Otto: Original, intenso e guerreiro

Músico, compositor e cantor pernambucano finaliza novo trabalho e revê sua bem-sucedida carreira, marcada pela experimentação e pela busca da mistura de ritmos brasileiros e folclóricos com componentes eletrônicos.

“A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são.” A frase do poeta e escritor português Fernando Pessoa evidencia a importância do sentimento intrínseco de um artista na produção de suas obras, para que as mesmas possam surgir de forma natural. Com base nesse tipo de pensamento, o multiartista Otto vem construindo sua trajetória artística multifacetada.

Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira, conhecido apenas como Otto, nasceu e foi criado no agreste pernambucano. Filho de pai promotor e mãe professora, Otto se tornou uma das figuras importantes da música contemporânea no Brasil. Entretanto, as influências que formam seu caldeirão musical e se desdobram por outras artes remontam à tenra idade.

“Na minha casa havia livros e informações. Mas o berço nordestino é muito cultural e conta com o folclore. A música popular chega muito forte pelas ruas, bandas de pífanos e festas de padroeiros. De forma geral, o nordestino já nasce com uma criatividade e uma ebulição muito grandes. Talvez, devido às dificuldades dentro da sua vida, ele se apegue à música, à  arte, à alegria e à celebração. Então eu venho de um lugar povoado de arte”, relata.

Ele conta que ouvia Luiz Gonzaga e baião “desde a mamadeira”, e aponta como especial um evento ocorrido aos seis anos de idade, em 1974. “Eu morava na cidade de Flores, no sertão, e meus pais ganharam o disco Canta Canta Minha Gente, de Martinho da Vila. Eu me encantei pelo disco, pelas músicas, pela ilustração da capa feita pelo Elifas Andreato, pelos cantos de Umbanda e pela muita percussão que constam nessa obra. Eu pirei. Esse disco mudou minha vida. Como pode um disco mudar a vida de uma pessoa? Depois de conhecer esse álbum eu quis ir tocar pandeiro, tambor, conga e busquei as religiões afros, como o Candomblé e a Umbanda. Então minha relação com a percussão vem desse universo”, diz.

Em 1989 saiu de Pernambuco para passar dois anos na França. Lá, tocou percussão nas ruas, no metrô e na porta de bares em Paris. Chegou a morar com o trombonista Raul de Souza, que considera como um pai devido ao acolhimento e orientações que recebeu nesse período. “Essa vivência foi especial. Toquei com muita gente, músicos de diferentes países que estavam por lá. Tive o privilégio de morar com Raul de Souza, a quem sou muito grato. Fiz muitas coisas, até montei um time de futebol (risos).”

De volta ao Brasil, aportou no Rio de Janeiro e em seguida rumou para o Recife. Lá conheceu duas pontas de lança do movimento manguebeat: Chico Science e Fred Zero Quatro. Amigos que se tornariam parceiros artísticos. Após ser percussionista da primeira formação da Nação Zumbi e também do Mundo Livre S/A (com quem gravou os dois primeiros discos), Otto saiu dos fundos dos palcos para trazer o ousado ‘Samba pra Burro’ à tona. Foi seu primeiro álbum solo, gravado em meados dos anos 1990, e recebeu uma excelente repercussão junto a crítica e público.

“Eu sempre ocupei muito espaço. Precisava buscar meu trabalho, minha sonoridade, e tive a oportunidade de gravar meu primeiro álbum com o produtor Apollo Nove. Foi um processo de peito aberto. Eu não tinha banda e abri as portas para a entrada da música eletrônica nas minhas canções. Fiz isso por instinto, por acreditar no trabalho e nas novas possibilidades. Eu nunca fui um cara tradicional, seja na vida ou na arte. Respeito os tradicionalistas, mas eu sempre gostei de pensar de forma livre. Eu gosto de sentir a arte, sentir o que estou fazendo. Busco olhar as coisas de forma diferente, criar novos ângulos para construir novas pontes. Eu abri as possibilidades para o computador, as programações, mas com músicos tocando de forma orgânica. Desde aquela época até o meu trabalho mais recente, Canicule Sauvage, essas questões têm se mesclado muito bem”, diz.

Nesse caminhar, Otto absorveu correntes e criou seu estilo. Embalado pelo som de influências locais (não só do Recife, como de todo o Brasil), resgata ritmos brasileiros que funde com som eletrônico, casando raiz e modernidade.

Com sete álbuns solos de estúdio, um pela MTV e inúmeras participações em outros trabalhos, o som de Otto reverberou também fora do país, merecendo o reconhecimento até de integrantes do grupo britânico Oasis e sendo comercializado em lojas norte-americanas. Dentre as inúmeras parcerias que constituiu, destaca-se a apresentação ao lado de Tom Zé no Heineken Concerts, em São Paulo, em 1999.

Atualmente, trabalha no álbum mais recente Canicule Sauvage, onde reencontrou Apollo Nove. A sonoridade dessa nova obra foi baseada em cima de um primeiro trabalho de pré-produção conduzido pelo próprio Otto. Durante o confinamento causado pela pandemia de Covid-19 Ele compôs músicas em seu celular, com foco em temáticas relacionadas aos impactos ambientais e climáticos. O disco conta também com participações especiais de Tulipa Ruiz, Nina Miranda, Lavinia Alves, Ana Cañas e Lirinha.

Em 31 de março, Otto se apresenta no Sesc Belenzinho. Neste show, além de executar canções mais recentes, traz um repertório com seus principais hits com arranjos feitos pela excelente banda que irá acompanhá-lo no palco.

“Hoje, pensando em toda minha trajetória, posso dizer que sou um cara e um artista intenso, verdadeiro, original, honesto e guerreiro, que segue seu caminho pensando no futuro, em criar novas músicas, novos trabalhos. E que não pode dar bobeira”, conclui.

Confira abaixo a entrevista completa com Otto no Podcast MPB Unesp.

Imagem acima: Divulgação.