O talento múltiplo de Marissol Mwaba

Cantora, compositora, estudante de astrofísica, fundadora de escola, palestrante do TED, a brasiliense vem moldando uma obra musical original e já colheu atenção e elogios de nomes como Chico César.

Plural, delicada, reflexiva, irreverente e internacional. Essas são alguns dos adjetivos recorrentemente empregados para descrever a obra da cantora, compositora e multi-instrumentista Marissol Mwaba. Brasileira filha de africanos, ela vem consolidando uma carreira artística que já compreende dois CDs lançados e colaborações com nomes como  Rincon Sapiência, Emicida e Rashid. Mas seus interesses se espalham por outras áreas. Ela já estudou astrofísica na França, tornou-se palestrante do TEDxTalks, lançou em 2023 seu primeiro livro e fundou uma escola de canto. Este ano, já lançou um novo trabalho, que conta com a participação de Chico César.

Jacqueline Marissol Omega Muleka Mwewa Mwaba nasceu na cidade de Brasília em 1991. Filha de congoleses, cresceu ouvindo em casa música congolesa das décadas de 1960 e 1970, alternada com o repertório pop brasileiro da época. “Embora os meus pais estivessem ligados à ciência e à produção de trabalhos acadêmicos, eles tocavam em uma banda no Congo. Então, eu escutava vários sons de lá, e também o pop-rock brasileiro que tocava nas rádios e na TV durante a minha infância”, lembra. Ela ganhou o primeiro violão aos oito anos. O irmão mais velho fazia aulas do instrumento e repassava o que aprendia. Ela também compartilhava com ele o que descobria sozinha, e os dois se tornaram autodidatas musicais. Por essa época, sua irmã mais velha, que morava na França, gravava seu primeiro álbum, e dividia com eles o conhecimento de diferentes aspectos da música, incluindo técnicas de canto, segredos do backing vocal etc.

Enquanto ia aos poucos se aperfeiçoando no ofício de cantar, tocar e escrever letras e canções, ela avançava na vida escolar e optou por cursar astrofísica na Universidade Federal de Sergipe. Graças a uma bolsa do programa Ciência Sem Fronteiras, pode cursar também física na Universidade de Sorbonne em Paris, e paralelamente estudava Astronomia no Observatório da capital da França. “Foi um período muito rico de conhecimento e vivências. A ciência sempre alimenta a música no meu caminho, e vice-versa”, conta.

A profissionalização artística ocorreu de forma natural. Há alguns anos, fixou-se no estado de Santa Catarina, e passou a colaborar com músicos da cena local. Entre os artistas com quem já colaborou estão o Trio Karibu (colocou sua voz em duas faixas do CD lançado pelo grupo), seu irmão, o cantor e compositor François Muleka ( ela cantou no CD Feijão e Sonho), e a cantora Dandara Manoela, com quem iniciou o duo Mwangaza.

Em setembro de 2015, junto com  sua irmã mais velha, a cantora Alpha Patulay, Marissol Mwaba  fez participações especiais em shows nas cidades francesas de Ranchal e Paris, e em 2016 esteve entre os cinco finalistas do concurso Incroyables Talents de Sorbonne Universités em Paris. Na mesma cidade, em setembro de 2016, lançou seu primeiro CD, Luz-A-zuL. “Na verdade, esse trabalho foi gravado em diversos lugares e produzido em Florianópolis(SC). Mas, como estava estudando lá fora, e havia convidado músicos de outras nacionalidades também para participar, achei que fosse uma boa oportunidade fazermos o show de lançamento em Paris. Mas o CD conta com a participação de muitas pessoas que tiveram papel importante na sua construção, inclusive aqui do Brasil.”

A cantora também já colaborou, no palco e em estúdio, com artistas como Drik Barbosa, Alegre Corrêa e Kabé Pinheiro. Em 2017 sua obra em coautoria com François Muleka, Notícias de Salvador, ficou conhecida na voz de Luedji Luna. Em 2019, participou, junto com Rael, do single Quero Te Ver Bem Amanhã, lançado por Fióti. Com o show Lamuka (significa despertar em Swahili), fez turnê nacional em 2019 e atuou como número de abertura para Emicida, no rio de Janeiro, e Xênia França, em Florianópolis. Em 2022 lançou o EP NDEKE, palavra que significa “pássaro” em swahili, e saiu em turnê com o show homônimo. Seu trabalho mais recente é a canção Frase Única, lançada nas plataformas de música em 7 de março, que conta com as participações especiais de Chico César (voz) e Zé Manoel (piano), e produção de Guilherme Kastrup.

“Quando eu era pequena, ouvia Chico César por influência do meu pai. Porém, eu achava que ele era africano, ouvia muito. Nesta nova canção, existe um trecho da letra que me chamou a atenção. Na hora, senti que deveria ser a voz do Chico para cantar, ouvi a voz dele na minha cabeça. Mas e a coragem de convidá-lo a participar? Uma coisa é o fato de ele ter me chamado para participar anteriormente de um dos seus trabalhos. Outra coisa era eu convidar um ícone dessa dimensão para participar da minha música. Mas minha intuição sobre a voz dele na música foi tão forte que mandei uma mensagem, e ele topou. E ficou incrível”, diz.  

A participação do pianista Zé Manoel também é celebrada. “Sempre toquei essa música no violão, mas estava vindo na minha mente uma versão ao piano. Lembrei do Zé tocando ao vivo em Salvador certa vez, e me pareceu que só havia ele e o piano naquele lugar, foi tão lindo que me deixou suspensa no tempo e espaço. Tive a sorte de que ele também topou. E o Kastrup foi um gênio em gravar, produzir e unir tudo da melhor forma possível.”

Chico César elogia a carreira da jovem artista. “Fico muito feliz quando uma artista jovem, que poderia ter feito uma carreira de cientista, olha generosamente para o ambiente da música e fala: ‘eu quero trabalhar com isso, eu vou trabalhar com isso também. Isso é uma parte importante de mim e tenho que colaborar com isso’. Ela vem de uma família extremamente musical, isso está nela. Se Marissol fosse só cantora, já seria maravilhoso. Mas ela é muito mais. É uma artista que se expressa através da música que compõe. E isso é muito bonito”, diz ele.


Confira abaixo a íntegra da entrevista no Podcast MPB Unesp.