Natural de São Paulo, Joel despertou para o universo musical durante a adolescência e os rumos das vida geraram a ele uma trajetória atípica no universo musical. “Na verdade, a minha relação com a música foi se criando com o tempo, principalmente durante a adolescência. Foi aí que eu comecei a ouvir muita música e comecei a tocar também. E peguei essa ‘doença incurável’. Sempre tive muita curiosidade, fui ouvindo, fazendo e buscando evoluir com diferentes gostos musicais. Em casa tinha um pouco de MPB, lembro de ficar vidrado ouvindo os festivais da Record, os tropicalistas que chegaram depois daquela época pós bossa-nova, tenho essas lembranças. Um pouco mais tarde comecei a ouvir jazz, rock, e também música clássica. Meu pai gostava de música clássica e me levava em concertos e foi se criando essa relação com a música”, lembra.
Segundo Joel, o músico Paulinho da Viola foi um divisor de águas em sua vida devido a uma indicação para conhecer um determinado instrumento. “Por volta dos 17 anos, eu lembro de ter assistindo a um show do Paulinho da Viola em um festival. Depois do show, junto com outros colegas, a gente foi conversar com o Paulinho. Aí eu comentei que gostava dos Novos Baianos, a sonoridade do bandolim no som deles e tal e ele me disse: ‘Você precisa ouvir Jacob do Bandolim’, lembra. “Depois disso eu fui caçar algum disco nas lojas no centro da cidade, então achei Vibrações, de Jacob do Bandolim e o conjunto Época de Ouro. Eu adorei aquele som e fui descobrir que na casa Casa Del Vechio havia um vendedor que se chamava Evandro que era professor de bandolim. Aí eu comecei a fazer aula com ele e foi começo desse caminho, ou seja o bandolim foi meu primeiro instrumento”.
Com aproximadamente 20 anos, ao lado de outros colegas, Joel formou o grupo “Xoro Roxo”, conjunto o qual gerou sua profissionalização e a oportunidade de apresentações e gravações inclusive fora do Brasil. “O Xoro Roxo pintou de uma forma inusitada, eu fui assistir a uma apresentação do meu professor de bandolim num lugar chamado Café Paris, que ficava próximo a USP, e num determinado momento ele me chamou para dar uma canja e toquei uma canção. Quando eu desci do palco, um cara se aproximou, era o Zé Fernando, chegou em mim e disse: ‘Eu toco cavaquinho, curto choro, samba e conheço um cara que toca violão, vamos fazer um som?’ Eu falei legal, também conheço um pessoal que toca e assim juntamos os amigos e formamos o grupo”.
De acordo com o músico, nesse período inicial do conjunto, o choro estava atravessando por uma espécie de renascimento no Brasil, ou seja, ganhando espaço novamente no cenário musical. Nesse sentido, eles começaram a ser chamados para se apresentar em diferentes espaços e casas, inclusive chegaram a acompanhar Nelson Cavaquinho no programa “Almoço com as Estrelas”, apresentado por Lolita Rodrigues e transmitido na TV Tupi.
“Tudo ocorreu naturalmente, sem planejamentos e nesse bojo pintou o convite de nos apresentarmos num festival de música na França. Inicialmente, a gente pensou: ‘vamos ficar o tempo de duração do visto de turista que dura três meses se der a gente vai ficando’. Nessa brincadeira ficamos três anos. Paris era um polo cultural muito efervescente, inclusive, mais do que hoje e tudo ocorreu muito rápido. Começamos a tocar em diferentes clubes, espaços culturais, gravamos discos e excursionamos por vários países, pois agentes culturais de países vizinhos frequentavam Paris em busca de novos artistas. Foi uma experiência muito enriquecedora. Retornamos ao Brasil em 1983 com a ideia de se estabelecer e dar continuidade à carreira, mas por questões pessoais, o grupo acabou”.
