Comunidade acadêmica se mobiliza contra anúncio da CAPES de que não há previsão para o pagamento de 200 mil bolsas. Universidades paulistas analisam medidas para apoiar bolsistas

Além de manifestações de repúdio, atos de protesto estão sendo organizados. Unesp vai oferecer auxílio alimentação a quem teve bolsa CAPES suspensa.

O anúncio feito nesta terça-feira (6) pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) de que não há recursos para pagar as mais de 200 mil bolsas que são mantidas hoje pela instituição, causou surpresa na academia brasileira. A resposta veio na forma de uma avalanche de manifestações de crítica e de repúdio por parte de bolsistas, alunos, professores, pesquisadores e instituições. Segundo a CAPES,  devido à edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que congelou os recursos financeiros do Ministério da Educação, além do pagamento das bolsas, até a manutenção administrativa da entidade foi prejudicada.

A Unesp posicionou-se sobre o anúncio da CAPES ainda na própria terça-feira, em conjunto com as demais universidades estaduais paulistas. Nota assinada pelos pró-reitores de pós-graduação das três instituições, Rachel Meneguello (Unicamp), Maria Valnice Boldrin (Unesp) e Márcio Silva Filho (USP) manifesta “preocupação com contingenciamento imposto pelo Ministério da Economia”, e que a medida é “mais um exemplo que traduz a insustentável situação em que se encontra a educação brasileira, suas condições de financiamento e suas bases de desenvolvimento”. 

Ontem, as três universidades divulgaram uma segunda nota, desta vez assinada pelos pró-reitores de graduação, Aluisio Augusto Cotrim Segurado (USP), Celia Maria Giacheti (Unesp) e Ivan Felizardo Contrera Toro (Unicamp). Além de externar o sentimento de  preocupação com a medida, o texto detalha os prejuízos que serão ocasionados diretamente sobre “a atuação dos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e do Programa de Residência Pedagógica (RP)”. “Ambos os programas são reconhecidos nacionalmente por elevarem a qualidade da formação de professores nos cursos de graduação em licenciatura, inserindo-os no cotidiano de escolas da rede pública e proporcionando oportunidades de participação em experiências metodológicas e práticas docentes de caráter inovador.” “A não reversão de tal quadro gerará impactos indeléveis tanto nos índices de evasão dos cursos de graduação em licenciatura quanto na qualidade da formação dos futuros professores de nosso país”, conclui a nota.

Após o anúncio da CAPES, sobre a impossibilidade de pagar as bolsas, a Pró-reitoria de Pós-Graduação da Unesp (PROPG) iniciou um levantamento do número de bolsistas CAPES em todos os Programas de Pós-Graduação da Unesp. Ao todo, a universidade tem 1.895 bolsistas de doutorado, 1.294 bolsistas de mestrado e 76 bolsistas de pós-doutorado. Mensalmente, a CAPES destina R$ 6.322.500,00 para a Unesp, para o pagamento de bolsas.

Segundo Dulce Helena Siqueira Silva, assessora da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG), desde ontem (7) a universidade está em tratativas com a USP e a Unicamp para definir formas de apoio viáveis a serem oferecidas aos bolsistas. No caso da Unesp, Silva informou que será fornecida um auxílio alimentação de R$ 500,00 para todos que tiveram sua bolsa CAPES suspensa.

Manifestações e reações

Em seu twitter, Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe e integrante do Grupo Técnico em ciência, tecnologia e inovação, da Equipe de Transição, lamentou:

“É triste a situação que passa a ciência no nosso país. Os pesquisadores que dependem de bolsas da CAPES, trabalhando em regime de dedicação exclusiva, não terão recursos para pagar suas contas. O próximo governo terá um cuidado especial com essa questão; é mais que necessário!”

Em nota, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) repudiou o acontecimento, reconhecendo o ato como um ataque à capacidade de atuação das universidades e institutos de pesquisa. “É importante lembrar que bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado tem como condição dedicação exclusiva, dessa forma seu não pagamento coloca uma geração de novos pesquisadores, que dependem da bolsa, em situação de vulnerabilidade econômica. Também tem sido alvo de preocupação a situação de bolsistas realizando pesquisas e estágios no exterior e que dependem da bolsa para manter sua estadia”, aponta o texto.

“O descaso com áreas estratégicas, como a Ciência, Tecnologia e Inovação, característico do governo que se encerra, vem solapando a cada dia a formação de recursos humanos capacitados no país. Recursos para educação e ciência são investimentos para o progresso e soberania da nação e não apenas meros gastos sem propósito” afirma em nota, o FOPROP.

Entidades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outras também publicaram uma carta conjunta na qual reiteram os impactos negativos do contingenciamento de recursos para a manutenção e desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação no país. Além das bolsas de pós-graduação, 14 mil bolsas de residência médica não foram pagas. Estas bolsas são voltadas para jovens médicos que realizam estágios em centenas de unidades hospitalares distribuídas em todo território nacional.

A professora Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química da Unesp, campus Araraquara, destaca a falta de interesse dos últimos governos federais em investir em educação, ciência e tecnologia. Investimentos, como ela aponta, de longo prazo. “Se você tem uma diminuição nas verbas que são destinadas à bolsa, que já é um valor mensal baixo, você tem uma paralisia enorme dos laboratórios. Isso porque, no mundo inteiro, quem toca pesquisa, aprendendo, mas também produzindo, são os doutores e os pós-docs”, afirma a professora, que também é membro da coordenação do projeto BIOTA-Fapesp.

