Decisão do MEC de suspender cronograma de implementação do novo ensino médio é ruim, avalia docente da Unesp

Ministério atribuiu medida a problemas na execução da reforma e a falta de diálogo com alunos e professores. Para Iraíde Barreiro, especialista em políticas educacionais, decisão pode prejudicar alunos. Ela critica debate sobre possibilidade de abandono completo do novo sistema: “O sistema anterior já se mostrou ineficiente, não podemos retornar a ele”, diz.

O Ministério da Educação suspendeu por 60 dias a implementação do cronograma do novo ensino médio. A portaria foi publicada em 4 de abril no Diário Oficial da União. A suspensão ocorreu após a conclusão da consulta pública para analisar e reestruturar a política nacional. O cronograma, firmado em portaria no governo de Jair Bolsonaro, previa mudanças no Enem 2024. Porém, o processo da implantação [do novo ensino médio] foi atropelado e há uma reclamação muito forte dos setores coligados.

De acordo com o ministro da Educação, Camilo Santana, a justificativa é que com a consulta pública aberta é preciso analisar os problemas da reforma e, então, tomar uma decisão definitiva. O pronunciamento de Santana ocorreu após ele se encontrar com o presidente Lula. O ministro disse ter abordado outros temas na reunião, como programas de alfabetização e escola em tempo integral. “Avaliamos que houve erro na condução da execução da reforma. Não houve orientação, não houve formação de professores, nem adaptação para infraestrutura das escolas. Não se faz uma mudança no ensino de uma hora para outra. Faltou diálogo e eu como governador senti isso à época. Agora vamos manter o diálogo”, informou Santana.

A portaria prevê a implementação da reforma em todos os anos do ensino médio até 2024. As avaliações como Saeb e Enem também devem passar por alterações até o ano que vem.

Aprovado em 2017, o novo do ensino médio traz uma série de mudanças para a última etapa da educação básica. Pelo cronograma do MEC, as alterações devem ocorrer de forma escalonada. Entre as principais mudanças está o aumento da carga horária e a possibilidade de os alunos escolherem parte das disciplinas que querem cursar. Um dos objetivos é atrair o estudante do ensino médio, etapa considerada mais desafiadora e com os piores dados de evasão no Brasil. Pais e alunos ainda se perguntam sobre o que, de fato, vai mudar e se os estudantes continuarão aprendendo todos os conteúdos necessários no ensino médio.

O objetivo é tornar a última etapa da educação básica mais atrativa. O ensino médio concentra os piores índices de evasão e os alunos têm resultados mais baixos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Em 2019, o indicador avançou 4,2 pontos, mas, ainda assim, apenas dois estados alcançaram as metas previstas. Dados do IBGE de 2019 mostraram que 11,8% dos jovens entre 15 e 17 anos —cerca de 1,1 milhão— estavam fora da escola nessa faixa etária. Entre os 6 e 14 anos, a taxa de presença era de 99,3%.

Especialista em políticas educacionais, Iraíde Marques de Freitas Barreiro, docente da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus da Unesp em Assis, considera que a atualização do novo ensino médio é necessária, e que a suspensão do cronograma feita pelo MEC pode gerar problemas. “Acredito que a medida de suspender a implantação é extremamente negativa. Há necessidade de se fazer ajustes na política, mas que poderiam ocorrer com a política em curso. A suspensão da estruturação da Reforma do Ensino Médio está prevista para noventa dias para realização de uma consulta pública sobre o tema e mais trinta dias para o MEC elaborar um relatório. E no meu entender essas decisões tomadas no calor da hora são preocupantes, porque nem sempre expressam a realidade”.

Segundo a professora, na prática, ocorre muita coisa e muitas mudanças. “Em primeiro lugar, o barco da condução fica à deriva. Uma vez, que com a suspensão da política, as redes de ensino ficam desobrigadas de continuarem o processo de implementação. As aulas que estão sendo baseadas no Novo Médio e toda a educação e sua estrutura nas escolas não vão avançar nas mudanças. Há um processo de descompasso no aguardo do resultado das novas decisões a partir da suspensão”, sinaliza. “Avalio, portanto, que muitos prejuízos e perdas para o ensino, perdas de conteúdo, prejuízo na aprendizagem dos alunos, desmotivação. Será um período de muitas dificuldades. Os alunos serão os maiores prejudicados pelos desgovernos dessa política e dessa decisão. Além disso, isso implica também implica a suspensão das adequações do ENEM à reforma, que é a porta para educação superior”, acrescenta.

Quanto à possibilidade de uma reviravolta por completo na adoção do novo modelo, Iraíde espera que ela não ocorra. Ela torce por um novo cronograma para o desenvolvimento de ajustes à nova política. “Não podemos retornar ao modelo anterior que já se mostrou ineficiente. E não se substitui de um dia para o outro uma política para um sistema de ensino dessa envergadura, que é o ensino médio no Brasil, com esse número enorme de estudantes. Isso leva tempo. E o que farão os sistemas de ensino, as escolas nesse período de descaminhos da educação? É muito complicado.”

Ainda de acordo com a especialista da Unesp, a suspensão é uma decisão política que tenta proteger o governo federal de eventuais desgastes diante das reivindicações de estudantes, de professores e de críticos. Mas essas reivindicações poderiam ser atendidas com os ajustes sugeridos por essa demanda. É o caso da alteração dos percentuais para as disciplinas básicas e as questões relativas aos itinerários.

Até 2022, as escolas deveriam cumprir 2.400 horas nos três anos do ensino médio. Com a reforma, a carga horária vai para 3 mil horas. Destas, 1.800 devem ser destinadas à formação geral, que são os conteúdos obrigatórios para todos os alunos. Outras 1.200 horas são chamadas de “parte flexível”, em que os alunos estudam seus itinerários formativos.

Linguagens, Matemática, Ciências da natureza e Ciências humanas. O formato já é utilizado no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por exemplo. Essa parte é chamada de “comum” e deve corresponder a 60% da carga horária do aluno. Os outros 40% serão completados pela parte “flexível”, os chamados itinerários formativos. Neles, os alunos podem escolher quais caminhos querem aprofundar.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista ao Podcast Unesp.

Imagem acima: deposit photos