Prato do Dia discute impactos do uso de agrotóxicos na agricultura sobre as abelhas

Pesquisas de Osmar Malaspina foram essenciais para explicar onda de destruição de milhares de colmeias que marcou primeiras décadas do século. Estudos foram usados para embasar políticas de conservação e resultaram em aproximação de apicultores, agricultores e empresas produtoras de defensivos com objetivo de desenvolvimento de boas práticas, capazes de assegurar atividade produtiva e sobrevivência dos insetos.

As abelhas são essenciais para o bom funcionamento de um sem número de serviços ambientais. E, para o ser humano, têm sido parceiras importantes no quesito da produção de alimentos. Além de serem produtoras do mel, um dos mais antigos e universais recursos alimentares empregados pelo ser humano, esses insetos desempenham um papel crucial para a atividade agrícola, influenciando diretamente a produtividade da lavouras por meio da sua atuação como polinizadoras de diversas culturas.

Desde 2005, a expressiva mortalidade de abelhas causada pela aplicação de inseticidas tornou-se uma preocupação crescente para os apicultores, colocando em xeque até mesmo a possibilidade de coexistência no espaço rural, em alguns lugares, de instalações de apicultura e grandes propriedades do agronegócio, onde o uso de defensivos agrícolas é uma etapa fundamental para o processo produtivo. Desta convivência tensa surgiram movimentos para estabelecer o diálogo entre esses atores, a fim de encontrar estratégias e regramentos capazes de assegurar a possibilidade de convivência de ambos no meio rural brasileiro.

Uma das medidas para mitigar o problema, adotada há dois meses, foi a restrição, pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do uso de dois praguicidas considerados extremamente nocivos para os insetos do gênero apis: o Tiametoxam e o Fipronil, sendo que o segundo citado já havia sofrido restrições em 2012.

A discussão das causas da elevada mortalidade de abelhas, e dos caminhos para  superar o problema, teve como um dos seus fundamentos as pesquisas conduzidas por Osmar Malaspina, coordenador do Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e Conservação de Abelhas da Unesp em Rio Claro. A convite do podcast “Prato do Dia”, Malaspina compartilhou sua longa história com as abelhas, sedimentada em mais de 40 anos de pesquisa científica.

Registrados em mais de 80 artigos publicados, os estudos do grupo formado pelo pesquisador tornaram-se inclusive referência para criação de políticas públicas. “Eu tenho até um documento do Ibama, de quando ele fez a primeira restrição dos neonicotinoides e do Fipronil, em 2012, que cita que estavam fazendo aquelas restrições com base nos artigos publicados pelo meu grupo”, conta o pesquisador.

Em 2014, ele fundou o projeto Colmeia Viva, parceria da Unesp com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com a proposta de investigar os causas e incidências de mortalidade de abelhas no estado de São Paulo e propor um relatório final público para ser entregue ao Ibama. Bem sucedida, a iniciativa possibilitou o estabelecimento de diálogo com os produtores agrícolas. Como decorrência do projeto, foram propostas orientações para a promoção de boas práticas para agricultores e apicultores. Malaspina pontua que inicialmente estabelecer contato entre as duas indústrias foi um desafio. “Eles diziam que não queriam negociar. Era uma posição radical, né? Eu nunca tive essa posição radical”, diz. Ainda que a proteção de abelhas fosse a principal proposta do projeto, ele declara que, considerando o clima tropical do país, compreende a necessidade do controle de pragas para a agricultura brasileira.

O especialista em abelhas reforça a ideia de que a colaboração entre os dois ramos é a melhor alternativa, até mesmo considerando a produtividade do mercado. Algumas culturas, como amêndoas, maçã e maracujá. se desenvolvem essencialmente com o auxílio de polinização. Mas culturas menos dependentes como, café, soja e morango também se beneficiam com a atuação das abelhas.

Finalmente, Malaspina alerta para a possibilidade de desaparecimento das abelhas nativas devido ao uso de defensivos. Diferentemente das abelhas africanizadas, para as quais existe tecnologia disponível para assegurar sua reprodução em massa, não há meios para reproduzir abelhas nativas em larga escala. Isso implica um sério risco para a polinização de plantações e para a variabilidade das espécies vegetais no Brasil. Em culturas que necessitam de abelhas nativas, como pimentão, berinjela e tomate, as flores normalmente estão fechadas. É preciso então que uma abelha específica pouse na flor, para que ela possa se abrir. “As abelhas nativas realizam uma técnica especial de vibração para abrir as flores dessas culturas. Isso é  algo que a abelha africanizada não consegue fazer. Sua perda representaria um risco significativo para a polinização de plantações no Brasil”, diz.

Você pode ouvir o episódio do Prato do Dia sobre o uso de pesticidas na agricultura e seus efeitos sobre as abelhas no site Podcast Unesp, procurando diretamente na plataforma de podcast de sua escolha, como Spotify, Deezer, Google Podcasts e Amazon Music Podcasts ou no player abaixo.