Uma iniciativa para fortalecer a missão da universidade

Fundo patrimonial Prospera estabelece primeira parceria; família Nishimura, controladora da empresa Jacto e que mantém relação com a Unesp desde 1979, realiza a primeira doação, de R$ 1 milhão.

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) oficializou nesta semana o início do funcionamento de seu fundo patrimonial, ou endowment fund, um instrumento institucional para o estabelecimento de parcerias de longo prazo com a finalidade de fomentar investimentos em projetos que fortaleçam a missão da universidade.

Em cerimônia realizada no auditório do Conselho Universitário no último dia 24, foi formalizada a primeira doação, no valor de R$ 1 milhão, efetuada pela família Nishimura, controladora da Jacto, empresa fabricante de máquinas agrícolas com sede na cidade paulista de Pompéia, localizada entre Marília e Tupã, região centro-oeste do estado.

Na ocasião, também foi assinado um instrumento particular de parceria entre o geólogo egresso da Unesp Hilton Magri Lúcio, presidente do Conselho de Administração da organização gestora do fundo patrimonial da Unesp, chamado Associação Prospera Unesp, e o professor Pasqual Barretti, reitor da universidade.

Os recursos captados via endowment são perpetuados por meio do fundo e apenas os rendimentos das aplicações financeiras são utilizados. O Prospera passará a ter um Comitê de Investimento, que fará recomendações sobre a política de investimentos e as regras de utilização dos recursos, a partir do momento em que atingir patrimônio de R$ 5 milhões.

É proibido investir dinheiro do fundo patrimonial em despesas recorrentes, tais como pagamento de salários, contas de energia, aluguéis etc. Os recursos a serem investidos na universidade serão destinados a projetos não recorrentes, como aqueles concebidos para a resolução de problemas específicos da sociedade e para inovação tecnológica, entre outros.

“A Unesp é a única beneficiária deste fundo e o poder de decisão não é de quem doa, é nosso”, pontua o professor Alexandre Perinotto, indicado pelo reitor para o Conselho de Administração do Prospera. “Existe um potencial de doação que não se concretizava porque não tínhamos um instrumento legal para isso. (O endowment) É um instrumento de sucesso em muitas universidades pelo mundo todo e temos mais de mil empresas-filhas da Unesp, muitas de forte relação com a universidade. Abrimos para doações. Nunca substituindo o que o Estado tem que prover, mas agregando algo a mais”, afirma Perinotto.

Presidente do Conselho de Administração do Prospera, Hilton Magri Lúcio atua hoje como diretor-executivo (CEO) da Antea, uma empresa de consultoria na área ambiental, e frisa que o principal objetivo do fundo é fortalecer a missão da universidade, ajudando a instituição a exercer sua função social, promover a formação profissional compromissada com uma sociedade sustentável e democrática, gerar e difundir o conhecimento.

“Esse instrumento de criação de fundos patrimoniais é algo consagrado, não existem experiências negativas, como não conseguir alavancar recursos ou piorar a situação da entidade (beneficiária). É um passo muito importante na direção certa. A Unesp começa a se alinhar ainda mais a excelentes práticas de governança do Século 21 dentro do sistema universitário, com possibilidades de conseguir mais recursos para financiar as suas despesas não recorrentes”, afirma o egresso do câmpus de Rio Claro.

O egresso Hilton Magri Lúcio assina o instrumento de parceria, observado pelo professor Alexandre Perinotto (à esq.) e o reitor Pasqual Barretti

Primeira doação

Assim como ocorre com muitos empresários do interior paulista, a ligação da família Nishimura, controladora da Jacto, é muito forte com a Unesp. Fundador da empresa, o imigrante Shunji Nishimura, que morreu em 2010, aos 99 anos, aproximou-se pela primeira vez da universidade em 1979, em uma interação profícua com a área de ciências agrárias, uma das fortalezas de pesquisa da universidade.

Segundo familiares e contemporâneos de Shunji Nishimura, que chegou ao Brasil aos 21 anos, o imigrante sempre teve a intenção de ajudar o desenvolvimento do país que o acolheu por meio de colaborações na área da educação – em Pompéia, a Faculdade de Tecnologia (Fatec) instalada no município e o Senai local, situado no distrito industrial, levam o seu nome. “Vim representando a família e trouxemos simbolicamente um cheque, que tem um certo valor. Mas muito mais do que a quantia, o cheque tem o valor dos relacionamentos”, afirmou Fabio Nishimura, neto de Shunji, durante a cerimônia na Reitoria. “São pessoas sérias, uma instituição séria e isso é muito importante. Essa confiança é muito importante em um relacionamento. Não se pode perder”, disse.

