André Mehmari: do encantamento de uma família por um piano nasce uma carreira que já passou por 35 países

Transitando entre o popular e o erudito, pianista, compositor, arranjador e multiinstrumentista trabalhou com alguns dos principais artistas e grupos orquestrais do país, e é reconhecido como um dos talentos da música brasileira contemporânea.

Saudado como uma importante referência no cenário da música brasileira contemporânea, o pianista, arranjador, compositor e multiinstrumentista, André Mehmari, nasceu em Niterói, Rio de Janeiro em 22 de abril de 1977, mas cresceu no interior do Estado de São Paulo. Já a relação com as artes, a música e o próprio piano veio do berço. Ou mesmo de antes.

“O sonho da vida da minha mãe, Cacilda Mehmari, era ter um piano. Quando meu pai soube que ela estava grávida de mim, deu um de presente a ela. E, naturalmente, eu também me beneficiei desse presente. A música e o piano estão na minha vida desde sempre. Dizem que os bebês já escutam”, lembra Mehmari. Ele conta que a mãe não era profissional da música na época, mas dominava e tocava diversos instrumentos como acordeon e violão. “Ela adorava Elis Regina, e o repertório dela estava sempre presente nas nossas vidas. Nesse piano, minha mãe tocava Ernesto Nazareth, que é um compositor de piano brasileiro, e também sempre tocava Chopin. Ouvíamos música de diversas tradições em casa, desde o jazz de Duke Ellington até a música clássica de Vivaldi, Stravinsky. E também escutávamos nossa grande canção brasileira. Nem chamo de MPB, mas de canção brasileira, com artistas como Milton Nascimento, Ivan Lins e tantos outros”, diz.

Ele conta que nasceu em Niterói porque seu pai trabalhava numa siderúrgica no Estado do Rio de Janeiro. “Mas minha família é do interior paulista, e da capital. Vivi em Ribeirão Preto dos três meses até os 17 anos de idade”, diz. Com o decorrer do tempo e o desenvolvimento de sua expressão artística, André iniciou aulas de órgão eletrônico aos 8 anos, seguindo as orientações de sua família. Entretanto, o fato de ser dotado de ouvido absoluto e ter pendor para o autodidatismo, foi determinante para que o curso de sua vida musical corresse numa tônica de espontaneidade. “Ainda menino, tinha o órgão eletrônico como um instrumento secundário, paralelo ao piano, e já comecei a compor e fazer arranjos para músicos da cidade”, relata. Começou a fazer pequenas apresentações por volta dos 11 e 12 anos, tocando em festinhas, eventos sociais etc. Costuma dizer que a carreira começou ali. “Por volta dos 13 anos já tocava no único clube de jazz que existia em Ribeirão Preto. Ali, comecei a explorar um repertório que incluía de Tom Jobim até minhas próprias composições”, lembra.

Mehmari tornou-se conhecido pelo grande público ao vencer o primeiro Prêmio Visa de MPB em 1998. Posteriormente, participou como solista de importantes festivais de jazz, como o Chivas Jazz, o Heineken Concerts, o TIM Festival e o Spoleto Festival, e excursionou várias vezes por EUA, Europa e Ásia.

“Eu era um músico muito estudioso, mas só ficava no estúdio, ali junto das minhas partituras. Raramente me apresentava. O prêmio Visa acabou me conectando com um público que eu não sabia que tinha. Pela primeira vez, comecei a viajar e a me apresentar também fora de São Paulo. Lembro que peguei um avião pela primeira vez para gravar um disco em Salvador com o Tutty Moreno, Proveta e Rodolfo Stroeter. Tinha 20 para 21 anos de idade. Aquele palco do Teatro Cultura Artística, sem dúvida foi um divisor de águas na minha carreira”, diz.

Apontado como um dos mais originais músicos da cena brasileira, Mehmari criou um estilo peculiar que transita tanto pelo cenário erudito quanto pelo popular. Suas composições e arranjos foram executados por alguns dos mais expressivos grupos orquestrais, de jazz e de câmara, do Brasil. Entre eles, OSESP, Orquestra Sinfônica Brasileira, Banda Mantiqueira, Orquestra Experimental de Repertório, Sujeito a Guincho e Quinteto Villa-Lobos. Como instrumentista, atuou ao lado de nomes como Milton Nascimento, Sérgio Santos, Guinga, Mônica Salmaso, Toninho Horta, Flávio Venturini e Alaíde Costa, entre outros expoentes da MPB.

Dentre as muitas premiações que Mehmari recebeu, e trabalhos de expressão de que foi autor, pode-se destacar o prêmio Carlos Gomes de 2007 na categoria revelação, e a indicação para compositor residente para a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo; a autoria da música orquestral executada na abertura oficial dos Jogos Pan Americanos Rio 2007; a indicação do álbum Nonada ao Grammy latino em 2008; e a atuação como foi compositor residente da Miami Symphony, que fez a estreia mundial de seu Concerto para Dois Pianos e Orquestra, em 2015.

Mehmari ressalta que seu envolvimento com a composição e a música orquestral foi algo não planejado. “Não tenho um estudo formal de composição. Nunca fiz aula de composição nem de orquestração. Sou um músico autodidata, um compositor autodidata. Comecei a escrever muito novo. Tinha 23 anos quando escrevi para a banda Mantiqueira e a Osesp. A partir da experiência com os arranjos, as pessoas disseram ‘você tem estilo. Vamos pedir uma composição para você’ . E assim começaram a surgir as encomendas, que se sucedem na minha carreira há mais de 15, 20 anos. Estou sempre compondo algo novo”, diz.

André Mehmari já se apresentou em 35 países. Estados Unidos, Itália e Japão são os três onde construiu mais relações profissionais. Isso ocorreu de forma orgânica. “Lembro que nos Estados Unidos o agente que nos contratou tinha ouvido o disco Lachrimae, que gravei em 2003. Ele ficou apaixonado pelo disco e resolveu me levar para um festival do qual ele era o curador na Carolina do Sul. No Japão, a mesma coisa. Foi um mercado que conheci porque antes toquei lá com a Joyce Moreno, em 2005. Depois, retornei em 2011 fazendo uma turnê solo promovida por uma pessoa que se encantou com a música que eu postava no YouTube”, diz.

Reconhecido como um artista que transita muito bem entre o erudito e o popular, André diz que, em seu trabalho, não existe intenção de tangenciar alguma área musical específica. Apenas busca compor música. “Esse é um longo assunto. Porque, na verdade, existem ambientes distintos. Mas, na minha cabeça, música é música. Faço, penso e vivo a música desta maneira. Então, não me importa o que as pessoas achem ou queiram dizer, que tem que haver um muro. Quando faço música, naturalmente ela se equilibra e é aceita em determinados espaços, porque ela transita. Ela é uma música de trânsito, do encontro. Não é a música do muro ou da divisão. E isso faz parte da minha vida”, diz.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.

Foto acima: divulgação.