Dentro da música de Badi Assad cabem a brisa e o vendaval

Nascida numa família extremamente musical, ela construiu uma carreira internacional que já acumula mais de 20 trabalhos e diversas premiações.

“A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação”. A frase do escritor português, Eça de Queiroz, reflete a relevância de aspectos que formam nossa essência no universo e que nos inspiram para criar e viver. Nesse mote, encontramos determinados artistas que conseguem explicitar bem essa relação entre vida, natureza e arte em suas obras. Entre esses privilegiados está a violonista, cantora, compositora, percussionista e escritora Badi Assad.

Mariângela Assad Simão, ou Badi Assad, nasceu em 23 de dezembro de 1966, na cidade de São João da Boa Vista, SP. Em 1969, seu pai, seu Jorge, descendente de libaneses, e sua mãe, Dona Angelina – Ica para os filhos – , decidiram mudar-se com a família para o Rio de Janeiro, para proporcionar aos filhos, Sérgio e Odair Assad, a oportunidade de freqüentarem aulas de violão clássico a fim de que se encaminhassem para uma carreira musical. Em meados dos anos oitenta, quando já integravam o Duo Assad, seus irmãos ganharam notoriedade e projeção internacional. Inspirada pelo sucesso, Badi começou a participar de encontros musicais informais acompanhando seu pai, bandolinista amador. “Quando nasci, meus irmãos já tocavam. Música na minha casa era uma extensão da sala, onde eles estudavam. Meu pai era um super bandolinista amador e minha mãe, Dona Ica, sempre cantou. E hoje, aos 92 anos, ainda canta, e no mesmo tom (risos). Eu cresci num ambiente onde as artes eram não somente produzidas naturalmente, mas nossos pais moldaram as vidas deles para que a gente  pudesse se dedicar à música. Romântico não é mesmo? Utopia para muitos.”.

Aos 15 anos, dividiu o primeiro lugar como melhor violonista, ao lado de Fábio Zanon, no ‘Concurso Jovens Instrumentistas’, no Rio de Janeiro. Já aos 19 anos, ganhou o prêmio de melhor violonista Brasileira no ‘Concurso Internacional Villa-Lobos’, também no Rio. Posteriormente, Badi foi escolhida como a única violonista para representar o Brasil no ‘Concurso Internacional de Viña Del Mar’, no Chile.

“Eu fui influenciada por um universo muito rico, com diversas vertentes musicais. Foi assim que me moldei musicalmente. Tanto que quando comecei a fazer música na faculdade e depois iniciei minha carreira, misturei tudo de forma muito natural. Eu juntei o violão que aprendi com meus irmãos, a voz da Dona Ica, a percussão do meu irmão mais velho, Jorge, que tocava muito bem o pandeiro, e tantas outras coisas que ouvia. Essas memórias todas resultaram nesse balaio de gato que é Badi Assad.”

Desde o começo, artista internacional

Em 1989, gravou seu primeiro álbum, Dança dos Tons, lançado de forma independente somente no Brasil na época. Nesse mesmo período, Badi já realizava experimentações vocais, produzindo sons de percussão com a boca que, aliados a sua performance ao violão, diferenciavam suas gravações e despertaram o interesse do selo norte-americano Chesky Records. Em 1993 assinou contrato com a gravadora para a produção dos seus três álbuns seguintes.

“Desde o início, a minha carreira se direcionou para a internacionalização. Antes da gravação do primeiro álbum, eu tinha um duo com o qual tocava fora do país. O processo de assinar com uma gravadora norte-americana também foi consequência de contatos que apareceram pelo caminho. O fato de ter um trabalho peculiar e diferenciado com as sonoridades despertou o interesse deles (produtores americanos), que correram para fechar comigo antes que alguém me achasse por aqui. Assim, devido às minhas características artísticas que chamaram muito a atenção, eles aproveitaram e criaram esse nome pelo qual fiquei conhecida como a ‘one woman band’ [banda de uma mulher só]”.

Em 1994, a revista norte-americana Guitar Player, a escolheu entre os 100 melhores artistas do mundo e em 1996 a revista norte-americana Classical Guitar nomeou-a, junto com artistas como Charlie Hunter, Ben Harper e Tom Morello, um dos 10 jovens talentos que mais revolucionaram o uso das guitarras nos anos 90. A revista americana Guitar Player a apontou como melhor violonista daquele ano, e considerou seu CD Rhythms o melhor lançamento na categoria de violão acústico.

Durante as últimas décadas, ela esteve sob contrato com gravadoras como Verve (Universal) e eDGe Music (Deutsche Grammophon), e se apresentou em vários grandes shows internacionais incluindo colaborações inovadoras com Bobby McFerrin, Yo-Yo-Ma e David Broza, entre outros. Badi também se apresentou em alguns dos mais prestigiados festivais internacionais, incluindo North Sea Jazz (NE), Jarazum Jazz (KOR) e em teatros como L’Opera de Paris, o Palais de Beaux-Arts na Bélgica e o Metropolitan Museu de Arte de Nova York. Algumas de suas músicas chegaram ao Top 10 da Europa, e sua música Waves fez parte da trilha sonora do filme It Runs in the Family, com Michael e Kirk Douglas. Em 2004, com o lançamento do álbum Three Guitars, ela viajou pelo mundo ao lado das lendas da guitarra Larry Coryell e John Abercrombie.

Seu potencial artístico é tão amplo que, após o nascimento de sua filha Sofia, ela desenvolveu um excelente trabalho para um público infantil. Ela foi responsável pela trilha da peça teatral infantil ‘Convocadores de Estrelas’, do grupo Seres de Luz; emprestou sua voz para ‘Barulhinho Ruim’, música tema da personagem Bel, criada especialmente para a reestreia de Vila Sésamo, na TV Cultura (BR); e, ao lado de Naná Vasconcelos, compôs a trilha do documentário ‘Children of the Amazon’, da cineasta Denise Zmekhol. “Em 2007, após o nascimento da Sofia, mergulhei no maior processo criativo da minha vida. Em dois anos, eu compus quase duzentas músicas. Compunha quase diariamente: era música para acordar, dormir, trocar fralda, tomar banho… Música para tudo. Como saíram muitas músicas legais, e a Sofia gostava de ouvir, eu decidi gravar um disco infantil. E como fazer o crivo de tantas canções? Eu pensei que o mote seria um dia na vida de uma criança passando por todos os ambientes da casa. Desde o momento que acorda, passando pela hora do banho, até a hora de dormir. Assim, utilizei elementos de percussão relacionados ao ambiente e diversos sons de bichos que faço até hoje com a boca. Essas sonoridades ganharam destaques. Foi um período muito especial.”

Com mais de 30 anos de carreira, vinte álbuns gravados, DVD, inúmeras premiações e shows apresentados em quase cinqüenta países, Badi leva para o mundo sua raiz brasileira, mesclada com jazz, virtuosidade, percussão vocal, irreverência e diferentes sonoridades e a inspiração da natureza e do universo.

“Creio que a natureza está em tudo. Nós somos parte da natureza e dependemos dela para estar vivos. A música é intrínseca na natureza. Por exemplo, se passa um vento dentro num tronco oco de madeira na floresta vai gerar um apito que terá toda série harmônica. Então, a música é da natureza, não é uma invenção da gente. A minha arte não tem rótulo, ela abre muitas gavetas. Creio que posso dizer que a música de Badi Assadi traz a brisa e o vendaval. Me sinto como uma força da natureza.”

Escute a íntegra da entrevista de Badi Assad ao Podcast MPB abaixo.