Unesp lidera movimento pela conservação da Bacia do rio Pardo

Há dez anos, Edson Piroli tem estudado aumento da demanda por recursos hídricos na região, ocasionada por crescimento da atividade industrial, da agricultura e da geração de energia elétrica. Diante de atual cenário de queda no volume dos rios, universidade está buscando engajar população e gestores para estabelecer parâmetros para uso racional e compartilhado da bacia.

Em 2013, o engenheiro florestal Edson Piroli foi convidado a integrar uma reunião do Conselho Municipal de Defesa de Meio Ambiente (Condema) da cidade de Ourinhos, onde leciona no câmpus experimental da Unesp. Durante  sua fala, ele procurou alertar as autoridades locais para a importância de um trabalho de gestão hídrica para a região da bacia do Rio Pardo, que banha Ourinhos e outros municípios vizinhos. A participação do engenheiro na reunião despertou pouco interesse, e “sequer foi incluída na ata” , lembra ele. Quase dez anos depois, no início de 2022, Piroli esteve no centro de um encontro sobre o mesmo tema, também em Ourinhos. Desta vez, vieram para ouvi-lo, com toda atenção, mais de 80 participantes, entre secretários municipais, representantes das prefeituras cortadas pelo rio, deputados estaduais, membros do Ministério Público, pesquisadores e munícipes interessados no assunto.

Para o docente, que é especialista em gestão de recursos hídricos e uma das referências nos estudos sobre a bacia hidrográfica do Rio Pardo, o crescimento no número de participantes e a diferença de atitude, observados entre os dois eventos, mostram que houve uma “tomada de consciência”, por parte dos gestores e habitantes da região. Esta guinada, porém, não foi motivada pelos conselhos dos especialistas, e sim pelo aguilhão dos problemas que, ao longo desta década, têm afetado a população.

No município de Ourinhos, o ponto crítico ocorreu em novembro do ano passado. Na ocasião, o volume do rio, que antes atingia um metro de altura, estava reduzido a apenas alguns centímetros. Tamanho encolhimento tornava mais difícil o processo de captação, e naquele momento a cidade conviveu com a possibilidade bem concreta de uma suspensão do abastecimento de água por pura escassez.

Aproveitando-se do impacto que a crise imprimiu sobre a comunidade, Piroli agendou para fevereiro deste ano um encontro para entender o atual estado da bacia e discutir soluções para um uso racional e sustentável dos recursos hídricos. Explica-se assim o alto comparecimento e a atitude interessada dos participantes.

O Pardo é um dos rios mais limpos do estado de São Paulo. Ele nasce no Oeste do estado, perto do município de Pardinho, e percorre 264 km até desaguar no Paranapanema, que marca a divisa com o Paraná. A área de sua bacia, que se divide em 476 microbacias, se estende por 4.801. 095 km2 , e alcança 20 municípios. Sua água, após ser captada e tratada, abastece as populações de Pardinho, Botucatu, Itatinga, Avaré, Santa Cruz do Rio Pardo e Ourinhos. Piroli acumula mais de dez anos à frente de projetos de pesquisa voltados à bacia. Essa produção sistemática têm contribuído para melhorar o entendimento sobre o consumo hídrico das cidades da área. Igualmente importante são os estudos que procuram dimensionar os efeitos ocasionados pela recente construção de pequenas centrais hidrelétricas e pelas mudanças no uso da terra, fomentadas pela expansão agrícola. A própria tese de livre-docência do professor discutiu a aplicação de técnicas de geoprocessamento no estudo do uso da terra na bacia do rio Pardo.

O marco inicial desse trabalho foi um projeto de pesquisa financiado pela Fapesp entre 2010 e 2012. Ao longo de seu desenvolvimento, o projeto estimulou diversos trabalhos de alunos de graduação e pós-graduação responsáveis por levantar informações essenciais, tais como o número total e a localização das nascentes do rio, de seus córregos e ribeirões.

Em linha com a tese de livre-docência do professor, parte desses trabalhos vêm empregando técnicas de geoprocessamento para analisar as mudanças no uso da terra nos municípios que integram a bacia. O tema motivou um segundo projeto financiado pela agência paulista, entre 2017 e 2019, que comparou impactos causados pela mudança no uso da terra em duas microbacias do rio Pardo. Uma localizada na cidade de Avaré, próximo à nascente, e outra em Ourinhos, próximo à foz. “Nós quisemos entender de que forma as mudanças no uso da terra nessas microbacias se relacionavam com processos erosivos observados nessa área. E constatamos que as duas coisas têm tudo a ver”, diz.

Assoreamento já prejudica abastecimento

Piroli narra um episódio emblemático para o entendimento da importância de uma gestão adequada dos recursos hídricos. “Em Avaré, a Sabesp teve que deixar de coletar água em um açude porque, devido a um processo de erosão aquele manancial terminou por se encher de terra, e o assoreamento impediu a captação”.

O processo erosivo que prejudicou a captação de água em Avaré pode ser evitado pela manutenção da mata ciliar, a vegetação que nasce à beira dos rios, cuja preservação é prevista em lei. Porém, o que as imagens de satélite estão mostrando é que, em muitas partes do trajeto do rio, a agricultura intensiva não preservou essa vegetação. “O que nós temos observado principalmente na última década é uma redução na área de pastagens e o aumento da área ocupada pela agricultura intensiva, principalmente cana de açúcar, soja e milho”, destaca Piroli.

