Especialistas em educação analisam programas de candidatos a governador de São Paulo

Propostas incluem adotar indicadores educacionais como critério para transferir recursos oriundos de ICMS a municípios e inscrição do repasse de verbas a faculdades públicas estaduais na constituição do estado. Para estudiosos, candidatos acertam ao buscar caminhos para repor perdas educacionais causadas pela pandemia .

Que o Brasil precisa repensar sua política educacional para os próximos anos, tanto para encontrar meios para reverter os atrasos na aprendizagem ocasionados por mais de dois anos de epidemia de covid-19 como para manter viva a aspiração de se projetar como uma nação desenvolvida ainda no século 21, é ponto pacífico. Infelizmente, o tema tem recebido pouca atenção nos debates, entrevistas e sabatinas feitas de agosto para cá, durante as campanhas para presidente da República e governador – ou, até mesmo, sido ignorado.

A pedido do Jornal da Unesp, três especialistas do campo analisaram as propostas apresentadas nos planos de governo dos dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições para governador do estado de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT). São eles os professores João Cardoso Palma Filho, vinculado ao Instituto de Artes da Unesp, câmpus de São Paulo; Márcia Lopes Reis, do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Unesp, câmpus de Bauru, e Carlota Boto, atual diretora da Faculdade de Educação da USP.

Apresentação editada e resumida para fins de clareza. Para acessar as propostas na íntegra clique aqui

Professor do Instituto de Artes do câmpus de São Paulo, João Cardoso Palma Filho  foi membro titular do Conselho Estadual de Educação até 2016. Ele reconhece que os programas de governo muitas vezes trazem propostas genéricas, porque os candidatos não sabem o que vão encontrar exatamente ao assumir. Ele considera que as propostas apresentadas no plano de Haddad são escritas de forma mais precisa, “talvez pelo fato de Haddad ter sido ministro da Educação. Tarcísio vem de outra área”, diz.

No campo das propostas ele enxerga no programa do candidato do partido Republicanos “continuidade ao que está sendo feito hoje no estado” no campo da educação para ensino fundamental e médio. O ensino superior não é diretamente mencionado. “Haddad fala que vai constitucionalizar os repasses de verbas para as universidades públicas do estado, o que é importante”, diz. Em comum, ambos defendem a expansão do ensino integral. Palma diz que essa iniciativa pode resultar na exclusão de perfis de alunos da escola, como aqueles que estudam e trabalham. “O candidato Haddad ressalta que é preciso analisar a forma como a expansão do ensino integral tem sido feita”, diz.

Em sua  proposta de educação integral, o candidato Tarcísio fala sobre o programa Forças no Esporte (PROFESP), iniciativa do governo federal que utiliza a parceria com as Forças Armadas para promover inclusão social dos estudantes por meio da prática esportiva. “Isso me parece um passo na direção da militarização das escolas”, diz Palma. Ele também vê problemas na proposta do candidato do Republicanos de adotar indicadores educacionais como um dos critérios para a distribuição de recursos de ICMS entre municípios. “Isso significa que a escola que não tiver bons índices vai receber menos verba que aquelas com bons índices. Ou seja, a escola que já está ruim, com menos recursos, vai ficar ainda pior. É preciso investir nas escolas que apresentam problemas de aprendizado, com um plano para requalificar os professores. O baixo rendimento de uma escola não é culpa do aluno, tem a ver com as condições em que essa escola está funcionando”, diz. Ele também é cético quanto à meta de criar vagas para zerar totalmente a demanda de creches. “Atualmente as vagas disponíveis não cobrem nem 50% da demanda”, diz.

Para ele, o ideal é que o próximo governador eleito busque projeto para educação que articule os municípios e o estado. “O governo estadual tem obrigação constitucional de oferecer assistência técnica para os municípios que estão em dificuldade para cumprir seus programas, oferecendo formação adequada para a qualificação dos professores”, lembra.

Apresentação editada e resumida para fins de clareza. Para ler as propostas na íntegra clique aqui

A diretora da Faculdade de Educação da Usp, Carlota Boto, ressalta o fato de que os dois planos manifestam preocupação com a recuperação das perdas educacionais que se deram no período da pandemia. “Isso é positivo. De fato houve perdas e me parece fundamental que haja medidas concretas no sentido de revertê-las”, diz.

Ela também questiona o ponto do programa de Tarcísio que fala em “considerar como um dos critérios de distribuição do ICMS os indicadores educacionais”. “Parece um alerta sobre a possibilidade de corte de recursos”, diz. E ressalta que o programa não traz propostas para o ensino universitário, como se “um candidato ao governo do estado tenha se esquecido da importância das três universidades estaduais paulistas para o desenvolvimento do próprio estado”, diz.

Ela pensa que o mais estratégico neste momento é focar a qualidade do ensino. “Isso significa investimento na obtenção sim de melhores indicadores educacionais, mas, mais do que isso, em ações concretas no âmbito do planejamento da Secretaria de Educação em consonância com os projetos político-pedagógicos de cada escola. E também me parece uma prioridade tornar constitucional o repasse de verbas para as universidades públicas”, diz.

Márcia Lopes Reis, professora do Departamento de Educação e do programa de pós-graduação da Unesp, câmpus de Bauru, vê diferenças na maneira como os candidatos se aproximam do tema educação em seus respectivos programas.  “Tarcísio tem um perfil gestor, tanto que foi convidado a participar do governo Dilma por sua capacidade administrativa. E ele tenta trazer isso para o seu programa”, analisa, “Haddad pensa em ações dentro de um conjunto sistêmico, o que tem a ver com os processos todos de avaliação e de integração  para garantir o direito à educação pública de qualidade”, diz.

Ela lembra que, no sistema do pacto federativo que vige no país, não é obrigação dos estados cuidar da educação superior; a eles cabe zelar pela educação básica. “Essa pode ser uma explicação para que Tarcísio não tenha citado o ensino superior no seu programa”, diz. Mas, vale lembrar que embora o governo estadual não faça investimentos diretos no ensino superior, é ele quem deve articular a formação de professores para o ensino básico nos municípios. É nesse interregno que as faculdades têm um papel fundamental no sistema educacional do estado para aprimorar o processo formativo. “Investir na formação de professores é um recado claro que você está dando pra sociedade: nós estamos formando os sujeitos que vão gerar todas as outras profissões.”

Imagem acima: Deposit photos