Erasmo Carlos: um gigante gentil de múltiplas facetas musicais

Carreira do cantor e compositor carioca falecido recentemente foi muito além da Jovem Guarda e o projetou como ícone da música brasileira.

A música brasileira enfrenta, nesta reta final de 2022, um cenário de luto, e o desaparecimento de tantos relevantes tem deixado os dias mais cinzas. O mais recente gigante a se despedir foi o cantor e compositor carioca Erasmo Carlos.

Aos 81 anos, Erasmo Carlos morreu em 22 de novembro no Rio de Janeiro. Considerado um dos pioneiros do rock nacional e símbolo da Jovem Guarda, o artista estava internado no Hospital Barra D’Or, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Erasmo deixou a esposa, Fernanda Passos, e dois filhos, Gil e Leonardo. O terceiro de seus filhos, Carlos Alexandre, morreu em acidente de moto em 2014. As cerimônias fúnebres de despedidas foram restritas a familiares e amigos.

Durante o mês de outubro, Erasmo enfrentou uma síndrome edemigênica, que causa o acúmulo de líquido nos tecidos do corpo e pode provocar edemas e inchaços. A síndrome é consequência de problemas em órgãos como fígado, rins e coração. No início de novembro, ele teve alta, mas em seguida o estado de saúde se agravou. O músico retornou para o hospital e precisou ser intubado, e não resistiu.

Conhecido também pelos apelidos de Tremendão e Gigante Gentil, Erasmo Esteves nasceu no bairro da Tijuca – RJ, em 5 de junho de 1941. Na infância teve contato com outros garotos que também se tornaram grandes nomes da MPB, como Tim Maia e Jorge Ben Jor. Na adolescência, gostava de frequentar o Bar do Divino, na Rua do Matoso. Foi nessa fase que conheceu outro rapaz que viria a se tornar seu grande parceiro musical, o igualmente mítico Roberto Carlos. Erasmo iniciou sua carreira com passagens por outros grupos musicais, como os Snakes. Sem acreditar que poderia construir um caminho musical sozinho, decidiu então trabalhar como assistente do apresentador e produtor Carlos Imperial. Esse contato lhe possibilitou dar passos importantes na carreira artística. Mais tarde, Erasmo passou a atuar como vocalista do grupo Renato & Seus Blue Caps.

Ainda nos anos 1960, os nomes de Roberto e Erasmo já despontavam como os principais compositores da Jovem Guarda, embalados ao som do iê-iê-iê. Sob influência explícita dos  Beatles, o carioca se mudou para São Paulo. Com o desenvolvimento da sua carreira e as gravações dos álbuns, sua figura aos poucos passou a ser considerada como um ícone da música brasileira.

Cinco dias antes do seu falecimento, o artista foi um dos premiados do Grammy Latino 2022. Erasmo venceu a categoria ‘Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa’ da premiação com o álbum “O futuro pertence à…Jovem Guarda”, coroando em definitivo sua bela trajetória artística e de vida. Em seus mais de sessenta anos de carreira artística, ele compôs mais de 500 canções com seu parceiro Roberto Carlos e se apresentou com inúmeros nomes importantes da cultura brasileira como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Adriana Calcanhoto, Marisa Monte, Arnaldo Antunes…A lista é extensa.

De acordo com o historiador, doutorando e pesquisador do Grupo de Estudos Culturais da Unesp em Franca, Thiago Vieira, a relevância cultural e musical de Erasmo Carlos é tão emblemática que vai bem além da música. “Quando a gente pensa na figura do Erasmo, lembramos não apenas de um dos principais rostos da Jovem Guarda, mas da música brasileira. Ele está muito presente na memória afetiva e musical das pessoas. A historiografia mostra que o movimento da Jovem Guarda foi importante para impulsionar a indústria fonográfica e criar novas tendências no país, independentemente de algumas questões que permearam o movimento”, diz. Ter isso em mente é fundamental, para analisar a trajetória que ele construiu. “Tudo isso gera mesmo uma comoção, pois é uma grande perda para música popular”, diz o pesquisador da Unesp.

Ao analisar a contribuição de Erasmo para o rock brasileiro, Vieira destaca a atenção do artista para as nuances e os elementos característicos do gênero que ele manteve durante sua trajetória. “Sem dúvida o Erasmo tem uma identificação com o rock. Mas não um rock ligado à contracultura. Talvez essa relação tenha mais a ver com o rock and roll dançante da década de cinquenta. De qualquer forma, ele ajudou a trazer a guitarra elétrica para o universo da MPB durante os anos sessenta, o que gerou um debate emblemático dentro do cenário musical. Ele se filiou a essa postura de cantor de rock e conforme sua música amadurecia, foi agregando outros elementos e linguagens a seu trabalho. Essa presença incisiva do rock tem a ver também com a própria herança dos tropicalistas. Mas, ainda que o Erasmo não tenha sido exatamente um tropicalista, sua obra, principalmente na década de setenta, tem a ver com esse movimento”, explica.

Thiago Vieira define Erasmo como um artista plural que dialogou com várias características e tendências. “Sem dúvida, seu principal parceiro foi o Roberto. Entretanto, é perceptível que o Erasmo foi muito honesto e genuíno com seu trabalho. Não era algo apenas produto de mercado, mas ele percebia as tendências dos movimentos artísticos e da indústria da música. Nesse sentido, foi se adaptando e buscando referências em diferentes sonoridades, até na soul music. Com o passar do tempo, suas letras se tornaram mais elaboradas. Foi um artista múltiplo, que abria espaço para a experimentação, mas transitava igualmente pela esfera romântica. Tinha grande capacidade de reinvenção, basta ver sua obra nos anos oitenta e sua relação com o pop. Foi um artista de múltiplas possibilidades musicais”.

O historiador também destaca a influência que o músico exerceu sobre inúmeros artistas. “Podemos perceber seu legado durante a carreira. Passando pela Jovem Guarda, depois sua parceria com Roberto, a influência e as parcerias envolvendo artistas como Chico, Caetano, Nara Leão… E recentemente gravando com artistas mais contemporâneos como Arnaldo Antunes, por exemplo. É um artista multifacetado. Buscou lidar com as novas tendências e gerações, não apenas por questões pontuais. Ele procurava vivenciar o momento em que estava produzindo. Embalou o mercado, vendeu milhares de discos e eternizou seu nome na música brasileira”, conclui.

Confira a entrevista completa para o programa MPB Unesp no link abaixo.