Quando a mídia se apressa, todos podem sair perdendo

Cobertura jornalística de ação judicial do ministério público que teve Unesp por objeto na semana passada foi açodada e favoreceu pré-julgamentos. Infelizmente, não faltam exemplos de destruição de reputação causados por manchetes que se mostrariam inverídicas e desinformativas.

Tenho escrito de maneira recorrente sobre alguns problemas da imprensa, principalmente no que diz respeito à veiculação de notícias de ciência. Recentemente, vimos a imprensa mundial alardear a obtenção de saldo energético positivo em um experimento de fusão nuclear, sendo que ainda não existe nenhum artigo técnico referente ao resultado anunciado. Outras tantas vezes presenciamos manchetes anunciando alguma substância como uma grande panaceia, apenas para que se revele, logo em seguida, tratar-se de um fiasco.

Os problemas relatados acima derivam de um mesmo elemento vicioso na relação entre imprensa e ciência, que é a percepção equivocada do tempo próprio de cada atividade. A ciência progride bem mais devagar do que os jornalistas desejariam, e frequentemente exagera-se na descrição das notícias.

Fenômeno análogo ocorre também com a Justiça. O processo judicial, parte fundamental do Estado Democrático de Direito, é lento e cauteloso. Neste caso, a pressa midiática pode estimular pré-julgamentos, criando narrativas que expõem, muitas vezes, cidadãos idôneos a situações indesejáveis. É nesta toada que presenciamos a exposição exagerada de uma ação recente do Ministério Público pedindo o afastamento imediato do reitor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).

Numa época de análises rasas e “jornalismos de títulos”, expressão utilizada pelo ombudsman da Folha de S.Paulo, José Henrique Mariante, para se referir ao sensacionalismo das manchetes, o destaque a expressões que constam na ação, como “cabide de empregos”, “improbidade administrativa” ou “supersalários”, induz os leitores a tomarem as acusações por fatos.

Parte dos assuntos relacionados nessa ação foi requentado a partir de ações mais antigas, que ainda aguardam decisão judicial, mas que já foram devidamente respondidas pela Unesp. Um desses assuntos diz respeito à questão dos cargos comissionados. Conforme pontuado pelo reitor Pasqual Barretti em uma entrevista para a Rádio Municipalista de Botucatu, este assunto era parte de uma ação de 2013, que não prosperou, e de outra ação de 2019, que culminou na aprovação de uma carreira jurídica pelo Conselho Universitário. Recentemente, houve uma liminar pedindo a demissão de todos os procuradores – a Unesp obteve um efeito suspensivo e aguarda uma decisão da Justiça.

Neste ponto, embora devamos reconhecer a importância da atuação da imprensa e do Ministério Público, cujas funções se complementam na cobrança de causas que envolvem o interesse público, é necessário dizer que a mídia não conferiu à decisão proferida pela Justiça do Estado de São Paulo quanto à solicitação de afastamento do reitor o mesmo destaque com que reportou as acusações. Decisão que crava em seu texto: “sem razão, contudo, o Ministério Público.”

Ou, para citar mais extensamente a sentença da juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara de Fazenda Pública da capital, que indeferiu o pedido do Ministério Público: “não vislumbro qualquer indício capaz de denotar a necessidade de afastamento do Reitor […] As questões ventiladas neste feito podem ser facilmente comprovadas por meio de prova documental, notadamente os procedimentos de contratação, nomeação, documentos pessoais das partes, os quais, diga-se, já se encontram no processo, nos inquéritos civis, e que, inclusive, já foram apreciados por ocasião da sentença prolatada no processo conexo [processo de 2021][…] Não há, pois, qualquer elemento capaz de justificar a medida extrema postulada pelo autor da ação”.

A decisão da juíza é contundente e bem esclarecedora. Infelizmente, não ganhou as manchetes dos mesmos veículos que deram destaques a ilações.

É importante evocarmos algumas situações extremas de exposição indevida de personagens, que posteriormente se mostraram inocentes. O caso da Escola Base, no qual os donos foram sentenciados apressadamente pela população, e a triste interrupção precoce da gestão do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo são alguns exemplos de como a destruição de reputações pode ter consequências irreversíveis.

Apesar de ser possível hierarquizar os fatores que contribuíram para os desfechos trágicos dessas histórias (no caso de Cancellier, a decisão da justiça, proibindo-o de entrar na universidade, foi determinante para que ele interrompesse a sua vida) não se pode eximir a imprensa da parte de responsabilidade que lhe cabe. Na maior parte dos casos, sequer acontece a publicação de uma nota na seção “erramos”, ou uma reportagem detalhada que reverta, ou pelo menos amenize, o dano da pré-condenação injusta dos tribunais das redes sociais. A espetacularização do noticiário, alimentada por um jornalismo bartender, com foco no entretenimento e não na informação, é deletéria para a própria mídia e para as demais partes envolvidas.

A abordagem de temas que envolvem a reputação de pessoas deve ir além da enumeração objetiva de trechos de uma peça de acusação, que muitas vezes constrói narrativas com consequências desastrosas. Em outras palavras, como dizia uma famosa propaganda da própria Folha de S.Paulo dos anos 1980, “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade.”

Marcelo Takeshi Yamashita é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) no período de 2017 a 2021.