Carreira solo
Após um hiato na trajetória artística, em 2015, Timoner lançou seu primeiro álbum solo intitulado Canções. Produzido de forma requintada pelo músico Swami Jr (parceiro de Chico César, Zeca Baleiro entre outros), que também fazia parte do Xoro Roxo e se tornou um parceiro nesta etapa, o álbum traz o som mágico do mandocello, letras poéticas e originalidade na construção das canções. O CD conta com as participações especiais de Eugénia Melo e Castro, Chico Pinheiro, Mario Manga, Skowa, Luciana Alves, Tiago Costa e outros. “Durante esses anos que eu estava tocando o mandocelo eu comecei a cantar e compor canções. Uma das primeiras foi Valsa das Pedras. Assim fui fazendo outras de forma despretensiosa. Em 2013, eu consegui me aposentar dos meus trabalhos de informática, então fiquei mais ativo na música. Durante algumas conversas on-line com o Swami, ele me disse: ‘Vamos aproveitar que você está com mais tempo e um monte de canções legais, vamos fazer um disco’. Nesse sentido, com a internet as coisas facilitaram, eu mandava os MP3, a gente usava o Skype para conversar entre outras ações do processo da concepção. Mas eu também fui ao Brasil algumas vezes para gravar, fazer as bases, os arranjos, mixagem e convidamos vários outros músicos importantes para participar. Foi um belo aprendizado poder fazer essa gravação ao lado do Swami e de todos que participaram”, afirma.
Já em 2017, Joel lançou o álbum Labirinto, pelo selo Circus. Neste trabalho, todas as canções foram compostas por Joel e a produção foi novamente do seu parceiro Swami Jr. que também elaborou arranjos incríveis para uma orquestra de cordas. A base do disco contou com o quarteto: Joel Timoner (voz e mandocello); Swami Jr (baixo e violão de 7); Tiago Costa (teclados) e Sergio Reze (bateria e gongos melódicos).
Instrumentos diferenciados
Com o decorrer do tempo, Timoner conheceu e se dedicou a tocar dois instrumentos inusitados: o mandocello e o sazouki.
O mandocello (em italiano: mandoloncello) é um instrumento da família dos bandolins. É maior e mais grave que o bandolim, conta com oito cordas as quais estão em quatro cursos pareados, com as cordas em cada curso afinadas em uníssono. A afinação geral dos cursos é em quintos como um bandolim, mas começando no baixo. Pode ser descrito como sendo para o bandolim o que o violoncelo é para o violino. Já o sazouki é uma criação do luthier francês Hervé Prudent em Besançon, trata-se de uma mistura de Saz turco com Bouzouki grego.
“O mandocello foi muito importante na minha inserção ao reino da canção. Quando eu tocava bandolim, eu meio que improvisava o canto, eu ficava mais ligado na execução instrumental. Devido ao universo harmônico do mandocello, comecei a ficar mais atento e atraído nas letras, no cantar e no processo da produção da canção. Já o sazouki eu descobri no ateliê do Hervé. Tinha ido com um amigo buscar um contrabaixo que estava consertando. Aí eu vi esse instrumento lá e comecei a experimentar. Um músico que estava por lá se juntou a mim e mais tarde o Hervé também, tocando contrabaixo. Era a primeira vez que eu os via. Quando terminamos de fazer o som não consegui resistir ao encanto do sazouki e levei ele comigo. Apesar disso, acabei só começando a tocar ele de verdade em 2020 e desde então ele se tornou meu instrumento, ou quem sabe eu tenha me tornado o seu. Eu afino o sazouki como um bandolim mais grave e com as cordas duplas em oitava. O meu repertório em 2021 é todo com o sazouki”.
Desde então, Joel Timoner segue gravando e produzindo inúmeros trabalhos, sempre evoluindo e se transformando em uma espécie de alquimista das canções. Além de cantar suas composições, Joel faz arranjos de canções de grandes compositores. Ele já gravou músicas de Bob Dylan, Georges Brassens, Jerome Kern, Joni Mitchell, Akira Mitake, Giuseppe Verdi, Jimi Hendrix, Cartola e muitos outros. Para ele, a arte da canção é algo especial
“Imagine uma canção que já exista, muito conhecida ou não. Ela se aproxima de mim procurando e despertando uma emoção, um estado, um ritmo, uma cor específica a esse encontro. A emoção desse encontro é em geral bem diferente daquela da versão original da canção. Uma canção conhecida às vezes me revela uma substância ausente na versão original, uma emoção que permanecia oculta. É mais ou menos assim: para cada faixa que eu gravo, eu não escolho a canção, ela me escolhe. Na verdade esse encontro entre eu e a canção é um diálogo. A canção toma a iniciativa principalmente no começo. Ela me pede, me critica, brinca comigo. Não é qualquer canção que sabe como fazê-lo. Meus encontros com as canções são exatamente assim. Isso requer uma certa arte. É o que justamente chamo a arte da canção”.
Confira abaixo a entrevista completa de Joel Timoner no Podcast MPB Unesp: