Visita de Nancy Pelosi a Taiwan é imprudente e inflama relações diplomáticas entre EUA, China e outras potências globais

Para estudioso de relações internacionais da Unesp, iniciativa da líder do legislativo americano atende mais a fatores de política interna e ignora forte tensão internacional. "Neste momento, ninguém está falando de paz", diz Hector Saint-Pierre.

A presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, chegou a Taiwan na manhã desta última terça-feira (2/8), para se encontrar com lideranças locais. A falta de esclarecimentos em torno da viagem gerou tensões entre EUA e China. Ela já deixou a ilha.

De acordo com o comunicado oficial de Nancy, a visita da delegação do Congresso a Taiwan honra o compromisso inabalável dos Estados Unidos em apoiar a vibrante democracia de Taiwan.

A congressista disse que a visita reitera que os Estados Unidos estão com Taiwan, que é considerada pela China uma província rebelde. Embora tenha capital, governo e PIB próprios, como um Estado independente, a ilha não é reconhecida como país pelas Nações Unidas. Por lei, os EUA devem garantir que ela tenha os meios para se defender em caso de ataque chinês. Mas há muito tempo os americanos seguem uma política de “ambiguidade estratégica” com a China, evitando dizer que suas tropas atuariam diretamente em caso de conflito.

A viagem de Nancy Pelosi a Taiwan motivou uma série de ameaças da China aos norte-americanos. O atrito ocorre porque os chineses consideram que Taiwan faz parte de seu território e condenam qualquer contato de autoridades ou tentativas de reconhecimento da autonomia da ilha. Segundo autoridades chinesas, a viagem de Pelosi é uma provocação.

O Ministério das Relações Exteriores disse que a ida de Pelosi prejudica seriamente a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan e infringe seriamente a soberania e a integridade territorial da China. Após o anúncio da visita, o governo chinês anunciou a realização de exercícios militares aeronavais ao redor da ilha, que na prática correspondem a um bloqueio marítimo e aéreo. Os exercícios devem durar três dias.

Já Washington condenou as ameaças e tentou minimizar a tensão alegando que o gesto de Pelosi, ao qual Biden se opôs oficialmente, não representa uma mudança na política externa americana.

Héctor Luis Saint-Pierre, professor especialista em segurança internacional e coordenador-executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, analisa a visita da presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi a Taiwan como uma medida diplomática imprudente que inflama relações diplomáticas entre EUA, China e outras potências globais.

Saint-Pierre lembra que houve 14 advertências por parte do governo chinês contra a viagem Tamanha ênfase indica que o pais está se colocando como uma grande potência no concerto das nações, algo que talvez não fizesse há vinte ou trinta anos. “O ato imprudente, do ponto de vista das relações diplomáticas, de Nancy Pelosi aumentou a tensão no cenário internacional”, diz.

O estudioso destaca que desde 1979 os EUA reconhecem a existência de uma única China, a República Popular da China, a exemplo do que acontece com a ONU, e que essa visita vai contra essa política que permitiu a aproximação e cooperação entre as duas potências. “E ocorre num momento em que a tensão internacional está crescendo. Há uma nova ofensiva russa na Ucrânia, fomentada pelo temo de que o país receba novos armamentos dos EUA que poderiam ampliar os ataques sobre as partes do país já ocupadas pelas forças russas”, diz.

Neste contexto já tensionado, essa visita não traz nenhum benefício. “A não ser talvez para a campanha eleitoral do Partido Democrata, que devem enfrentar, em novembro, uma eleição legislativa onde a previsão é que venham a perder várias cadeiras para o Partido Republicano”, analisa.

O presidente dos EUA, Joe Biden, não apoiou a visita de Nancy Pelosi, mas devido ao princípio da independência entre poderes – ela é a líder do legislativo – não pode esse opor. “Para a decisão de realizar esta visita, os fatores de política interna tiveram um peso maior do que o contexto das relações internacionais. E estamos num momento muito tenso. Ninguém está falando de paz, ninguém está falando de negociação. Ninguém quer discutir um mundo mais pacífico”, pondera.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista.

Foto acina: Nancy Pelosi é recebida por Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan.