Comunicação de ciência: o que não fazer

Tamanha é a importância da divulgação do saber que atividade já é vista como complementar à própria produção do conhecimento, servindo de prestação de contas à sociedade. Infelizmente, é comum que jornalistas e comunicadores incorram em uma série de deslizes e armadilhas, da abordagem sensacionalista à assunção de falsas equivalências. Isto é ruim tanto para o jornalismo quanto para a ciência.

Em seu livro “A impostura científica em dez lições”, editado pela Editora Unesp, o jornalista de ciência Michel de Pracontal afirma em certo trecho: “A capacidade da mídia para produzir mentiras que se passam por verdades não é nova. Em 30 de outubro de 1938, Orson Welles semeia o pânico pelos Estados Unidos. Sua versão radiofônica da Guerra dos Mundos é tão convincente que os ouvintes acreditam realmente na invasão dos marcianos”. Este excerto permite fazer pelo menos duas considerações.

No seu programa de rádio, Orson Welles interrompeu várias vezes as músicas que estavam sendo tocadas para inserir falas de jornalistas e cientistas reportando a invasão de marcianos na Terra. O ambiente da radionovela, baseada no livro “A guerra dos mundos”, de H. G. Wells, estava recheado de sons ambientes que davam veracidade à cena. Jornais da época reportaram uma histeria coletiva gigantesca, incluindo episódios de ligações para a polícia e mortes de pessoas. A primeira consideração, portanto, diz respeito à responsabilidade da mídia ao veicular notícias para o público geral – ainda que elas pareçam absurdas, como uma invasão do planeta por extraterrestres, sempre haverá quem acredite nos factóides.

A segunda reflexão envolve o exagero e o sensacionalismo apresentado pelos veículos de comunicação ao aumentarem as proporções de algo que realmente aconteceu. Em um livro de 2015, intitulado “Broadcast Hysteria”, A. Brad Schwartz estudou a comunicação relacionada ao episódio e afirma que a narrativa de um pânico nacional generalizado não se sustenta. Um artigo de Pooley e Socolow, publicado em 2013 na revista Slate, assinala, inclusive, um conflito de interesses com a indústria de jornais; esta teria exagerado os relatos de episódios de pânico para mostrar que as rádios não eram confiáveis.

O tempo da notícia e o tempo da ciência

Nem sempre, porém, a desinformação ou o exagero na comunicação de ciência são motivados por má-fé ou malícia. Em muitos casos, esses vícios derivam de uma legítima falta de conhecimento sobre o tema em questão. Para mitigar a ocorrência desses problemas, é fundamental que o jornalista/comunicador possua uma compreensão sólida do conteúdo que está divulgando e valorize um repertório interdisciplinar em ciência – conhecimentos básicos de estatística e a distinção entre correlação e causação já evitariam um bom percentual de equívocos.

Entender que o tempo da ciência e o tempo da notícia são completamente diferentes pode ajudar a controlar a tentação de exagerar a importância de uma descoberta para transformá-la em notícia. A ciência avança vagarosamente; não é toda semana que surge uma descoberta digna de um prêmio Nobel. Portanto, vale desconfiar de pesquisadores que se dizem incompreendidos pela comunidade científica, e de estudos que prometem conclusões extraordinárias.

Logo, a divulgação de ciência não deve ser pautada pelo hype, definido como uma comunicação exagerada e distorcida dos benefícios ou riscos de uma descoberta ou tecnologia (um recurso costumeiro em campanhas de marketing). O sensacionalismo, motivado por uma busca desenfreada por cliques e compartilhamentos, é deletério para a ciência e para o jornalismo, gerando a curto prazo uma crise de desconfiança na sociedade.

No contexto do sensacionalismo, o título e a linha fina desempenham um papel importante no exagero da “notícia”. O site satírico The Science Post compartilha periodicamente um texto cujo título é “Estudo: 70% dos usuários do Facebook só leem as manchetes das histórias científicas antes de comentar”. Apesar de a publicação ser uma brincadeira, já que as frases no corpo do texto são no estilo “lorem ipsum”, ela alcança dezenas de milhares de compartilhamentos.

Não é possível saber exatamente se as pessoas que compartilharam o texto falso estão se divertindo ou se acreditam na manchete. Mas, conforme relata o artigo de The Washington Post, um estudo (verdadeiro) feito por cientistas da computação da Columbia University e do French National Institute mostrou que 59% dos links compartilhados em mídias sociais sequer foram clicados.

Extrapolação errada de ratos para pessoas

Fica claro, portanto, que a capacidade de leitura aprofundada de textos sofreu uma considerável redução com a popularização das redes sociais. Desta forma, em uma época de jornalismo de cliques, a escolha das manchetes deve ser feita com bastante responsabilidade, sem deixar que o equilíbrio da gangorra sensacionalismo/apatia penda exageradamente para um dos lados.

Podemos ver que a gangorra descambou, por exemplo, nas seguintes escolhas de título e de linha fina pelos editores do jornal O Globo  para noticiar uma pesquisa, não faz muito tempo: “Pipoca de micro-ondas em excesso pode causar Alzheimer, mostra estudo da USP – Impacto no cérebro foi ligado ao consumo excessivo de diacetil, composto responsável pelo aroma e o gosto amanteigado da pipoca de micro-ondas”. Esse enunciado é o puro suco do hype desnecessário.