Um dos mais antigos colaboradores da empresa Jacto, Alberto Issamu Honda, hoje diretor da Fundação Shunji Nishimura, faz parte do Conselho de Administração do Prospera, como representante das pessoas jurídicas doadoras do fundo patrimonial – que também pode receber doação de pessoas físicas. Segundo Honda, faz muito tempo que a família decidiu que doaria para o Prospera Unesp, o que só foi possível após a constituição formal do fundo, cuja criação foi aprovada pelo Conselho Universitário em 2019.

No início daquele ano, foi sancionada a lei federal que autorizou a administração pública a firmar instrumentos de parceria, sob o norte do interesse público, com organizações gestoras de fundos patrimoniais. O capítulo sobre os benefícios fiscais atrelados aos endowments, entretanto, foi vetado integralmente, algo interpretado por quem estuda a matéria como um obstáculo a mais para inserir a cultura das doações no país.

Em universidades de excelência nos Estados Unidos e na Europa, embora sejam instituições financiadas majoritariamente com recursos públicos, a prática de doações a fundos patrimoniais contribui para estreitar laços tanto com os egressos quanto com o setor produtivo. Para o reitor da Unesp, Pasqual Barretti, este “é um passo que não tem volta” no país, apesar da impossibilidade dos benefícios fiscais.

“Sempre uma iniciativa dessas começa com as parcerias mais próximas. Essa relação da Fundação Nishimura e da empresa Jacto com a Unesp tem mais de 40 anos. Então, não é de se estranhar que seja o nosso primeiro doador, e já um montante importante. Para uma universidade que tem 1.300 empresas-filhas, se conseguirmos transmitir segurança e transparência em um fundo sólido, com uma administração soberana que tem como único objetivo o desenvolvimento da Unesp, vamos atrair muito nossos egressos. Mesmo com essa cultura no país sendo muito recente, com todas as limitações, porque ainda os endowments no Brasil não têm as devidas isenções fiscais como em outros países, acredito muito no projeto”, afirma o reitor da Unesp.

O egresso Diego Siqueira, fundador de uma das empresas-filhas da Unesp, integra o Comitê Técnico do fundo

A importância dos egressos

Como citou o reitor, o engajamento dos egressos é fundamental para o desenvolvimento do Prospera Unesp. O engenheiro agrônomo Diego Siqueira, graduado no câmpus de Jaboticabal, integrou-se ao Comitê Técnico do fundo patrimonial por acreditar que investir em ciência e na formação de recursos humanos seja algo altamente valioso à sociedade.

Siqueira é um dos fundadores de uma das empresas-filha da Unesp, a Quanticum, focada em ciências do solo, e faz um paralelo entre a atuação futura do Prospera com o eixo mais transversal dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos para a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: em especial o ODS 17, que versa sobre parcerias e meios de implementação dos demais objetivos.

“No meu ponto de vista, esse fundo faz parte de um movimento de transformação que reforça o ODS 17, conectando empresas-filhas às diversas unidades (da Unesp). É por meio dele que vamos conseguir transpor a ciência para o desenvolvimento de diferentes lugares”, diz Diego Siqueira, que nasceu em um bairro pobre de Ribeirão Preto e diz atuar hoje para mostrar às pessoas que é possível transformar vidas por meio da ciência. “É possível promovermos o letramento científico para melhorar a qualidade de vida das pessoas.”

De acordo com levantamento recente feito pela Agência Unesp de Inovação (Auin), existem cerca de 1.300 empresas-filhas da universidade, iniciativas que possuem de alguma forma o DNA Unesp. Essa rede já mapeada está sendo cruzada com os dados do Portal Alumni, voltado a egressos, para ajudar na prospecção de possíveis doadores.

Para o presidente do Conselho de Administração do Prospera, Hilton Magri Lúcio, não se trata de um apelo à nostalgia dos tempos universitários nem uma questão de retribuição pura e simples. O engajamento com o fundo patrimonial da Unesp é, sobretudo, a propagação de uma visão mais integrada de sociedade, em que os investimentos de longo prazo são direcionados para o fortalecimento dos propósitos.

“A Unesp me transformou, em primeiro lugar, em um ser humano diferente. Em segundo lugar, me transformou em geólogo. E hoje quase 15% das pessoas que colaboram conosco são egressas da Unesp. Esse é o peso da Unesp na minha empresa. Então, para mim, é uma decisão muito fácil. A gente precisa ter bons profissionais, que fizeram pesquisa e que têm consciência crítica”, diz Hilton Magri Lúcio.

No Conselho de Administração, o geólogo representa os egressos. Além dele, também fazem parte o professor Alexandre Perinotto, assessor da Reitoria; o representante dos doadores, Alberto Honda; um profissional com experiência no mercado financeiro, Afrânio Pereira; e um representante indicado pelo Conselho Universitário, o servidor técnico-administrativo Sergio Primo Vicentini, do Instituto de Biociências do câmpus de Botucatu.

