Em maio, as Forças de Manutenção da Paz da ONU cumpriram 75 anos de atividades. A data foi celebrada pelo secretário-geral António Guterres, que agradeceu o sacrifício dos profissionais que lutam pela manutenção da paz em áreas de conflito, e lamentou a morte de mais de 4200 vítimas que perderam a vida servindo sob a bandeira das Nações Unidas.
O discurso também destacou que o cenário atual em que operam os “capacetes azuis” é o mais perigoso desde a Segunda Guerra Mundial, citando como exemplo o enfrentamento a terroristas, grupos criminosos com acesso a armamentos tecnológicos e a crescente ameaça de armas digitais, que difundem desinformações que alimentam a violência contra as tropas.
Para a professora Kimberly Digolin, do curso de Relações Internacionais da Unesp e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Iaras-Gedes), o contexto em que se celebram os 75 anos das Forças é bastante distinto das primeiras missões empreendidas pela tropa multinacional da ONU ainda durante a Guerra Fria, o que tem estimulado o debate e a adoção de reformas na maneira como vêm atuando essas operações.
Durante a Guerra Fria, explica a professora, as operações envolviam basicamente situações de conflitos entre Estados, com declarações formais de guerra, em que a ONU se envolvia como uma espécie de terceira parte observadora de uma situação de cessar-fogo. “Essas operações de paz estavam bastante preocupadas com a imparcialidade da sua ação, com o consentimento das partes envolvidas em relação à presença da ONU ali, e a noção de que o emprego da violência por parte dessas forças de paz da ONU deveria ser mínimo, apenas nos casos em que os próprios integrantes das forças da ONU estivessem em perigo”, destaca Digolin.
Com o fim da Guerra Fria, ressalta, os conflitos internacionais ganham características distintas que se refletiram em uma crescente complexidade nos mandatos das operações de paz. “O momento pós-Guerra Fria acaba sendo bastante demarcado por conflitos intraestatais, dentro de alguns Estados – seja por um vácuo no poder que leva ao crescimento da rivalidade entre dois grupos nacionais em busca de ocupar esse espaço e que acabam criando uma situação de violência e instabilidade generalizada; ou mesmo situações em que o governo de um Estado se voltava contra uma parcela da própria população”, afirma a professora.
Diante desse cenário, destaca a docente Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Unesp, surge a necessidade de as missões irem além da mera replicação de um modelo de ação militares, e ganha força um processo de reforma da sua atuação. “Esse processo de reforma é bastante importante para nós compreendermos uma crescente complexidade nos mandatos das operações de paz, que passam a incluir questões de direitos humanos, acompanhamento de eleições, entre outros”, aponta Digolin. “Então ele demonstra de alguma forma uma preocupação maior com as diversas dimensões do conflito, mas, ao mesmo tempo, esse processo de reforma é alvo de diversas críticas no que se refere à profundidade dos debates e a implementação desses debates nas práticas das missões”, diz.
Ouça a íntegra da análise da professora Kimberly Digolin ao Podcast Unesp:
Na imagem acima: batalhão das forças da paz da ONU desfila em Paris, na França (Crédito: Wikimedia Commons)