Colapso de parte da mina da Braskem ainda gera riscos em Maceió, alerta docente da Unesp

Para Fábio Reis, ex-presidente da Federação de Geólogos do Brasil, não se pode descartar possibilidade de contaminação de fontes subterrâneas de água ou surgimento de crateras em áreas urbanas. Empresa responsável por operar a mina adquiriu residências a fim de facilitar evacuação de moradores em risco, mas ainda não deu início a indenizações. Custo pode chegar a bilhões, estimam governo estadual e federal.

O colapso parcial, ocorrido no domingo, da mina 18, localizada sob a Lagoa de Mundaú, em Maceió, foi localizado e não representa risco para a população. Foi o que declarou o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, horas depois que o colapso foi anunciado. Porém, para o docente da Unesp e ex-presidente da Federação Brasileira de Geólogos, Fabio Augusto Gomes Vieira Reis, ainda existem riscos, e a possibilidade de formação de grandes crateras não está descartada.

O rompimento de parte da mina 18 de sal-gema, propriedade da empresa Braskem, ocorreu dias após ter soado o alerta de risco de colapso. A ameaça levou à evacuação emergencial de aproximadamente 5 mil famílias, residentes nos bairros Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. O prefeito Caldas havia classificado a ameaça de desabamento da mina como “a maior tragédia urbana do mundo”, e o governo federal reconheceu o caráter emergencial da situação. Os efeitos do rompimento parcial eram visíveis em um trecho da Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange. Caldas disse que ainda levará tempo até que os impactos ambientais sobre a lagoa do Mundaú possam ser identificados, mas que não há risco de um deslocamento de maiores proporções.

Fabio Augusto Gomes Vieira Reis, professor do Instituto de  Geociências e Ciências Exatas do campus da Unesp em Rio Claro, relata que o problema dos impactos ambientais causados pelas minas de sal operadas pela Braskem no subsolo de Maceió começou a gerar uma repercussão mais ampla na comunidade dos geólogos a partir de março de 2018.

Relatório diz que situação podia ser evitada

À época, tremores ocorreram na capital alagoana, principalmente nos bairros próximos da Lagoa Mundaú e dos bairros Pinheiro e Mutange. “A partir desses movimentos e sismos, teve início a formulação de hipóteses para explicá-los. Foi chamado o Serviço Geológico do Brasil, também conhecido como CPRM, que é uma empresa pública federal, para conduzir estudos de avaliação do local. Durante quase um ano de trabalho, foram realizadas inúmeras análises, e o relatório final foi entregue em 2019. A conclusão principal do relatório foi que tanto os sismos como os relatos de afundamentos e  trincas observados em casas, prédios e ruas, eram ocasionados pela extração de sal-gema pela empresa Braskem”, diz o docente.

A extração de sal-gema, utilizada na fabricação de soda cáustica e de PVC, teve início em Maceió na década de 1970, conduzida pela Salgema Indústrias Químicas S/A,  que posteriormente se tornaria a Braskem. Segundo as informações fornecidas pela Braskem e que também constam no relatório do Serviço Geológico do Brasil, foram perfurados 35 poços na área. O sistema de perfuração adotado era semelhante ao empregado para os poços de água, porém com o objetivo de chegar à camada subterrânea de sal que existe ali.

A espessa camada de sal, chamada de Formação Maceió, situa-se a cerca de 900 metros de profundidade, e os poços ali abertos chegaram a uma profundidade entre 1000 e 1200 metros. O processo de extração envolve a injeção de água a fim de dissolver o sal que está presente na rocha. O resultado é a formação de uma salmoura. Esse material volta para a superfície por dentro do poço. Na superfície a salmoura é tratada por meio de evaporação e de outros processos industriais para ser transformada em outras substâncias, usadas para a produção de cloro, PVC e outros produtos. “Cada poço equivale a uma mina, são 35 poços e 35 minas”, conta o docente.

Esse processo de escavação que dispensa o uso de pessoas ou de maquinário é chamado de lavra por dissolução. “A água sob pressão dissolve o material, que retorna à superfície pelo poço. Chamamos de solução realizada  pela técnica da dissolução. Porém, é preciso que haja uma distância mínima entre cada posto para fins de segurança. O relatório do Serviço Geológico do Brasil indicou que, em muitos desses poços e minas, a empresa perdeu o controle do processo de extração. Como resultado deste pouco controle, algumas minas passaram por processo de junção, unindo-se umas às outras. O relatório do Serviço Geológico também indicou que a parte superior de algumas minas ultrapassou a camada de sal e atingiu camadas de rocha acima daquele solo. Isso demonstra também falta de controle no processo de extração”, diz Reis.

O relatório também afirmou que a empresa não conduziu um monitoramento apropriado das minas, uma vez que as primeiras evidências surgiram, e que teria sido possível impedir que se chegasse ao quadro atual.

Riscos extremos

Para Fábio Reis, a situação ainda é arriscada. “Uma conseqüência extrema desse processo seria um colapso em cadeia de várias minas e a formação de grandes crateras na superfície. O sal é um material muito sensível e sofre muita influência, em termos de movimentação. Isso pode ocasionar, então, a abertura de várias crateras na superfície. Ou até um colapso em cadeia, abrindo uma enorme cratera na área urbana e pegando a lagoa. Isso seria um impacto gigantesco”, diz. “Além disso, existem ali vários elementos que podem levar à contaminação do subsolo. O cemitério, áreas industriais, os próprios aterros que existem na área da Braskem. Eles podem vir a afundar e ocorrer contato com a água subterrânea. Isso poderia levar a uma contaminação generalizada da região. Então, realmente estamos diante de uma situação bem complexa”, analisa.

Até o momento, a Braskem não indenizou efetivamente as pessoas atingidas. A empresa já adquiriu 14 mil imóveis de moradores da região. Alguns se recusaram a vender. O fato, porém, é que se trata de uma discussão mais ampla, envolvendo a vida dessa população. “Isso é um problema social muito sério. A empresa informou que já separou R$ 15 bilhões para solucionar essa questão. Os governos estadual e federal estão falando em uma cifra de R$ 35 bilhões, porque será necessário prover indenização por parte do estado também. Ali existem vias públicas importantes, hospitais e escolas. Há uma série de questões sociais e econômicas a serem solucionadas.”

Outros casos no Brasil

Fábio Reis lembra que existem casos semelhantes no Brasil. Um deles ocorreu a partir de 2018, na Bahia, numa área também dedicada à exploração do sal-gema por parte de uma empresa do setor químico. “Lá ocorreu um afundamento devido a um colapso. Mas era uma área desocupada, que pertencia à empresa e possuía mais vegetação. Abriu-se uma cratera em superfície bem grande. A empresa optou por contratar uma companhia alemã para elaborar um laudo. O relatório, contudo, ainda não foi divulgado oficialmente e não está aberto ao público para análise”, diz. 

Imagem acima: vista do trecho da Lagoa de Mundaú. Maceió, onde ocorreu o afundamento da mina 18. Crédito: Agência Brasil/Prefeitura de Maceió.