“Acredito que a universidade pública não seja mais aquela Torre de Marfim. Estamos numa realidade em que precisamos de novas parcerias. Além disso, quando você cria um fundo patrimonial, você dá também publicidade à marca Unesp. Nossa universidade é fantástica, de qualidade, atende a todo o estado. Então, você vai mostrar a quem ainda não conhece a nossa força e nossa excelência”, diz Sergio Vicentini.

Fazem parte do Comitê Técnico do Prospera a professora Marilza Vieira Cunha Rudge, que já foi vice-reitora da Universidade, os professores Jezio Bomfim Gutierre e Luiz Carlos de Almeida, a servidora técnica-administrativa Lucia Helena Querubim Bordon, o egresso Diego Siqueira e Elvis Fusco, escolha do Conselho de Administração.

QUATRO PERGUNTAS PARA O PRIMEIRO DOADOR:
Alberto Issamu Honda é diretor da Fundação Shunji Nishimura

Como o senhor enxerga este início do Prospera Unesp?
Alberto Issamu Honda: Tenho a visão de que a sociedade tem que ser a protagonista dos destinos do país. O governo é uma parte. A academia, os órgãos de pesquisa, a iniciativa privada e o terceiro setor são importantes. Trabalhei na iniciativa privada, na Jacto, mais de 30 anos, depois fui trabalhar na Fundação Shunji Nishimura e vejo como é importante os diversos setores da sociedade juntarem forças. Hoje a fundação trabalha na governança de projetos de inovação, com universidades e órgãos de pesquisa, tanto em São Paulo como no Paraná, e tem dado certo.

Pode explicar como foi esta primeira doação para o endowment da Unesp?
A. I. Honda: É da família Nishimura. O conselho de acionistas se reuniu e decidiu fazer a doação. Vejo isso com bons olhos porque é uma oportunidade de a sociedade praticar realmente um trabalho colaborativo para a melhoria das instituições de ensino, para ter uma visão de futuro mais promissora. Além do dinheiro do imposto, precisa ter recursos advindos de quem é beneficiário do trabalho da Unesp, da USP, da Unicamp e de outras instituições. Por isso que levei esta proposta (à empresa). Faz muito tempo que a família decidiu que doaria este dinheiro. Vejo como uma oportunidade para a sociedade realmente exercitar esta forma de participar do desenvolvimento do país, com trabalho colaborativo.

Hoje em dia uma empresa que não busca conhecimento para ter uma visão melhor do futuro é uma empresa que está realmente condenada a sofrer muito. Não que você precise investir num fundo para ter o conhecimento, mas é que você tem que caminhar junto com a academia

Alberto I. Honda, diretor da Fundação Shunji Nishimura

O que dizer para as outras empresas sobre este tipo de parceria?
A. I. Honda: Hoje em dia uma empresa que não busca conhecimento para ter uma visão melhor do futuro é uma empresa que está realmente condenada a sofrer muito. Não que você precise investir num fundo para ter o conhecimento, mas é que você tem que caminhar junto com a academia. Uma coisa é você ir para uma universidade, uma faculdade e tentar buscar conhecimento. Você consegue. A outra é ser parceiro da universidade, da busca por conhecimento da universidade. Isso é importante. O senhor Nishimura, fundador do grupo, aos 70 anos constituiu a Fundação Shunji Nishimura com o propósito de agradecer ao país que deu tudo o que ele precisava para trabalhar, formar família e montar os negócios. E ele resolveu devolver um pouco disso em forma de educação, formando gente. Lá em Pompéia temos muitos egressos da Unesp e nada mais justo do que devolver um pouco para a universidade. Isso é um sinal de gratidão por aquilo que a universidade faz pelas empresas. É difícil falar (para os outros)… É uma oportunidade de colaborar com o ensino do Brasil, com o Brasil. O que é isso? É um sentimento, uma percepção.

Por isso a confiança é essencial?
A. I. Honda: A confiança é fundamental para negócio também, mas muitas vezes você precisa apenas confiar no produto ou no serviço que vai ser entregue. Aqui você está dando a ele uma satisfação de participar de um projeto para o bem do país. Não são muitas pessoas que pensam assim. Não são muitas empresas que pensam assim. É difícil, por exemplo, o gestor de uma multinacional no Brasil explicar para a matriz que doou um dinheiro para uma universidade brasileira. Acho que isso vai mudar. Vai levar algum tempo, é uma questão de cultura, mas as empresas que têm esta percepção vão ser importantes. Se precisar de reunião entre um diretor da Unesp com uma empresa, eu me dispus a participar e explicar por que estamos doando. Porque é importante. Temos que criar a cultura e ir multiplicando.

Fotos da reportagem: Roberto Rodrigues/ACI Unesp