“O artista brasileiro precisa ser plural. Saber cantar, sapatear, pintar, fazer teatro e se preparar para as adversidades da estrada. É preciso ser múltiplo.” Reynaldo Bessa, o autor destas frases, sabe bem do que está falando. Desde seu primeiro álbum, gravado nos anos 1990, ele vem construindo uma trajetória diversificada, em que o músico divide espaço com o escritor, o poeta e o professor.
Natural de Mossoró, Rio Grande do Norte, Bessa mudou-se ainda criança com a família para o Ceará. Naquele estado, viveu seus anos de formação e experimentou os contatos mais importantes com a arte. As artes, aliás, permeiam sua vida desde a infância, impulsionada por seus relacionamentos com familiares.
“Sou potiguar, mas minha família mudou para Fortaleza quando era bem pequeno. Meu pai falava muito no irmão dele mais novo, o caçula, que tocava alguns instrumentos, tocava violão, cantava, compunha. Depois, o meu irmão mais velho foi a pessoa que mais me influenciou na música. Quando eu tinha cerca de sete anos, ele tinha uns 14 anos e já era apaixonado pelo movimento que acontecia na música cearense. Era aquele pessoal, Ednardo, Fagner… Eu ainda não entendia isso, e ele me arrastava para ver os shows de que já gostava muito”, diz. Só depois, por volta de 1986, ele criou uma conexão mais significativa com essa geração de músicos. “De lá para cá, recebi toda essa influência. Sempre gostei muito das letras do Belchior, e da musicalidade do Ednardo. Ele tem essa desenvoltura muito bacana com o violão, com os ritmos e tal. E isso foi se desenvolvendo. Aprendi violão e tive o meu primeiro contato com as composições. Fiz as minhas primeiras composições, comecei a mostrar para os amigos e aí pintou o lance da arte”, conta.
Com o passar do tempo, Bessa sentiu a necessidade de se deslocar para o eixo Rio – São Paulo, em busca de novas oportunidades artísticas e da profissionalização. “Era um período em que a gente sonhava em buscar o “eldorado”, e o eixo Rio – SP era o lugar para isso. A ideia inicial era gravar um disco. Naquele tempo, a gente tinha de sair da nossa região para poder gravar. Hoje isso não é mais preciso. Na verdade, até acontece uma rota inversa. Muita gente já pronta artisticamente vem para o Nordeste. O Nordeste tem essa riqueza cultural, uma região que proporciona muito aos seus músicos”, diz.
O primeiro disco, Outros Sóis, foi gravado em 1994, na capital paulista. “Era um período em que você tinha que correr atrás, ir na raça. Não tinha essa possibilidade dos editais que existem hoje, que ajudam muito os músicos. Banquei o disco do meu bolso. Na verdade, um CD com dez músicas, completamente independente, no estúdio de um amigo e com músicos amigos que já tocavam comigo no circuito paulistano. Eu adoro o disco. As pessoas adoram e até procuram na internet. Trata-se do meu lado mais raiz”. diz. Ela destaca o alcance de Uma Canção Bucólica, composição sua em homenagem às cidades de Visconde de Mauá e Maromba. “Eu chego lá em São Tomé, por exemplo, e estou tomando minha cervejinha, ouvindo música. Toca Alceu Valença, Zé Geraldo, Zé Ramalho, Fagner e de repente vem a minha canção. Isso toca o coração da gente. É um disco emblemático, foi minha estreia, o início de tudo”, diz Bessa.
De lá pra cá, já são oito álbuns gravados e dois singles com a assinatura Reynaldo Bessa. Entretanto, paralelamente, Bessa construiu também uma carreira literária de boa expressão, inclusive fora do Brasil.
Seu primeiro livro, “Outros Barulhos – Poemas”, lançado em 2008, conquistou o Prêmio Jabuti 2009 na categoria Poesia e iniciou uma nova etapa em sua atividade artística. Em 2011 foi editado seu livro de contos “Algarobas Urbanas” e na seqüência saiu um terceiro livro, o segundo de poesia, intitulado “Não tenho pena do poema”. Em 2013, lançou “Cisco no olho da memória – poemas”, que abocanhou uma menção honrosa no Prêmio Internacional de Literatura da União Brasileira dos Escritores em 2014. No mesmo ano, lançou seu romance de estréia, intitulado “Na última lona”.
A poesia de Bessa já foi traduzida para inglês, espanhol, francês e grego. Também atuou como jurado de grandes prêmios literários, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura. Em 2018, o autor lançou o quarto livro de poemas, “Do pássaro voando ao contrário”, e em 2021, saiu “A noite além de escura – contos”. Atualmente, Reynaldo Bessa também escreve para sites e jornais sobre literatura, música e poesia. Tem contos, crônicas, poemas publicados em revistas, jornais e suplementos literários pelo Brasil e exterior. Além disso, também atua como professor e curador de eventos culturais. “O artista brasileiro tem que ser plural. Algo que o artista americano já é, há muito tempo”, diz. E reflete sobre o que é a arte.
“ A arte tem o papel de reorganizar a realidade de seus apreciadores. Ela é para incomodar, inquietar e transformar o mundo. Senão, o mundo permanece numa caixinha. Os artistas têm essa função: fazer com que as pessoas tenham novas opiniões, movimentar, transfigurar, converter. Fazer com que as pessoas pensem em outras realidades, outras possibilidades”, diz. “Então, entre outras atividades, eu transito pelo universo da prosa, da poesia, faço música, curadoria de feiras literárias, dou aula… Vivemos a pós-modernidade, e a pós-modernidade é tudo ao mesmo tempo agora. Por que? Porque tudo acontece numa velocidade maior, numa intensidade maior. Então, posso dizer que sou um artista brasileiro que tem total consciência das dificuldades, mas acredito que é possível. Pois se o artista brasileiro não acreditar que é possível, nós estamos ferrados”, diz.
Em 2021, o artista potiguar gravou o álbum O futuro que me alcance, e colheu muitos elogios da crítica especializada. Este ano, sua jornada multifacetada já gerou dois novos trabalhos: o single Lira Espacial e o livro “Prato Frio”.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.