A notícia ganha relevância a partir da criação de um pânico desnecessário na população, ao atribuir uma relação direta de causa e efeito entre o diacetil e o Alzheimer – afirmação que ainda necessita de mais estudos. Também extrapola incorretamente para humanos o resultado de um teste feito em camundongos (o experimento envolveu 12 animais, sendo metade do grupo controle), e omite a informação de que ministrar diacetil por 90 dias para ratos equivaleria, em um humano, a um consumo diário de pipoca de micro-ondas por 10 anos.

Esse caso da pipoca revela ainda outra questão complicada: a assessoria de imprensa bartender, modelo que se tornou comum em várias universidades. Na comunicação bartender, a qualidade do texto é tratada como algo secundário. O produto que se vende não é a boa matéria, mas a disseminação, em curto prazo, da “descoberta”, do nome do pesquisador responsável e de sua instituição, a qualquer preço. A consequência é que textos exagerados que saem de importantes universidades são açambarcados pelos grandes veículos a custo zero: se, em algum momento essas mídias forem acusadas de propagar desinformação, basta que se remetam ao texto original e assim se vejam isentas de qualquer compromisso com o rigor da notícia.

Reportagem de capa saiu do ar

Essa situação, porém, não exime a imprensa de protagonizar suas próprias fanfarrices, recorrendo a exemplos extremos para chamar a atenção do público. Em 2001, a Revista Superinteressante publicou a edição 161 com o seguinte título na capa: “Vacinas – a cura ou a doença?”. Porém, se fizermos uma busca on-line na aba da revista onde, a princípio, deveríamos encontrar todas as edições vamos somente achar um hiato. O diretor de redação da Superinteressante disse para o jornalista Mauricio Stycer, em 2021, que resolveu removê-la do ar porque “num período de pandemia e de vacinação, poderia ser um desserviço.”

É de se lamentar que uma revista de grande circulação tenha adotado abertamente a desinformação como linha editorial no início dos anos 2000. Em outro texto, a mesma publicação cravava a seguinte estupidez na linha fina de uma entrevista: “um dos maiores especialistas em vírus HIV afirma que a Aids não é contagiosa e que se alguém injetar o vírus em si mesmo não ficará doente” – algo inacreditavelmente absurdo.

Desconsiderando-se a questão do marketing rasteiro, os problemas “superinteressantes” também derivam de uma incompreensão de como funciona a ciência. Ao dar visibilidade a ideias estapafúrdias, que não encontram respaldo na comunidade científica, a revista dissemina uma dúvida na sociedade, como se existisse uma polêmica legítima entre o que é fato e o que é um equívoco.

A prática danosa do “outroladismo” no debate científico é bem retratada no livro “Merchants of Doubt“, de Naomi Oreskes e Erik M. Conway. Este livro mostra detalhadamente, apoiando-se em vasta documentação, a estratégia de indústrias para colocar a dúvida e atrasar as discussões sérias sobre os malefícios do tabaco. Nas palavras de um executivo de uma empresa de tabaco, em 1969: “A dúvida é o nosso produto […] não podemos tomar uma posição de oposição direta contra as forças antifumo.”

A introdução de diversas opiniões pessoais na arena pública, muitas delas com embasamento frágil ou capenga, é algo ruim, porque os fatos científicos não são decididos via plebiscito. A ciência não se baseia em uma disputa de narrativas, mas numa série de procedimentos bem definidos pelo método científico. Isto não quer dizer que não existam polêmicas científicas legítimas, mas elas devem ser resolvidas por pesquisadores dentro da Academia.

Outra maneira para disseminar dúvida na população é através da construção desastrada de falsas equivalências. Uma matéria da Folha de S.Paulo “para ser lida por responsáveis e educadores com a criança” mistura estatística (uma área da matemática), previsões meteorológicas (feitas a partir de medições feitas instrumentos científicos) e oráculos esotéricos (tarô, búzios e Nostradamus).

Comunicação complementa a pesquisa

Um ponto positivo desta mixórdia é que colocar métodos científicos legítimos juntamente com esoterismo é um bom estudo de caso, para estudantes de jornalismo, de como não redigir um texto, e que, para quem deseja escrever sobre ciência para o público geral, é primordial dispor de um repertório interdisciplinar, uma realidade que hoje está além das estruturas curriculares das universidades.

É notório que a comunicação de ciência adquiriu uma dimensão complementar à própria produção do conhecimento. Hoje, a divulgação dos saberes para o público geral deve ser vista como parte da pesquisa e uma prestação de contas para a sociedade que nos financia. Esta transparência, sem sensacionalismos, acaba sendo, ao fim e ao cabo, o melhor marketing para as universidades públicas de pesquisa. Reconhecer, portanto, que a comunicação social de uma universidade desempenha uma missão institucional crucial, e não se limita a ser meramente uma plataforma para atender a caprichos e demandas individuais, já representa um significativo progresso.

Este artigo baseia-se em uma palestra proferida durante o trigésimo-quinto Congresso de Iniciação Científica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A íntegra da palestra está disponível neste link.

Marcelo Takeshi Yamashita é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) no período de 2017 a 2021.