Em sua reta final, Censo Demográfico 2022 sofre com efeitos de boicote por parte do governo e de dificuldades de diálogo com a população

Disseminação de fake news prejudicou disposição de parte da sociedade em conversar com recenseadores. Governo federal reduziu pauta de dados coletados e recursos destinados à operação. Mesmo assim, graças ao esforço das áreas técnicas do IBGE, danos serão amenizados.

Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade de escrever sobre o Censo Demográfico para este mesmo jornal e, já naquela ocasião, manifestei minha preocupação com o que identifiquei como um boicote ao censo demográfico, e ao próprio IBGE, pelo governo Bolsonaro.

Agora, ao final de 2022, volto ao tema e, infelizmente, com aquele então prognóstico se confirmando.

Vamos relembrar a importância e complexidade do Censo Demográfico no Brasil, avaliar o que está ocorrendo e quais são os atores responsáveis pela dificuldade em realizar essa tarefa.

De início, faz-se necessário compreender que nosso censo demográfico não é uma simples contagem populacional. Informações importantes sobre a composição sócio-ocupacional e demográfica das famílias, condições do domicílio e seu entorno, dentre outras frentes de consulta, possibilitam um retrato quantitativo e qualitativo de nossa população. Isso é feito com procedimentos de grande precisão, técnica, científica e operacional.

Esse é, em minha opinião, o principal motivo do boicote ao censo: sua capacidade de produzir dados e informações de grande acuidade e respeitabilidade nos meios acadêmicos, científicos e junto a sociedade de modo geral. Os resultados devem confirmar, ainda que com todas as limitações impostas, o que levantamentos preliminares e dados secundários já vêm mostrando: aumento da pobreza e da desigualdade como principais mazelas e herança maldita do período bolsonarista.

Sabedor desse prognóstico, o governo cessante, em primeiro lugar, tentou reduzir ao máximo os dados que compõem uma análise mais alargada que vai além das informações demográficas elementares que compõem a contagem da população. Esse movimento começou ainda em 2019.

O segundo movimento, posterior, foi o de diminuir os recursos destinados ao censo, limitando a possibilidade de ação e logística do IBGE para sua execução. Parte dessa segunda ação foi justificada em razão de despesas extraordinárias necessárias ao enfrentamento da pandemia. Não é preciso ir muito longe para saber que tais recursos ou não foram aplicados, ou foram subutilizados, quando não, desviados.

A própria pandemia, na sequência, impôs, de fato, limitações sanitárias à execução do censo, ainda que não possamos distinguir, com clareza, o que foi observância de normas de saúde e o que foi leniência, especialmente quando lembramos que o próprio governo federal desestimulou a observância de tudo que envolvia, pelo menos, o bom senso na condução da emergência de saúde.

Houve, de todo modo, um “apagão” programado, que, felizmente, não será total, nem tão efetivo, graças aos esforços de todas as áreas técnicas do IBGE.

O terceiro movimento teve um caráter e uma ação ideológicas mais evidentes.

Tratou-se de, combinadamente, associar a resposta ao censo pelos eventuais entrevistados a posterior divulgação de informações confidenciais das famílias e seu uso indevido pelo Estado para questionamentos de direitos, como o de propriedade. Uma avalanche de fake news começou a ser disseminada, dissimulando os reais objetivos do censo e levando a população a um esquecimento do que ele fora em outras ocasiões.

A crescente violência simbólica, quando não de fato, e hostilização aos recenseadores advém desse movimento ideológico.

Não são poucos os recenseadores que relataram tais casos e muitos desistiram da função, ao que não serviu de estímulo os atrasos em seus pagamentos em razão de sabotagens externas ao próprio IBGE, mas oriundas do atual governo.

Resta-nos, agora, identificar os atores por tais atos de desacreditação.

Arthur Whitacker é professor do Departamento de Geografia e coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, câmpus de Presidente Prudente.

Os artigos de opinião assinados não refletem necessariamente o ponto de vista da instituição.

Imagem acima: recenseador do IBGE entrevista moradora da comunidade quilombola Pedra Bonita. Tânia Rego/Agência Brasil.