Bolzani também lembra que, desde 2013, as bolsas de pós-graduação da CAPES e do CNPq não recebem reajuste, o que impede que os estudantes mantenham a dedicação exclusiva à pesquisa, sem a necessidade de buscar um emprego informal. O aumento da inflação ao longo dos anos, associado à estagnação do valor das bolsas, acaba por afastar estudantes da academia, por impossibilidade de se sustentar. “Se você tem um aluno que precisa trabalhar durante a pós-graduação, ou ele vai trabalhar de noite, ou ele vai diminuir o rendimento dele no laboratório. Uma bolsa digna vai fazer o estudante se interessar e trabalhar muito mais” completa a professora.

Associações estudantis organizam protestos em todo Brasil

Organizações estudantis também estão em movimento para articular protestos, exigindo o pagamento das bolsas. A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), convocou uma paralisação dos estudantes brasileiros para esta sexta (8). “O cenário é bastante claro, se trata de um projeto de destruição da pós-graduação e da ciência e tecnologia brasileira, do fomento público e de qualidade irrestrita”, afirmou a ANPG na nota de convocação por mobilizações.

Desde a publicação da nota até o momento, já foram convocados atos e plenárias em 13 estados brasileiros (AM, BA, CE, GO, MG, MS, PA, PE, PI, PR, RJ, RS, SP), no Distrito Federal a ANPG organizou um ato para a tarde de hoje (8) em frente ao MEC, com o objetivo de pressionar o repasse financeiro para as universidades e para a CAPES. Já na capital paulista, a Associação Central de Pós-Graduação da USP conquistou bandejão gratuito para todos os pós-graduandos da universidade, a medida teve início na tarde de ontem (7). Também está marcado um ato para hoje (8) no vão do MASP, sob o lema #pagueminhabolsa, graduandos, pós-graduandos e apoiadores de todas as universidades foram convocados pelas APGs locais e ANPG para se manifestar. 

Em plenária organizada pela APG-USP, Vinícius Soares, presidente da ANPG, chamou a atenção: “As bolsas de estudo são nossos principais mecanismos de subsistência e a gente precisa se alimentar, a gente precisa de transporte. Nós [a ANPG] já sabemos de diversos estudantes que estão tendo que voltar para suas casas, especialmente no interior dos estados, porque não estão conseguindo se manter. É essa nossa preocupação, garantir a subsistência dos nossos jovens pesquisadores que hoje estão em vulnerabilidade social”.

Em seguida, Amanda Harumy, Diretora de Relações Internacionais da ANPG, destacou que este momento representa a maior crise na história da Ciência e Tecnologia brasileira e  lembrou da realidade de pessoas que estão fora do país e dependem da bolsa para sobreviver. “Nós temos que pautar a defesa da Ciência e Tecnologia e pedir por ações urgentes. O Congresso Nacional tem que pressionar que o depósito das bolsas seja feito, porque isso é questão de subsistência. Imagina como é a situação para quem está no doutorado sanduíche? Imagina quem está pagando suas contas em libras, em dólares ou euros e sem apoio familiar? “, aponta.

Outras organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) também aderiram ao movimento da ANPG. Em conjunto, as entidades lançaram um abaixo assinado no qual é exigida a devolução do dinheiro para a educação.

A professora Bolzani reitera a importância de os acadêmicos se posicionarem em apoio aos movimentos estudantis, uma vez que a manutenção das pesquisas em diferentes laboratórios depende do trabalho de estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Se você é de um laboratório, você tem uma responsabilidade enorme. Então, a sua responsabilidade também está nos alunos que estão bem, e um aluno que não tem o mínimo para sobreviver não pode estar bem”, afirma a professora.

A comunidade unespiana de pós-graduandos tem um tamanho expressivo: atualmente a universidade conta com 139 Programas de Pós-Graduação, sendo 125 cursos de mestrado acadêmico, 22 cursos de mestrado profissional e 112 cursos de doutorado, além de possuir mais de 14.000 alunos de mestrado e doutorado regularmente matriculados.

A PROPG ainda está levantando o número de bolsistas da Unesp que estão no exterior. Segundo Dulce Silva, um elemento que gera alguma segurança é o fato de que estudantes fora do Brasil recebem a bolsa adiantada. Mas reitera que isso não é motivo para abaixar a guarda. “A gente teve uma tranquilidade parcial porque o pagamento desses bolsistas é feito com um mês de antecedência. Então, para o mês de dezembro, até certo ponto eles estão com suporte. Mas, obviamente, se não for feito o pagamento no mês de dezembro, em janeiro eles terão problemas. Estamos levantando o número de bolsistas da Unesp no exterior para tomarmos as providências cabíveis em termos de suporte para eles”, informa a assessora.

Dulce Silva também informou que, até o momento, a Unesp não planeja endossar os movimentos de protesto organizados por estudantes, principalmente por conta da emergência para encontrar meios de apoio aos afetados pela falta de pagamento das bolsas. Porém, ela acredita que a pressão vinda tanto das universidades como de outros setores da sociedade acabe surtindo efeito no sentido de uma recomposição do orçamento da CAPES. “Temos essa expectativa, mas é lógico que estamos atentos ao que está acontecendo. Se isso não se concretizar, teremos estratégias de apoio para os bolsistas”, finaliza.

Imagem acima: a sede da CAPES. Crédito: