Os norte-americanos foram às urnas nesta terça, 8/11, para votar nas chamadas eleições de meio de mandato, cujo resultado vai influenciar diretamente os próximos dois anos de gestão do presidente Joe Biden. Conhecidas como “midterms”, essas eleições sempre coincidem com fim do segundo ano de mandato do Presidente da República do país e renovam totalmente a Câmara dos Deputados (435 cadeiras), um terço do Senado (30 vagas) e diversos governos estaduais.
Após o fechamento das urnas, o processo de apuração leva alguns dias. E o expressivo número de disputas acirradas em alguns estados deve contribuir para que transcorra algum tempo até que se conheçam os resultados finais. O estado americano da Geórgia, por exemplo, terá um segundo turno em dezembro para escolher um senador, já que nenhum dos candidatos atingiu a barreira dos 50% de votos, de acordo com os canais de televisão americanos CNN e NBC.
As pesquisas mostram que o Partido Democrata, que hoje controla a Câmara e o Senado, deve certamente perder o controle da primeira, e talvez também o do segundo. Esse cenário dificultaria as negociações para que o presidente aprove seus projetos, especialmente no caso da perder do controle de ambas as casas legislativas.
Como previsto, a primeira noite de apuração dos resultados, na própria terça, trouxe boas notícias para os Republicanos. Porém, a expectativa de que haveria um tsunami de votos, capaz de levá-los à vitória em dezenas de disputas, aparentemente não se concretizou. Apesar desta decepção relativa para os Republicanos, e o quadro de indecisão no Senado, os índices já mudaram a paisagem política americana pelos próximos dois anos.
Em discurso realizado nesta quarta-feira, 9/11, o presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, declarou que “a onda vermelha gigante” que estava prevista, na forma de uma vitória massiva de políticos do partido Republicano, não aconteceu. Biden disse lamentar qualquer perda de cadeira legislativa pelo seu partido, mas ressaltou que foi o melhor resultado obtido pelos Democratas na Câmara, em uma eleição de meio de mandato de um presidente democrata, nos últimos 40 anos.
Neusa Maria Pereira Bojikian, especialista em política econômica e internacional dos EUA, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas ligado ao IPPRI – Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp e Pesquisadora e Integrante Coordenação do INCT-INEU, explica que essas eleições trazem três pontos centrais para o futuro político dos EUA.
“Primeiro, vale sinalizar que, dentro dessa votação, há também temas nas cédulas relacionados à sociedade como direito reprodutivo, legalização da maconha para uso recreativo, direito de voto, obrigatoriedade de sindicalização, condições de trabalho de presidiários entre outros”, diz. Ela lembra que a apuração de votos nos EUA é lenta, “mas tudo indica que os republicanos assegurarão maioria na Câmara – maioria com margem estreita”. No Senado, o resultado depende da disputa no estado da Geórgia, a ser decidida no segundo turno numa disputa entre o democrata Raphael Warnock e o republicano Herschel Walker, ex-jogador da NFL. “A imprensa também está destacando a reeleição do governador da Flórida, Ron DeSantis – provável candidato republicano à presidência em 2024″, diz.
De acordo com a pesquisadora, o segundo ponto a ser analisado é o impacto dos resultados das urnas sobre a governabilidade de Biden. O cenário que se configura deve incluir o deputado republicano Kevin McCarthy como próximo presidente da Câmara, no lugar de Nancy Pelosi. “Ele já sinalizou que não vai dar sossego aos Democratas”, diz a docente. E, entre os eleitos pelo partido Republicano, estão candidatos negacionistas de extrema direita, aliados do ex-presidente Trump.
Num tal contexto, as dificuldades para a continuação do governo Biden devem girar em torno do comprometimento do avanço dos temas que compõem sua agenda legislativa nos próximos dois anos. Essa agenda inclui política ambiental, política de saúde, programas sociais, política educacional, direitos de minorias e direito ao voto. Mas esse arranjo não implicaria necessariamente um domínio avassalador dos Republicanos, nem garantia de que se aprovarão leis em torno dos assuntos que interessam ao partido, que incluem imigração, segurança, política energética (petróleo). “Ou seja, nos próximos dois anos, o que se prevê é um Congresso travado”, diz a docente.
Já a terceira questão versa sobre as divergências do apoio financeiro prestado à Ucrânia e perspectivas econômicas dentro e fora dos EUA.
“A agenda de política externa de Biden para a guerra na Ucrânia poderá ser afetada à medida que as divergências republicanas sobre o apoio financeiro à Ucrânia aumentem com os Republicanos em maioria na Câmara”, diz. “Quanto às perspectivas econômicas, vimos que o mercado de ações nos EUA reagiu negativamente aos resultados das eleições. Normalmente, um governo dividido é visto como positivo para os mercados de ações dos EUA: um impasse entre o Congresso e a Casa Branca leva a menor probabilidade de aprovação de novas regulações ou de aumentos de impostos. As quedas nas bolsas refletem em parte o fato de que os mercados precificaram preventivamente uma vitória republicana mais convincente. Como isso não ocorreu, o otimismo exagerado do mercado teve que se reajustar. Agora o mercado vai olhar para as questões de inflação, Banco Central dos EUA e para os lucros corporativos. O governo Biden terá dificuldades de qualquer jeito para aprovar os orçamentos diante da inflação em alta, dos impactos econômicos da guerra na Ucrânia e da pandemia que ainda persiste.”
Confira abaixo a entrevista no Podcast com a especialista em relações internacionais.