A introdução de novas culturas aumenta também a pressão sobre os recursos hídricos, uma vez que necessitam de irrigação. E esta água tem sido captada principalmente na bacia do rio Pardo. Embora o impacto destas novas culturas seja difícil de calcular com precisão, um projeto de doutorado de Amanda Amorim sob orientação de Piroli lançou seu olhar exclusivamente para a sub-bacia do rio Novo, um dos afluentes do rio Pardo. O trabalho já constatou que, entre 2010 e 2014, o número de hectares de plantações aumentou de 575,5 ha para 2226,4 ha. No mesmo período, triplicou o número de pivôs centrais em uso na área, instrumentos empregados principalmente em monoculturas para a irrigação de grandes áreas de cultivo. “A sub-bacia do rio Novo ocupa cerca de um quarto da bacia do rio Pardo. Quando olhamos as demais sub-bacias, notamos que também houve um aumento, mas não temos isso quantificado com precisão ainda”, diz Piroli. Os passos a seguir envolvem o engajamento de mais alunos de pós-graduação e iniciação científica para desenvolver pesquisas semelhantes nas outras três sub-bacias que compõem a bacia do Rio Pardo: do Rio Claro, do Alto Rio Pardo e do Baixo Rio Pardo.

Usina hidrelétrica situada na Bacia do Rio Pardo no município de Avaré, SP.

Construção de barragens favorece evaporação

Outro problema que preocupa os pesquisadores é a construção de barragens para produção de energia. Além de alterar a vazão do rio, provocando variações na altura da lâmina de água, especialmente à jusante, onde está o municípios de Ourinhos, a formação de grandes espelhos d’água favorece a maior evaporação da água, fenômeno que é evitado quando se mantém o curso natural do rio. Segundo Piroli, em dias quentes e secos, a evaporação pode alcançar 3 mm por metro quadrado.

No ano passado, por exemplo, foi concluída a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) cuja lâmina d’água alcança 120 ha. Considerando a média de evaporação mencionada pelo professor de Ourinhos, a represa pode perder até 3.600.000 litros de água nos dias mais quentes e secos. O dado chama a atenção, especialmente pelo fato de que alguns quilômetros acima do rio, no município de Botucatu, está sendo construída uma nova barragem, a represa do Rio Pardo, com 280 ha, sendo 130ha em área de preservação ambiental. A expectativa é que a obra, quando concluída, garanta o abastecimento do município de Botucatu pelas próximas décadas.

“Se de um lado tem aumentado a demanda por água em toda a bacia, por outro lado temos populações que dependem dessa água, cujo volume vem se reduzindo”, aponta Piroli. Há que se adicionar nesse cenário, a previsão de crescimento populacional e os efeitos das mudanças climáticas, que tendem a agravar os períodos de estiagem.

A demanda por irrigação diante de uma produção agrícola crescente, a construção de barragens para abastecimento ou geração de energia ou mesmo a exploração turística do rio Pardo, que também ocorre em diversas cidades da região, são exemplos das diferentes demandas pelos recursos da bacia. Todos precisam ser discutidos e equacionados, considerando os interesses da cada município e suas atividades econômicas.

O encontro realizado em fevereiro foi o primeiro passo para a criação de um consórcio de municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo com o objetivo de se implementar o manejo integrado visando a produção de água. “O manejo integrado da bacia hidrográfica visa o aumento da infiltração da água das chuvas para recarregar o lençol freático e estes abastecerem as nascentes. São elas que mantém os córregos, que mantém os ribeirões, que formam o Rio Pardo. Esse conceito é denominado de produção de água”, diz Piroli.

Como primeira medida, a reunião propôs a assinatura de um protocolo de intenções para a aplicação de 26 ações com o objetivo final de melhorar o volume de água e aumentar a segurança hídrica da população. As ações envolvem desde propostas de educação ambiental nas escolas, para aumentar a percepção das comunidades sobre a importância do rio, passando por ações de proteção e restauração florestal, manejo adequado de pastos e culturas agrícolas, incentivo à adesão de programas de pagamento por serviços ambientais, adequação de estradas rurais, apoio a projetos de pesquisas e extensão universitária, monitoramento de dados hídricos e da biodiversidade, além de ações mais voltadas ao ambiente urbano, como reuso da água, coleta seletiva e compostagem de resíduos orgânicos.

A ideia é, além de engajar representantes do poder público, iniciar o diálogo com o setor produtivo. Piroli explica que a região também tem observado o crescimento da atividade industrial, como alimentos. “É preciso trazer esses atores que usam a água para as mais diversas atividades e discutir como gerenciá-la. Porque, se faltar água para as pessoas, vai faltar também para as atividades produtivas”, diz. “Precisamos todos agir de forma racional para ganharmos no longo prazo e não somente agora. Ou corremos o risco de, daqui a dez anos, deixarmos para nossos filhos um ambiente muito mais degradado, sem água, sem produção e com menos empregos”.

Foto acima: O rio Pardo cruzando a cidade de Águas de Santa Bárbara do Oeste