Fabio Mazzitelli e Pablo Nogueira
No último 8 de junho, quinta-feira, foi comemorado no país o dia de Corpus Christi, uma data religiosa da Igreja Católica que tradicionalmente se tornou um feriado no Brasil. As procissões católicas que ocorrem em diversas cidades, em ruas forradas por tapetes de serragem e borras de café, passaram a ter a concorrência de um evento que, nos últimos anos, tem dividido o protagonismo religioso da data. Organizado fundamentalmente por igrejas neopentecostais, a Marcha para Jesus reuniu, em 2023, centenas de milhares de pessoas na capital paulista, com a presença de figuras públicas do primeiro escalão dos poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário.
O fenômeno do crescimento no Brasil do grupo religioso chamado genericamente de “evangélicos”, que reúne fiéis de igrejas protestantes, pentecostais e neopentecostais, tem levado estudiosos a elaborarem a hipótese de que o país está passando por uma “transição religiosa”, deixando de ser uma nação predominantemente católica para dar lugar a uma hegemonia evangélica, o que poderia se consumar nas próximas décadas.
Caso a hipótese de transição religiosa se confirme, não é possível nesse momento afirmar que tipo de país o Brasil se tornará. Essa é a avaliação do professor Edin Sued Abumanssur, graduado e pós-graduado em teologia e pesquisador especializado na temática do protestantismo e do pentecostalismo. “Se é que está acontecendo de fato esta transição, a gente não viu isso acontecendo em nenhum país em lugar nenhum do mundo. Então não dá para dizer o que é que vem por aí, não dá para gente entender ou fazer um prognóstico do que é que vem por aí porque a gente não tem experiência histórica para ajudar a gente a pensar”, afirmou ao podcast Prato do Dia Edin Sued Abumanssur, que coordena o programa de estudos pós-graduados em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Embora a alta histórica no número de evangélicos no Brasil seja evidente, o docente pondera que o pentecostalismo e o neopentecostalismo ainda pregam essencialmente para um espectro específico da sociedade brasileira, e carecem de um projeto abrangente para os problemas nacionais. Além disso, na hipótese de a transição religiosa estar em curso, o evangélico também teria de fazer inúmeras concessões para se tornar hegemônico.
“O que significa ser evangélico num país que tem uma tradição de cultura fundamentalmente católica? Quais são as concessões que os evangélicos terão de fazer para se tornarem hegemônicos? Como é que eles vão se relacionar com as outras formas de religião que a gente tem no Brasil? Como é que vão se relacionar com formas de comportamento que não estão muito afinadas com os interesses deles? Do campo da sexualidade, do campo étnico-racial, do campo de gênero, a questão ambiental…” pergunta o docente. “Eles vão aprender a dar respostas nacionais para problemas e demandas que estão por aí? Realmente, é difícil saber.”
No podcast, o pesquisador explica a diferença básica que separa os protestantes dos pentecostais, analisa as hipóteses históricas elaboradas para explicar o crescimento evangélico no Brasil e afirma que o governo Jair Bolsonaro, embora tenha feito acenos políticos até então inéditos a essa parcela da população, não pode ser classificado como “evangélico”. “Tanto o ministro terrivelmente evangélico quanto a ministra terrivelmente evangélica, acho que a ênfase é na palavra “terrivelmente” (…) É uma pena, porque as igrejas evangélicas têm que responder a essa marca que essas pessoas acabaram impondo à palavra ‘evangélico’, uma marca terrível”, disse o docente.
A íntegra da edição do Prato do Dia sobre crescimento do protestantismo e transição religiosa no Brasil está disponível na mídia abaixo e também pode ser ouvida diretamente na plataforma Podcast Unesp, bem como nos tocadores Google Podcasts, Spotify e Deezer. O Prato do Dia é uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp.