacional de CT&I”.
A aprovação do Plano Anual de Investimentos (PAI) do FNDCT é feita por um conselho diretor composto pelo ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, representantes dos ministérios da Educação, do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Defesa, das agências Finep e CNPq, representantes dos trabalhadores das áreas de ciência e tecnologia, das comunidades empresarial, científica e tecnológica, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMPRAPA, e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
Não é difícil, portanto, perceber que a decisão sobre a destinação das verbas está além da vontade do CNPq – quem está acostumado com o ramerrão da Academia e da política sabe que muitas vezes é preciso engolir fatos consumados e lidar com decisões ruins de comitês e grupos de trabalho compostos por pessoas que mal sabem do que estão falando. Dito isso, a crítica ao novo programa de repatriação é válida, mas deve ser direcionada ao governo como um todo, e não somente ao CNPq.
O programa, conforme mostra o PAI, foi decidido no ano passado. Parece apenas uma infeliz coincidência que o anúncio tenha vindo junto com a deflagração de greve nas universidades federais que reivindicam – corretamente – melhores salários e condições de trabalho. Utilizar, porém, a greve nas federais para criticar o CNPq é misturar alhos com bugalhos, já que investimentos perenes, relacionados a salários, devem ser analisados sob outra perspectiva. É claro que o dinheiro carimbado para uso do programa de repatriação poderia ter sido alocado para a valorização de pesquisadores que já estão no país. Mas essa foi uma escolha do governo como um todo.
A ideia equivocada deste novo programa pode ter vindo de outras instâncias, e caído no colo do CNPq. Nada disso, é óbvio, justifica o mau uso recorrente do dinheiro público que, dentre outros motivos (muitos outros), mostra por que pesquisadores têm vontade de sair do Brasil.
Marcelo Takeshi Yamashita é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) no período de 2017 a 2021.
Publicado originalmente na revista Questão de Ciência.